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Unha revela dieta no Brasil e no mundo

Habitantes de áreas urbanas têm alimentação de origem bem diferente nos EUA e na Europa, mostra pesquisa da USP. Carbono e nitrogênio das unhas sugerem que, no país, uso de fertilizante industrial e de ração para animais é bem menos disseminado

Quem mora numa metrópole globalizada do porte de SP pode até achar que tem à mão alimentos dos quatros cantos da Terra, mas não é essa a história que as unhas contam.

As unhas? Sim, de acordo com pesquisadores da USP de Piracicaba. Eles usaram as unhas humanas para mostrar que cada região do planeta ainda usa principalmente alimentos da vizinhança, produzidos de maneiras diferentes, apesar da impressão de que hoje se vive num supermercado global.

A bióloga Gabriela Nardoto, que atualmente faz pós-doutorado na USP, conta que a descoberta começou com uma brincadeira em sala de aula, durante o curso ministrado por seu orientador, Luiz Martinelli.

"Ele sugeriu que a gente coletasse as unhas das pessoas e visse onde cada uma se encaixaria, testando se os vegetarianos realmente não comiam carne, por exemplo", diz ela.

O teste é possível porque vegetais e animais acumulam em seu organismo diferentes formas dos elementos químicos carbono e nitrogênio, cuja proporção dá pistas importantes sobre a dieta da pessoa que os come.

As perguntas, porém, logo se ampliaram. "Hoje todo mundo está comendo produtos de supermercado, uma coisa meio padronizada. Será que a cultura das diferentes regiões ainda teriam um impacto no que é consumido? É isso que a gente tentou responder", conta Nardoto.

A pesquisadora e seus colegas, entre os quais cientistas da Universidade de Utah e do Serviço Geológico dos EUA, aproveitaram toda as oportunidades para coletar amostras de unha.

No fim, chegaram a uma amostra abrangente, que incluía o Sudeste (Piracicaba, Campinas e SP, principalmente), a cidade de Santarém (PA) e pequenas comunidades nos arredores, os Estados americanos de Utah e da Califórnia e vários países europeus.

As diferenças internacionais derrubaram de cara o mito do supermercado global. As unhas brasileiras tinham proporções claramente mais altas de carbono-13, variante que é típica de gramíneas tropicais, como o milho e a cana.

Os americanos e europeus, que usam açúcar de beterraba, tinham mais carbono-12 nas unhas. Além disso, os brasileiros consomem mais carne de gado criado com pasto -e as pastagens daqui também são ricas em carbono-13.

O mais esquisito, contudo, foi a grande presença de nitrogênio-15 nas unhas nacionais, superando as americanas. Normalmente, a variante seria indício de alto consumo de carne.

Mas come-se mais bife nos EUA do que no Brasil. "O que acontece é que aqui se usa mais adubo orgânico, rico em nitrogênio-15, ao contrário dos EUA, onde se usa como fertilizante o nitrogênio de origem mineral", diz Nardoto.

O estudo estará na edição de setembro da revista científica "American Journal of Physical Anthropology", dos EUA.

Ribeirinhos e pesquisadores dão amostra

Os pesquisadores acionaram uma verdadeira rede de contatos para conseguir todas as amostras. Aproveitaram, por exemplo, um congresso científico no Nordeste para pedir a pesquisadores europeus pedacinhos de seus corpos em prol do conhecimento.

Ao fazer trabalho de campo perto de Santarém, Nardoto precisou conquistar a confiança de moradores de pequenas comunidades para que eles cedessem suas unhas cortadas.

"Tive de convencê-los de que não ia fazer bruxaria contra eles", brinca. Acabou descobrindo que a cidade de Santarém tem uma dieta que lembra mais a do Sudeste que a desses povoados.


Data: 12/07/2006