topo_cabecalho
Adição da mandioca a farinha do trigo avança no Congresso

A mandioca faz parte da cultura alimentar nacional, sendo conhecida desde os tempos da colonização

Depois de cinco anos de tramitação no Congresso, o Projeto de Lei 4.679, sobre a obrigatoriedade de adição de no mínimo 10% de farinha de mandioca refinada, farinha de raspa de mandioca ou fécula de mandioca à farinha de trigo ganhou na última semana de abril uma comissão especial destinada a proferir parecer sobre a proposta.

Até o dia 10 de maio, 11 emendas foram encaminhas à comissão para serem apreciadas.

Apesar de entrar na pauta da discussão política, a proposta de lei que irá mexer com a dieta do brasileiro e com a balança comercial - pois poderá implicar queda na importação de trigo - não será votada neste ano: o autor da proposta é Aldo Rebelo, que é presidente da Câmara dos Deputados e não irá apresentar nenhum projeto de sua autoria para ser votado enquanto estiver na presidência.

Mesmo sem prazo para ser votada e ainda aguardando o parecer da comissão, a proposta é motivo de estudos e debates entre produtores, industriais e pesquisadores.

A mandioca faz parte da cultura alimentar nacional, sendo conhecida desde os tempos da colonização.

"A mandioca faz parte da alimentação do nosso povo desde antes da chegada dos portugueses. Na carta escrita a Portugal, Pero Vaz de Caminha já faz referência a 'esse inhame', na verdade a mandioca, que era largamente utilizada pelos índios na terra em que Pedro Álvares Cabral acabara de desembarcar. Na Constituinte de 1823, a mandioca foi a referência para o voto censitário: um projeto de Antônio Carlos de Andrada e Silva conferia o direito eleitoral aos que detinham renda calculada em plantações de mandioca", ensina o deputado Aldo Rebelo.

O presidente da Câmara destaca que a lei servirá para apoiar o pequeno agricultor e aumentar a renda no campo.

"Será, em primeiro lugar, uma forma de valorização do pequeno agricultor, com a fixação do homem no campo e também com o aumento da renda. É uma cultura totalmente adaptada ao solo e ao clima brasileiros, contribuindo para deixar o Brasil cada dia mais auto-sustentável. É bom lembrar que o projeto prevê a adição de apenas 20% do total utilizado de outros grãos. Logo, não será uma alteração tão grande no sabor dos produtos."

A alteração pode ser pequena no gosto, mas será considerável na balança comercial. De acordo com estudo realizado pelos pesquisadores Carlos Estevão Leite Cardoso, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, e Augusto Hauber Gameiro, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, "a implementação da lei nos termos propostos poderá resultar numa economia estimada em US$ 104 milhões (a preços médios de 2001), considerando-se uma redução nas importações em volume equivalente ao incremento dos derivados de mandioca (farinha de mandioca refinada, farinha de raspa de mandioca ou fécula) adicionados à farinha de trigo".

O documento afirma também que, para atender à nova demanda com a aprovação da lei, a produção de fécula deveria aumentar em mais 630 mil toneladas, o que geraria, só na atividade agrícola, mais de 50 mil empregos diretos.

Mudanças na proposta

Para João Eduardo Pasquini, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Mandioca e Derivados, caso aprovada, a lei pode levar a uma economia nas importações de trigo.

"Acredito que a aprovação desse projeto de lei proporcionaria uma redução no déficit da balança comercial em mais de US$ 100 milhões ao ano. Além da diminuição da dependência do Brasil do trigo importado, ajudaria na geração de mais de 100 mil novos postos de trabalho. Contribuiria, ainda, para dobrar a produção de fécula de mandioca nos próximos cinco anos, promovendo uma condição melhor de comercialização para os produtores e expansão na produção da raiz."

Ele acredita ainda que, se for aprovada, a lei dará novo ânimo ao segmento. "É um projeto fundamental para o setor da mandioca. O impacto que dará na cadeia na geração de emprego e no crescimento do setor será fantástico."

Entretanto, Pasquini se mostra apreensivo com a possibilidade de aprovação do texto atual do projeto e salienta que a lei precisa passar por algumas mudanças.

"A aprovação da maneira que o projeto está seria temerosa, pois poderia causar escassez de fécula de mandioca no mercado. Acredito que o projeto deva ser alterado em alguns pontos, como o volume a ser adicionado, e o direcionamento de seu objeto, devendo atingir somente trigo e farinha importados. A adição deve ficar restrita à fécula de mandioca, por ser este um produto mais adequado à mistura, pois a farinha de raspa não tem produção significativa, e a farinha de mandioca não tem as condições necessárias para a adição. Com relação ao volume a ser adicionado, deverá seguir uma escala, iniciando-se a adição com um pequeno volume - em torno de 2% - com aumento gradual durante os cinco anos subseqüentes à aprovação do projeto, até atingir o patamar de 10%."

Mas não é só no campo econômico que o projeto de lei trará mudanças: os brasileiros também poderão senti-la na mesa das refeições caso a mandioca escolhida para a adição seja uma espécie que contém 4% de proteína.

O professor Nagib Nassar, docente e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), é responsável pelo desenvolvimento de uma espécie híbrida e aponta as vantagens de incluí-la na dieta do brasileiro.

"A mandioca comum tem 1,5%. É um nível muito baixo de proteína em relação a outras culturas, como o trigo, que é de 7%. Por isso, as populações pobres que dependem da mandioca em sua comida diariamente exibem complicações por causa dessa má nutrição. A proteína é necessária para construir tecidos novos no organismo. A falta pode causar fibrose dos tecidos humanos, tornando-os inúteis para cumprir suas funções fisiológicas."

As espécies desenvolvidas por Nassar permitiram que a população da Nigéria pudesse ter um reforço alimentar.

"A Nigéria plantou híbridos meus. Esses híbridos são caracterizados pela resistência a uma doença devastadora naquele país, conhecida como mosaico africano. Por isso, resultaram em grande expansão em plantio da mandioca. Graças a esses híbridos, a Nigéria planta agora quatro milhões hectares de mandioca (em 20 anos, triplicou a área cultivada) e se tornou a maior produtora mundial da mandioca."

Em 2004, o professor recebeu, do Instituto Internacional de Agricultura Tropical (Iita - uma associação informal que reúne mais de 40 países e 15 instituições e foi criada em 1967 para desenvolver a produção sustentável de alimentos em países da África subsaariana), uma carta de reconhecimento ao trabalho realizado.


Data: 01/06/2006