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Artigo - Notas sobre a cena brasileira atual

Luciano Mendonça de Lima*

 

A palavra de ordem “pessimismo da inteligência, otimismo da vontade” deve ser a palavra de ordem de todo comunista consciente. (Antonio Gramsci, 1920)

 

O Brasil vive hoje uma das maiores crises de toda a sua história. Contudo, como em toda sociedade capitalista, a atual crise não atinge a todos os segmentos sociais exatamente da mesma maneira. Desse modo, por exemplo, enquanto o flagelo do desemprego crescente, da carestia e da inflação em alta atingem duramente as camadas populares, os setores ligados ao agronegócio, a grande indústria e, principalmente, a bancarrota financeira, veem suas rendas, lucros e juros aumentarem a cada semestre. Aí estão as estatísticas para comprovar tais fatos.

 

Embora tenha se intensificado nos últimos meses, ela é resultado das políticas de caráter neoliberal postas em prática na era Lula/Dilma (especialmente nos últimos meses da gestão desta última) e retomada com mais celeridade desde os primeiros dias do ultraconservador Governo Temer. No pouco tempo de existência da gestão deste último temos assistido a um deplorável festival público e privado de reacionarismo, com claras e preocupantes conotações fascistas, espalhado pela sociedade e pelos poderes da república tupiniquim, com total cobertura e apoio da grande mídia. Um destes últimos espetáculos se deu quando da votação, em segundo turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional Nº 241 (aquela que congela por 20 anos os investimentos em serviços públicos e ampliar ainda mais os lucros da agiotagem financeira) na noite de 25/10/2016. Diante de mais um espetáculo grotesco como aquele propiciado pelos representantes políticos de nossas elites, lembrei-me do seguinte trecho de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", genial romance de Machado de Assis publicado em 1881:

 

O que importa é a expressão geral do meio doméstico, e essa aí fica indicada, - vulgaridade de caracteres, amor das aparências rutilentes, do arruído da frouxidão da vontade, domínio do capricho, e o mais. Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor.

 

Embora estivesse se referindo aos senhores de escravos do século XIX brasileiro, sintetizados na trama ficcional pelo narrador defunto, as sábias palavras do "bruxo do Cosme velho" ainda servem como uma luva para caracterizar a nossa atual classe dominante. Afinal de contas "O menino é pai do homem", tal como a “fina flor” da nossa atual elite dirigente é patriarcal, racista, predatória e dissimulada é herdeira na linha direta do tempo de seus antepassados escravistas. Em outras palavras, na alma e no gesto de cada capitalista brasileiro existe um quê da boçalidade dos antigos senhores de escravos, assim como na mesma medida o camburão da polícia de hoje carrega consigo a marca da violência inaudita dos Navios Negreiros de outrora.

 

E pensar que até ontem era com aquela gente que aprovou com folga a famigerada PEC da morte que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados de "esquerda" governava até pouco tempo atrás, através de uma perversa política de conciliação de classes. Deu no que deu: ao abdicar de seu projeto histórico o partido que surgiu das lutas sociais e populares contra a ditadura militar nos anos 1980 se aliou com as forças do capital e ao chegar ao poder em 2003 se tornou cúmplice, na condição de sócio menor, de um dos maiores ataques que a classe trabalhadora brasileira sofreu em todos os tempos. Porém, nem tudo está perdido. A conjuntura dá sinais de que as coisas estão mudando.

 

Evidências nesse sentido são as greves de importantes categorias de trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada, dias de paralisações e protestos e o recente processo de ocupação de escolas por parte de estudantes secundaristas e universitários Brasil afora. Essas iniciativas precisam, contudo, ser potencializadas e unificadas em um objetivo comum que no momento tem nome: greve geral!

 

Nesse sentido, só a greve geral será capaz de interromper o conjunto de ataques em curso, derrotar o governo Temer e seus aliados e possibilitar a reconstrução deste país na perspectiva do povo pobre e trabalhador.

                                                      

 *O autor é professor da UAHIS/CH/UFCG.

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 01/11/2016