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A vacina é nossa - Artigo

Salta à vista a importância de uma obra portentosa da pesquisa brasileira, o Instituto Butantan

Luis Nassif - Jornalista, colunista e membro do Conselho Editorial da "Folha de SP".

 

Um dos erros fundamentais da política de saúde no governo Lula foi essa aventura da Farmácia Popular, investindo dinheiro em estruturas de distribuição, tendo à disposição todo o SUS (Sistema Único de Saúde) e toda a rede de farmácias do país.

Um dos acertos da política de saúde do governo Lula foi ter dado prosseguimento à política de fabricação interna das vacinas em laboratórios públicos.

Apesar dos sucessivos contingenciamentos orçamentários, já há alguns anos, o Brasil tornou-se um dos únicos países do mundo a fornecer vacinação grátis e universal. E aí salta à vista a importância de uma obra portentosa da pesquisa brasileira, o Instituto Butantan, tocado pelo quase octogenário cientista Isaias Raw.

Desde cedo, Raw se deu conta de que não adiantava ter pesquisa científica se não dominasse o processo de fabricação de vacinas. No início do século 20, o governo francês havia ajudado muitos países a montar seus institutos de pesquisa, quase todos com o nome de Pasteur.

Um a um foram desaparecendo, por falta de infra-estrutura. No Brasil, sobraram a Fiocruz, no Rio de Janeiro, o Butantan, em SP, e, até os anos 50, o Instituto Biológico.

Quando decidiu partir para a fabricação de vacinas, o Butantan transformou-se em uma fundação, para ganhar mais flexibilidade administrativa. Seu custo administrativo é de irrisório 1% do orçamento.

Um dos primeiros feitos do Butantan, por meio do cientista Sérgio Henrique Ferreira, foi ter desenvolvido um anestésico com base no veneno da jararaca, que resultou no remédio Captopril, sucesso mundial de vendas, mas patenteado por um laboratório norte-americano.

Anos atrás, o Butantan conseguiu desenvolver uma vacina contra a hepatite tipo B, e o processo ficou cinco anos parado na burocracia do Ministério da Saúde.

Desemperrou quando José Serra assumiu o Ministério da Saúde e informou que só compraria as vacinas do Butantan.

Agora, o instituto começa a trabalhar com vacinas rotavirais, abrangendo vários tipos de rotavírus (vírus que causa doença gastrointestinal), inclusive com possibilidade de exportação para a África.

Nesse processo, o Butantan demonstrou a importância de laboratórios públicos, inclusive para conferir ao país poder de barganha nas grandes multinacionais.

Na visita que o ministro Luiz Fernando Furlan fez à Inglaterra, a Glaxo se dispôs a investir US$ 350 milhões no Brasil, se houvesse dez anos de exclusividade nas compras públicas de uma vacina de rotavírus monovalente -que vale para apenas um tipo de rotavírus- e que provavelmente estaria superada em dois anos.

Segundo Raw, o Butantan conseguiu desenvolver o mesmo medicamento por menos de US$ 10 milhões e deverá estar no mercado em 2008, após os testes finais. No ano que vem, Raw faz 80 anos.

E não há, ainda, sucessor, alguém que junte a parte científica com formação econômica e administrativa. Raw terá algum tempo para preparar o sucessor, sabendo que, nesses anos todos, ajudou a construir um caminho irreversível de aplicação prática do conhecimento científico, em benefício dos brasileiros.


Data: 10/07/2006