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Fuvest e a educação brasileira - Artigo

Precisamos procurar a melhor forma de selecionar as cabeças de maior potencial intelectual e criativo

György Miklós Böhm - Professor-titular da FM-USP


Em 29/6 o Estado publicou importante editorial (A3) sobre as mudanças que se pretendem introduzir no exame vestibular da USP.

Trata-se de um pronunciamento equilibrado que relata a polêmica desencadeada na comunidade universitária e manifesta a preocupação do jornal com o rumo dos acontecimentos.

Sendo docente da USP desde 1962, agradeço e dou os parabéns ao autor do editorial. A inquietação é mais que justificada: as mesmas forças que afundaram a maioria das universidades federais estão corroendo a USP.

O problema do vestibular é antigo. A realidade é que nunca houve um plano educacional coerente neste país que integrasse a educação média e superior.

A admissão dos estudantes nas universidades no mundo segue dois caminhos básicos: 1) A escolha é feita pelo ensino médio por alguma forma de seleção, às vezes chamadas de exame de "madureza", e as universidades recebem seus alunos de acordo com o nível que lograram; 2) a escolha é da competência das universidades - o modelo vigente no Brasil, a meu ver, infelizmente, pois é o responsável pela indústria dos cursinhos.

Até os anos 1960 cada faculdade fazia seu exame, geralmente provas escritas e orais. Na época, a instrução nas escolas de educação média, principalmente nas públicas, era adequada para enfrentar os exames da educação superior.

À medida que as exigências das unidades universitárias aumentaram e o ensino médio a elas não correspondia, proliferaram os cursinhos, que acabaram por se institucionalizar no país.

Muito se fala contra os cursinhos, mas a realidade é que são fruto da dicotomia entre a educação média e a superior, sob o olhar indiferente das autoridades responsáveis.

Os cursinhos são modelos admiráveis de educação: identificam com precisão os objetivos a alcançar, as competências exigidas pelos exames vestibulares, e ministram o ensino em função do aprendizado dos estudantes. Os que colocam seus alunos nas faculdades prosperam, os outros acabam falindo.

Claro é que isso não significa que a instrução recebida pelos estudantes valha para qualquer coisa além de entrar nas faculdades. Isso, porém, não é problema dos cursinhos, que vendem a facilidade, a responsabilidade cabe ao sistema educacional, que criou a dificuldade.

As dificuldades dos exames feitos separadamente pelas unidades universitárias eram várias, sendo a mais importante o colossal desperdício de tempo de todos: dos estudantes, que só podiam aplicar a uma ou duas faculdades e, se falhassem, perdiam pelo menos um ano; e das faculdades, que gastavam tempo e esforço na realização dos exames de admissão.

A unificação de todos os exames de uma ou mais universidades num único sistema classificatório foi uma solução boa e na USP, após várias tentativas, se consolidou na Fuvest.

A Fuvest classifica os candidatos que, de acordo com o resultado obtido, entram ou não nas faculdades escolhidas. Assim, o aluno não concorre à vaga de apenas uma escola, mas de diversos cursos.

A crítica mais freqüente que a Fuvest recebe é a de que se baseia em testes de múltipla escolha, a famigerada prova das cruzinhas. Infelizmente, devo dizer que esta objeção não é válida e, pior, mostra total despreparo em matéria de avaliação do rendimento educacional.

Primeiro, um teste de múltipla escolha pode ter qualquer nível de complexidade, a idéia de que somente serve para mensurar a memorização é basicamente errada.

Segundo, trata-se de uma prova objetiva, ou seja, sua análise por vários examinadores dá o mesmo resultado. Infelizmente, isso não é válido para a redação, introduzida no vestibular após muita discussão.

Os resultados da análise de mais de 100 mil redações por um pequeno exército de examinadores não são fidedignos. No curso de pós-graduação sobre Tecnologia Moderna de Instrução este fato foi demonstrado múltiplas vezes. Esta providência tampouco ajudou os estudantes a escreverem melhor: o pronto-socorro deveria ter sido aplicado à educação média, o band-aid do vestibular para pouco ou a nada serviu.

Terceiro, a correção dos testes de múltipla escolha pode ser feita por computador, que é essencial: devemos recordar que o número de candidatos é enorme.

O que deveria ser revisto - e até que é, talvez não com a freqüência desejada - são os conteúdos das provas da Fuvest. A revisão deveria ser cuidadosa, ponderada e visando a melhor qualificação do futuro profissional que cada unidade da USP pretende formar.

Precisamos procurar a melhor forma de selecionar as cabeças de maior potencial intelectual e criativo. Temos de banir as atitudes populistas, o "politicamente correto" e tudo mais que leva à ruína do sistema educacional e à proliferação da educação privada, como ocorreu no "ensino secundário" de norte ao sul do Brasil.

Qualquer critério de seleção que não a qualidade é uma aberração, só serve para semear e promover a desigualdade e a injustiça.

Lamento dizer que a decisão do Conselho Universitário de dar um handicap aos alunos egressos de escolas públicas é injusta, inútil e, o pior de tudo, é a pá de cal na esperança de melhorá-las.

Ainda bem que não se aprovou a inclusão de minorias. Isso já foi experimentado em conceituadas universidades, entre elas Harvard. Não foi um sucesso. O governo deveria preocupar-se em dar uma educação básica decente, oferecendo formação, apoio e salário digno aos professores do primário e do secundário.

Porque não se criam unidades profissionalizantes competentes para as minorias? Copiem o exemplo do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que ministra um cursinho para vestibular gratuito e exclusivamente para estudantes de famílias de baixa renda.

A impressão que tenho, após 44 anos de exclusiva docência em instituição pública, é de que os discursos eleiçoeiros e ideológicos que se ouvem há décadas pioraram espantosamente.


Data: 13/07/2006