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Grupo faz "míssil teleguiado" anticâncer

Experimento liderado por brasileiros nos EUA usa vírus geneticamente alterados para atacar vaso sangüíneo de tumor. No futuro, espera-se usar o mesmo princípio para entregar cargas "explosivas" a tecido doente e assistir a sua morte

Se a pesquisa sobre câncer fosse uma guerra, a nova invenção de um grupo da Universidade do Texas poderia ser um míssil que combina a capacidade de identificar bunkers, entre milhares de prédios, e a de perfurar suas paredes para detonar uma ogiva dentro deles.

Como os caminhos da biologia são mais sutis, a equipe do M. D. Anderson Cancer Center combinou dois mísseis que não explodem: vírus.

O trabalho com a descrição de mais um passo nessa guerra saiu em abril no periódico "Cell". O primeiro de 18 autores é o marroquino Amin Hajitou.

A liderança foi partilhada pelo casal Renata Pasqualini e Wadih Arap, ambos brasileiros. Por enquanto, a estratégia só foi testada em camundongos.

O grupo do Texas criou uma quimera. Combinou a capacidade de infectar células humanas dos vírus adeno-associados (AAV, em inglês) com a capacidade de distinguir células cancerosas que Pasqualini e Arap montaram num vírus que não quer saber de humanos, só de bactérias, os bacteriófagos (ou fagos).

A quimera inédita foi por eles batizada como AAVP. Hoje o AAVP é mais um conceito do que uma arma da biomedicina. Para que se torne um míssil de verdade, serão necessários muitos anos de pesquisa.

Uma guerra prolongada: "Isto é só uma prova de princípio, e, embora ainda tenhamos de traduzir esses vírus híbridos para uso em humanos, esperamos que o novo sistema tenha aplicações clínicas futuras", disse Arap em comunicado.

Pasqualini e Arap montaram o sistema de direcionamento em fagos (veja texto à direita). Os parasitas de bactérias foram induzidos a exibir no seu envelope pedaços de proteínas que se encaixavam perfeitamente no CEP molecular dos vasos sangüíneos de vários tecidos.

O problema é que fagos só infectam bactérias, não humanos. Dariam mísseis inteligentes, certeiros, mas apenas para atacar ninhos de saúva no meio da floresta.

Para bombardear as casamatas cancerosas, seu sistema de rastreamento de vasos que alimentam tumores precisaria estar montado num vírus capaz de penetrar células humanas – como o AAV.

"A beleza está em que esse receptor no qual miramos não só se liga [ao vírus], mas também media muito rapidamente sua internalização nas células. Obtemos assim transdução dirigida", diz Pasqualini.

Com isso ela quer dizer que a ogiva do míssil viral pode conter uma carga genética, por exemplo uma seqüência de DNA que induza ao suicídio (apoptose) das células dos vasos que alimentam os tumores.

Interrompendo a circulação, o câncer morreria por asfixia. Outra possibilidade, já testada nos camundongos, é entregar um trecho de DNA capaz de fazer a célula alvejada produzir uma proteína fluorescente, que daria grande precisão a exames diagnósticos por imagem.

Imagine agora que as duas coisas possam ser reunidas no míssil AAVP teleguiado: uma carga explosiva e uma carga sinalizadora.

Quando a ogiva fosse acionada no interior do tecido doente, seria possível atacá-lo e monitorar sua destruição.

Se tudo der certo, o grupo dos brasileiros estará então mais perto dos chamados sistemas de "teragnóstico" (terapia mais diagnóstico):

"Isso possibilitaria a abordagem "ver e tratar", ou "tratar e ver", em que o pessoal está tão interessado hoje em dia", afirma Pasqualini.

"Será possível dizer onde estão os tumores e, quando tratados como quimioterapia ou qualquer outra terapia, se o tumor está de fato respondendo."

Essa guerra também é sutil.

CEP vascular fez fama de cientistas

O novo estudo é um dos muitos subprodutos da linha de pesquisa de medicamentos contra tumores que fez a fama do casal brasileiro.

Há quatro anos eles publicaram no periódico "Nature Medicine" um trabalho de grande repercussão -já foi citado por pelo menos 116 outros artigos, desde então- sobre o que ficou conhecido como "CEP vascular".

O texto apresentava a descoberta de que as células de vasos sangüíneos de áreas específicas do corpo, como medula óssea, gordura, próstata e pele, exibem na superfície proteínas únicas (receptores, ou "fechaduras" químicas) que podem ser usadas como um sistema de endereçamento de moléculas.

Como essas proteínas delatam a localização da célula, elas poderiam ser usadas para definir o alvo de um fármaco.


Data: 24/05/2006