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Projetos estruturantes e o desenvolvimento nacional - Artigo

O Brasil está travado em seu futuro por mediocridade energética e isso é quase um projeto estruturante da estagnação em longo prazo

Carlos Lessa - Professor do Instituto de Economia da UFRJ, ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES.

 

No início dos anos 50, Getúlio Vargas implementou conjunto estratégico de projetos: equacionou o financiamento da geração de energia elétrica com o FFE;

optou pelo plano rodoviário para a integração logística do mercado interno; equacionou, institucionalmente, a questão do petróleo; e deu forma operacional à Petrobras.

Com esses projetos, estruturou o avanço da industrialização brasileira. Apontou, com clareza, para a centralidade da indústria metal-mecânica.

Juscelino Kubitschek deu continuidade e instalou a automobilística - cuja vanguarda foi a FNM. GV não terminou seu mandato. Suicidou-se e as razões estão na carta-testamento.

O projeto estruturante de JK foi realizar o sonho de José Bonifácio e, no perímetro delimitado por Floriano, realizar a construção da nova capital brasileira no ponto geográfico-simbólico de união de formadores das bacias Amazônica, Paraguai-Paraná e do São Francisco.

Brasília representou um ponto de permanente injeção de gasto público autônomo. Seus funcionários criaram um importante mercado local.

O prestígio localizado no vácuo atraiu intenso fluxo de turismo, de poder e de negócios. A construção civil deu origem a cidades satélites com cara de favelas melhoradas.

O nó logístico articulando o Distrito Federal com as demais regiões abriu enorme fronteira agrícola.

Cinqüenta anos depois, DF, logística e mais a criatividade da Embrapa deram um empurrão na economia da soja, da carne: hoje novas vinte cidades com mais de 100 mil habitantes estão no Centro-Oeste e na Amazônia Setentrional.

Nos últimos 20 anos, no cenário macroeconômico estagnado brasileiro, a única região dinâmica é o Centro-Oeste. Brasília, projetada para 500 mil habitantes, já é uma região metropolitana com 3 milhões de habitantes.

JK rompeu com o FMI, que pretendia vetar a Marcha para o Oeste e era hostil aos "50 anos em 5".

O governo Lula tem projetos estruturantes? Sucedeu à Fernandécada, onde dois Fernandos estiveram preocupados em "acabar com a era Vargas" e em fazer com que o Brasil, passivamente, se articulasse com a globalização a partir da visão hegemônica dos EUA.

Reluto em denominar de projeto estruturante a demolição neoliberal feita pelos dois presidentes que antecederam Lula. Sublinho que sua eleição sinalizou enorme desejo de mudanças: geração de emprego e renda, aperfeiçoamento da cidadania e inclusão social.

Certamente a recuperação do São Francisco e a transposição de águas suas para as cidades do semi-árido nordestino, a modernização e ampliação da estrada de ferro Transnordestina (articulando o arco regional de soja com os portos de Pecém, Suape e Itaqui) e a extensão da ferrovia Norte-Sul estruturam, de forma inovadora e integradora, o Nordeste com o Brasil.

Esses projetos redefinem o Nordeste, de região-problema em região-solução: seria a Brasília de Lula.

É magnífica a retórica governamental, porém pífio o que foi feito até agora. Está em finalização o quadriênio. Estudos, discursos e, em alguns casos, pedras fundamentais.

Porém, GV e JK - e os brasileiros de então - viram aqueles projetos pioneiros implantados. Os de Lula estão no vir-a-ser.

Em nível microscópico, apenas depois do apagão de segurança de SP foi inaugurado o primeiro presídio federal de alta segurança, dos vários prometidos em campanha. A procrastinação parece ser a regra.

A segurança energética brasileira começou a ser desconstruída com FHC, que: desmantelou o modelo elétrico brasileiro e sub-investiu em energia hidráulica;

desmembrou peças importantes da Petrobras, dissolveu o monopólio e licitou concessões a petroleiras estrangeiras em zonas cuja geologia fora identificada pelo esforço brasileiro.

Pior: os contratos com as "concessionárias", autorizam-nas a fazer o que quiserem com o petróleo extraído. Lula festejou, com campanha milionária, a auto-suficiência em petróleo.

O Brasil a alcançou porque está há 25 anos estagnado, mesmo assim só dispomos de reservas para uns 17 anos, se o país crescer modestos 4 /4,5% ao ano.

Lula manteve a orientação neoliberal de FHC e está antecipando a oitava rodada de licitações de blocos petroleiros.

Quando FHC tentou correr atrás do prejuízo do apagão, embarcou na instalação de termelétricas, sem equacionar o suprimento de gás. Se todas as nossas termelétricas operarem em conjunto, faltará gás.

Lula aperfeiçoou o "padrão FHC" e atenuou algumas de suas piores dimensões. Foi conservador em matéria de hidroeletricidade.

Agora anuncia o importante projeto do Rio Madeira, mas mantém silêncio sobre a Usina de Belo Monte. Não liberou a Eletrobrás como empresa investidora.

Há complacência em manter cerca de 17 projetos hidrelétricos com questiúnculas ambientais.

O Brasil está travado em seu futuro, por mediocridade energética. É quase - por omissão - um projeto estruturante da estagnação, em longo prazo.

Cabe, contudo, duplo elogio à atual administração. Lula deve ser felicitado pelo impulso que deu, em matéria de bioenergética, com etanol, biodiesel e h-bio, fronteiras de futuro.

Não é estruturante o Bolsa Família, porém é um mínimo de inclusão social, enquanto se espera que o país vença a estagnação e gere empregos dignos.

Mas a Febraban festeja o crescimento de seus associados, num país estagnado. Ministro Meirelles oficia a mais repugnante taxa de juros real do planeta.

Umas 20 mil famílias que recebem 70% dos juros pagos pelo governo federal compram nas Daslus, podem ter contas no Caribe e apartamentos em Miami.

Cedo, o governo anunciou, com a Carta aos Brasileiros, sua opção pela concentração de renda e riqueza.

Não posso encerrar sem avançar uma explicação para a retórica atual do Governo Lula: pagando este ano R$ 160 bilhões de juros, não houve recursos para os projetos estruturantes.


Data: 05/07/2006