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Artigo - Também estive em Monteiro

José Edilson de Amorim*

 

1. Entusiasmo

 

Também estive em Monteiro no domingo, 19 de março de 2017. As mais vivas imagens da alegria e do congraçamento entre militantes do PT, de outros partidos, do povo da cidade e da região estão reproduzidas em vários meios de comunicação. Cada pessoa, em meio à multidão que minha percepção alcançou, estava agradecida e contente com o encontro com Lula e demais lideranças políticas que o acompanhavam. Era de fato o que se chamou de inauguração popular da obra de transposição de águas do Rio São Francisco em seu Eixo Leste.

 

Acrescentaria ao colorido alegre das imagens divulgadas o calor e o entusiasmo que senti ao encontrar limitantes históricos do PT desde sua fundação. Com eles e com a presença de Lula, quatro décadas de lutas populares e de construção política estavam ali presentes com a consistência do seu peso histórico e com a leveza dos seus acertos em minha memória.

 

2. Inconsistência

 

Ao lado dessa consistência do passado recente do país, convém anotar pelo menos uma inconsistência do presente em curso; lembrando, porém, que o passado também registra fragilidades do processo político de formação do PT: no passado, vi muitos jovens militantes, em viagens para cidades do interior do Estado, saírem entusiasmados de João Pessoa e começarem a ficar calados, tristes até, ao se aproximarem da cidadezinha de seu nascimento. Era o transporte deixar o asfalto e pegar a entrada da cidade, e muitos se esquivarem da missão que era indicar contatos, facilitar filiações, promover reuniões. Comecei a compreender essa fragilidade: na cidade natal, estavam o pai, a mãe, irmãos e parentes; ali estavam as relações locais: um emprego, uma promessa, um empenho, uma dívida política. Ficava difícil enfrentar as relações de compromisso e de favor, falando de Lula, de greves, de luta e de revolução social perto da casa do prefeito, ao lado da casa do vereador.

 

Essa fragilidade permanece e esteve presente em Monteiro. Vi mais de um militante que, em sua cidade, trabalha, sustenta e até formula políticas para um líder local que, por sua vez, dá sustentação a liderança estadual e nacional que urdiu o golpe e vive empenhada em banir Lula e o PT da política. Eis uma inconsistência renitente que o presente exibe.

 

3. Preocupação

 

Além da inconsistência, gostaria de anotar uma preocupação: vi muitos militantes históricos do PT que, com crítica à esquerda, abandonaram o projeto petista por considerá-lo neoliberalizante e, portanto, indiferenciado das práticas políticas atrasadas das elites políticas do país. Agora, porém, com a saída do PT do governo, poderemos esperar um reposicionamento desses militantes? Com Dilma na presidência, e mesmo com a maquinação crescente dos partidos conservadores e reacionários, as forças históricas com tradição de luta, como a CUT e o MST, pareciam não estar em seu convencimento total quanto ao apoio ao governo, razão por que sua capacidade de mobilização arrefecia ao avaliar cooptações de um lado e as demandas históricas não atendidas de outro.

 

Com o PT fora do comando a situação é outra. Os partidos à esquerda, incluindo parcelas próprio PT, até então hesitantes e críticos em relação às praticas do partido no governo, devem se dar conta de duas verdades insofismáveis: o governo do PT não estava em campo sozinho, nem mesmo estava em campo neutro com mando indisputado; estava em campo de luta e de tensão permanentes com o capital e seus donos; mesmo em campo minado, o governo do PT ampliou e garantiu espaço aberto de acesso ao Estado, ao entendimento do exercício do governo e, portanto, à investigação de práticas e de responsabilidades.

 

Aliada a essa compreensão, a militância petista e parte da esquerda começam a reavaliar as concessões feitas pelo governo petista; mas, no mesmo movimento, começam a repor no quadro do presente as conquistas e os avanços que este mesmo governo promoveu. Dessa reavaliação, será que o potencial de esperanças tende a ressurgir e a buscar a força programática do partido, dissipada em alguns escaninhos de sua breve e intensa história nada infensa contradições?

 

O fato é que, mal alcançado o campo do poder pela esquerda, a militância se depara com uma obviedade que parecia não enxergar: as poucas conquistas não se deram sem a reação renitente da direita empedernida. Diante dessa verdade, a preocupação é – os partidos à esquerda se reposicionarão, farão alguma autocrítica em face da experiência recente ou irão continuar, fragmentariamente, tentando construir um partido aqui, uma fração acolá, uma tendência mais adiante?

 

4. Uma saudação

 

Na segunda-feira, 20 de março de 2017, li no site UFCG Unida e Integrada o texto “Em Monteiro, a esperança tomou posse”, do Prof. Durval Muniz de Albuquerque (UFRN).

 

Minha memória militante, já alegre, contemplou a memória acadêmica com euforia: li no texto de Durval Muniz que a crise que vivemos é motivada por um “golpe contra a democracia”; em resposta a isso, o que se viu no Cariri paraibano foi “um fulgurante raio de esperança”; Lula é saudado como uma liderança popular jamais produzida pelas elites brasileiras; “sobrevivente da seca”, Lula representa, na leitura de Durval, a encarnação do povo brasileiro; “Lula é um mito vivo” e, perseguido pelas elites, “ele se tornará lenda e as perseguirá enquanto viver e mesmo depois de morto.”; o maior líder popular da história do Brasil”, “o maior presidente que este país já teve. A transposição é descrita como um “quase milagre”, “o retorno da esperança”. Em Monteiro, naquele dia de São José, “a esperança estava novamente no ar” e “vencia todos os medos”. Sem fazer caso de pecha populista dirigida a Lula ou mesmo ao acontecimento político daquele dia, Durval diz que “a esperança voltou a tomar conta de todos nós”. E conclui entusiasmadíssimo: “Hoje em Monteiro jorrou (sic) as águas da esperança e eu me banhei de lágrimas de alegria e de emoção.”

 

Fiquei surpreso com o texto; não pela retórica nem pela efusão. Durval sempre foi amigo de efusão e de retórica: fiquei surpreso porque seu discurso mudou de mira; ou sou eu quem está desatualizado. Quem conhece Durval, como eu o conheci em meados da década de 1990, sabe que ele construiu uma identidade acadêmica e intelectual de tal forma colada ao pensamento de Foucault que mais de um aluno seu, sem nenhuma ironia, mas com reverência e admiração, já o chamou de Professor Durvault.

 

Penso que Durval tem plena consciência de sua ascendência intelectual sobre muitos alunos e professores das universidades por onde passou; ele fez uma quantidade considerável de prosélitos. Na sua formulação teórica, de há muito assentada em livro e em falas incontáveis, a seca é uma invenção discursiva para uso das elites regionais; mito não há porque o passado deve ser descartado como um fardo pesado, como pesada formação discursiva que achata os sujeitos, aniquila a individualidade que é nivelada pela linha da mediocridade; esperança não se cultiva porque não carecemos de futuro, já que vivemos em um presente contínuo com sabor de eternidade; utopia é coisa do passado, mania de românticos recalcitrantes.

 

Agora, vejam quanta esperança confere vivacidade ao texto de Durval sobre o dia de São José em Monteiro; quanto entusiasmo seu texto carrega! Quanta identidade com a experiência histórica protagonizada por Lula! Parabéns, Durval! Minha admiração por você se renova a cada vez que o leio.

 

* Professor da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 06/04/2017