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A indigência do ensino básico - Editorial de O Estado de SP

O ensino básico é decisivo para a emancipação social, econômica e cultural das novas gerações e para que o país produza o capital humano de que necessita para crescer


Eis o editorial:

Aplicada a 3, 3 milhões de alunos em todo o país, a Prova Brasil, um dos mais importantes mecanismos de avaliação do ensino básico, mostrou que o sistema educacional continua sendo incapaz de formar as novas gerações com um mínimo de eficiência.

As provas foram realizadas em novembro de 2005 em 40.920 escolas públicas urbanas de 5.398 municípios, e os resultados, que acabam de ser divulgados pelo Ministério da Educação, revelam que a grande maioria dos estudantes de 4ª e 8ª série exibe aproveitamento pior do que pífio.

A pontuação alcançada pelas escolas não foi considerada "adequada" em nenhum dos itens avaliados, conforme escalas definidas pelo MEC ("muito crítico", "crítico", "intermediário" e "adequado").

Em português, os alunos tiveram um rendimento classificado como "crítico" e "muito crítico" no exame que analisa a capacidade de ler e compreender um texto.

Na 4ª série, a maioria dos estudantes não consegue entender histórias em quadrinhos mais complexas nem identificar o tema da narrativa. Na 8ª série, eles têm dificuldade para distinguir o sentido metafórico do sentido literal de uma expressão, não sabem localizar informações que expressem sentimentos e opiniões e não conseguem identificar as intenções do autor.

Em matemática, embora a média nacional tenha ficado um pouco acima da de português, situando-se no nível "intermediário", em 16 Estados a maioria esmagadora dos alunos foi reprovada.

Quase todos esses Estados se localizam nas Regiões Norte e Nordeste.

Os estudantes da 4ª série mostraram-se incapazes de ler as horas em relógios de ponteiros e de realizar divisões simples ou multiplicações com números de dois algarismos.

Os alunos da 8ª série não conseguiram trabalhar com porcentagens, não souberam fazer cálculo de conversão de medidas, como de tempo, comprimento ou capacidade, e se revelaram incapazes de trabalhar com frações sem o apoio de figuras.

Concebido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), com apoio dos Estados e municípios, a Prova Brasil expandiu os exames que vinham sendo realizados desde 1995 pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Mas, enquanto o Saeb é feito por amostragem e envolve a rede privada e as escolas rurais, a Prova Brasil é um exame obrigatório circunscrito às escolas públicas urbanas com mais de 30 alunos.

Por isso, o MEC reconhece que a comparação entre os dois sistemas de avaliação tem de ser feita com ressalvas.

A novidade da Prova Brasil é que ela fornece ao MEC dados sobre o desempenho de cada estabelecimento avaliado, com a distribuição porcentual de alunos e a média obtida nas duas matérias, permitindo dessa maneira a comparação de escola por escola, município por município e Estado por Estado.

Enquanto o Saeb consiste numa macroavaliação do ensino básico, a Prova Brasil oferece às secretarias estaduais e municipais de Educação dados estatísticos que lhes permitam fixar metas de desempenho, estabelecer prioridades de recursos técnicos e financeiros, identificar as necessidades de treinamento de professores, dar tratamento diferenciado às escolas sob sua responsabilidade direta e atender às expectativas das suas comunidades.

Graças a esse aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação do ensino básico, é possível identificar os erros cometidos pelo atual governo, em matéria de política educacional.

Em vez de perder tempo com um demagógico projeto de reforma do ensino superior, que impõe o sistema de cotas para alunos oriundos de escolas públicas, concede representação a sindicatos e movimentos sociais nos órgãos colegiados das instituições de ensino superior e aumenta em R$ 2 bilhões ao ano o orçamento das Universidades federais, sem condicionar a concessão desses recursos a processos de avaliação, o governo deveria ter enfrentado o desafio da revolução qualitativa do ensino básico.

Por seus efeitos distributivos, esse nível de ensino é decisivo para a emancipação social, econômica e cultural das novas gerações e para que o país produza o capital humano de que necessita para crescer.

Infelizmente, como os resultados da Prova Brasil deixam claro, o governo não se conscientizou de que esse é o único caminho para a redução da pobreza e das desigualdades sociais.


Data: 10/07/2006