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Células-tronco sem corrupção moral - Artigo

Nos últimos anos muitos dos mais importantes cientistas do mundo promoveram a chamada clonagem terapêutica como o meio mais promissor de produção de células-tronco biologicamente versáteis, geneticamente sob medida e úteis clinicamente

Eric Cohen - Membro do Centro de Política Pública e Ética e editor do jornal "New Atlantis".

Robert P. George - Professor de jurisprudência na Universidade de Princeton e membro do Conselho Presidencial sobre Bioética.

 

Nos últimos anos muitos dos mais importantes cientistas do mundo promoveram a chamada clonagem terapêutica como o meio mais promissor de produção de células-tronco biologicamente versáteis, geneticamente sob medida e úteis clinicamente.

Essa é a razão pela qual as duas declarações de uma equipe de pesquisadores da Coréia do Sul - uma em 2004, de que o primeiro embrião humano clonado fora produzido, outra em 2005, de que o processo de produção de linhas de células-tronco embrionárias poderia se tornar rotineiro e eficiente - foram aclamadas como um marco.

O pesquisador sul-coreano Hwang Woo-suk transformou-se em celebridade internacional. Os melhores cientistas americanos viajaram para Seul para estudar suas técnicas. O próprio Hwang costumava qualificar seu trabalho como "sagrado, puro e genuíno".

Mais tarde, contudo, uma sucessão de revelações espantosas deixou claro que os dados publicados foram forjados. Aparentemente, nenhum embrião humano clonado jamais fora produzido; além disso, nenhuma célula-tronco embrionária realmente havia sido criada.

Naturalmente, algumas pessoas repudiaram a fraude sul-coreana, considerando-a trabalho de alguns maus cientistas. E citaram o caso como razão para os pesquisadores americanos criarem e destruírem embriões clonados por eles próprios.

Recentemente a Universidade Harvard aprovou a clonagem para pesquisa e alguns Estados americanos reservaram verbas públicas para os experimentos. O argumento científico é o mesmo: se você deseja células-tronco úteis, precisa criar e destruir embriões humanos clonados.

Lição errada

Mas essa é exatamente a lição errada a ser extraída do escândalo ocorrido na Coréia do Sul. A clonagem sempre será moralmente corrompida porque exige deliberadamente a criação e a destruição de milhares (ou milhões) de embriões humanos.

As recentes tentativas no Congresso para se aumentar o financiamento federal para a pesquisa de células-tronco embrionárias, incluindo também os embriões não utilizados em clínicas de fertilidade, não vão satisfazer os cientistas, porque tais células-tronco não lhes darão o controle genético sobre as células, como desejam.

A verdadeira lição do escândalo é encontrar uma alternativa científica à clonagem para pesquisa que forneça as células-tronco que se deseja, sem as violações éticas que abominamos.

A fraude de Hwang envolveu a exploração de mulheres, submetidas a procedimentos perigosos e desagradáveis - primeiro uma hiperestimulação ovariana e em seguida a inserção de uma agulha nos seus ovários para se buscar os oócitos desejados - sem nenhum benefício médico para elas. Na tentativa de produzir um único embrião clonado, milhares de óvulos foram recolhidos e usados como matéria-prima.

Na Coréia do Sul, a compra e venda de óvulos era feita às escondidas. Isso nunca aconteceria nos EUA, dizem os pesquisadores. Porém, com o passar do tempo, ao invés de se questionar a clonagem para pesquisa, alguns questionarão seus limites éticos: por que não pagar as mulheres pelos seus óvulos?

Talvez a ética médica básica também seja "atualizada", para decidir que "o bem da humanidade" supera o bem dos pacientes individualmente. Já vimos para onde essa lógica amoral nos leva: abusos vergonhosos de pessoas objeto de pesquisa que seguramente ninguém deseja que aconteçam de novo.

Nesse debate sobre as células-tronco, contudo, vimos também como as regras morais rapidamente se desgastam - desde o uso de embriões "excedentes" não utilizados nas clínicas de fertilidade até a criação de embriões humanos unicamente para pesquisa, com o fim de criar (ou tentar criar) embriões clonados também unicamente para pesquisa.

E depois, qual será o próximo passo? Provavelmente propostas para uma "lavoura fetal", ou seja, a gestação de embriões humanos para estágios de desenvolvimento posteriores, quando células-tronco estabilizadas potencialmente mais úteis poderão ser obtidas e primórdios de órgãos, "colhidos".

Repetidamente, cientistas e estudiosos da ética dizem "chegamos aqui, mas não iremos mais adiante". E depois procuram ir mais adiante, em nome do "progresso".

Dilemas inerentes

No final, o escândalo da Coréia do Sul não significou que apenas as diretrizes específicas da pesquisa foram violadas, mas que a clonagem humana, mesmo para pesquisa, é tão problemática moralmente que os envolvidos nela sempre estarão procurando esconder seus vestígios, especialmente quando procuram atender a falsas expectativas de progressos miraculosos que eles próprios ajudaram a criar.

Como a clonagem é moralmente problemática, precisamos encontrar outro caminho. Ao invés de nos engajarmos na fraude e dissimulações, ou realizar experimentos que violam os princípios morais de muitos cidadãos, procuremos respostas na criatividade científica.

Pesquisas eficazes e éticas

Desde a fraude da clonagem, muitos cientistas vão exatamente nessa direção, como Markus Grompe, da Oregon Health & Science University, e Rudolf Jaenisch, do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Outros, como Kevin Eggan, em Harvard, podem ter encontrado uma técnica chamada "fusão celular", a criação de linhas de células-tronco versáteis e geneticamente controladas, pela fusão de células-tronco existentes e o DNA comum.

Cientistas japoneses anunciaram que podem ter encontrado um meio de realizar isso sem mesmo necessitar de uma linha de células-tronco já existente. Em outras palavras, todos os benefícios da clonagem para pesquisa sem problemas éticos.

Olhando à frente, fica cada vez mais provável que a reprogramação de células adultas para torná-las pluripotentes, ao invés da destruição de embriões humanos, será o futuro da medicina regenerativa. Ela nos oferece um caminho ético e eficiente.

Muito freqüentemente nesse debate, ciência e ética são encaradas como se estivessem em colisão.

Não precisa ser assim. Afinal de contas, o que poderia ser mais pró-ciência do que a decisão de avançar na pesquisa das células-tronco sem recorrer a experimentos de clonagem antiéticos?


Data: 10/07/2006