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Belíssima - Artigo

A falta de ética, o baixo nível intelectual do público não é culpa só da escola. Por mais altos e seguros que sejam os muros escolares, estes não a isolam da sociedade envolvente e da crise que mina seus valores

Nelly Carvalho - Professora do Deptº de Letras da UFPE.

 

A entrevista concedida à “Veja” pelo autor da novela supracitada foi atualíssima, claríssima, oportuníssima. Só não podemos dizer que foi belíssima, pois denunciava no seu conteúdo uma mudança negativa de valores na sociedade brasileira.

Através do posicionamento dos telespectadores, constata o autor que os valores éticos foram banidos do ideário do público.

Afirma Sílvio de Abreu que o público atual, não “torce” pelo herói íntegro, nem o admira. Antes aceita e admira e, mais que isso, toma como exemplo os que aderem à “política dos resultados”.

O personagem preferido é o que se dá bem, sejam quais forem os métodos usados para conseguir o sucesso.

Analisando as novelas atuais, constatamos que elas crescem em direção ao apuro técnico e à qualidade do texto. O tratamento do tema e dos personagens vem mudando.

Até há pouco conservavam traços do romantismo brasileiro no tema e nos caracteres. Os personagens eram planos (alguns ainda o são) e maniqueístas. Uns representavam o bem e outros encarnavam o mal.

Os primeiros eram premiados enquanto os últimos castigados no “grand finale”. Resolviam-se todas as questões na base do “foram felizes para sempre”. Comparando mal, as histórias tinham traços dos romances de José Alencar.

Com os novos autores, à frente Sílvio de Abreu, o tratamento do folhetim eletrônico mudou, com recursos literários mais sofisticados como a “intertextualidade”, tendo como exemplo a referência que faz, no jogo de roleta, ao “Vermelho 27” (deu Preto 17) de um antigo tango gravado por Nelson Gonçalves, alusão que poucos entenderam.

Traz, também, de volta a história do teatro-revista brasileiro, como bem o sabem fazer os musicais americanos para valorizar sua cultura musical.

Quanto aos personagens, começa a aparecer algo de original, pois não são planos e simples, mas “oblíquos e dissimulados”, lembrando (pecado dos pecados!) os de Machado de Assis.

Todos são complexos e sinuosos e se traem por um olhar, um gesto, ou uma ação indigna esquecida no passado. Não chega a trama à sordidez dos dramas naturalistas, mas passeia com leveza pelos modelos realistas e modernistas.

Na sua entrevista, Sílvio de Abreu aponta, com coragem, para a deterioração da ética na sociedade brasileira pelos exemplos que vêm de cima, agravados pela impunidade, pela mentalidade consumista (exacerbada num país com acentuado desnível social) e pelo desejo de levar vantagem em tudo, o que já foi chamado a “Lei de Gérson”.

Apesar de sua lucidez, contudo, comete um deslize.

Ao declarar que a culpa cabe à escola que não dá formação adequada, que ensina mal e não incute valores, nem disciplina, pela perda do princípio de autoridade. Isto é uma conseqüência e não a causa.

A falta de ética, o baixo nível intelectual do público não é culpa só da escola. Por mais altos e seguros que sejam os muros escolares, estes não a isolam da sociedade envolvente e da crise que mina seus valores.

A escola não constrói sozinha a personalidade nem o saber do educando, cuja escala de valores deveria se formar no lar, o que está falhando.

A família não está sendo o centro formador de pessoas que devia ser. Nem a educação formal – escolar – hoje em dia é o canal único ou determinante na transmissão do saber.

Ela divide espaço e perde feio para a educação informal, para os meios de massa que determinam como devem pensar, brincar, vestir, pensar, comportar-se e consumir, crianças e jovens.

Aí estão a TV e a Internet a derramar informações a rodo, desejáveis ou não.

Não, Sílvio, a escola brasileira pode ter muitas culpas. Mas essas, ela divide com a sociedade, com as autoridades, com a família e, acima de tudo, com a mídia.


Data: 07/07/2006