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Artigo - Os amigos visíveis ou não

Hiran de Melo*

 

Hospedei na minha residência uma colega da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não sei precisar o ano, mas lembro que ela ficou deslumbrada com o verde da nossa terra e com as cores do arco íris que aqui, também, estão a sorrir. Percebi que não era bem isso que ela esperava ver no Nordeste. Então, resolvi radicalizar. Fomos ao brejo. Andamos por Esperança, Remígio, Areia... onde tudo era vida e tudo estava belo.

 

Visitamos os engenhos velhos e os canaviais da serra. Alguns ainda em atividade, apenas como restaurantes. Como não havia pressa e ainda não havia a Lei Seca, provei todas as águas ardentes derivadas da cana de açúcar, para tentar escolher a mais gostosa dentre elas...

 

Nem preciso dizer que fiquei com a consciência alterada e não soube escolher; então, deixei para outro dia a decisão final. Nestes casos, é sempre bom adiar, "começar tudo outra vez.. se possível for meu amor".

 

Nesse ritmo gostoso anoiteceu e, como tal, já era mais que chegada a hora da volta; descer a serra cheia de curvas perigosas. Sem problemas! A iluminação estava garantida, pois mandei trocar a bateria por uma nova.

 

Fomos descendo a serra como se estivéssemos no balão mágico. Só que por um descuido... o técnico esqueceu de arrochar o parafuso e a bateria ficou solta. Ficou sendo jogada de um lado para outro, de modo que de tanto ser jogada para lá e para cá, ocorreu um curto circuito e a minha amada e única Brasília, pegou fogo.

 

Parei-a e todos desceram do carro mais rápido do que o raio. Mas, eu voltei. Precisava salvar o veículo, a nave. E joguei-me dentro dele procurando o extintor de incêndio.

 

Depois de muita bravura e pouco juízo, consegui manipular o tal Senhor das Nuvens. Mas apenas saiu um pozinho mixuruca que nada apagou. Assim, a chama agradecida aumentou, ficando mais vermelha do que nunca.

 

Quando tudo parecia perdido, não é que parou um automóvel! Não lembro a marca, e dele saiu o motorista com um novo extintor na mão. A esperança se fez presente, a Brasília estava salva!

 

Que nada! O extintor dele era da mesma natureza do meu: vermelha ilusão de segurança. Mas, aí veio o que chamo a Graça de Deus que é dada de graça. O socorro não pensou duas vezes, e sem nada me pedi, tirou a camisa dele e apagou as chamas com ela.

 

Meu Deus! Ele não pediu a minha. Não havia tempo para estas coisas miúdas. O socorro foi preciso, cirúrgico. E depois da missão voluntariamente cumprida, do nada como surgiu, ele se foi. Nem deu tempo para que eu pudesse agradecer. Nem soubesse o seu nome. Nunca mais o vi.

 

Relato isto para testemunhar uma verdade: não chegamos onde estamos sem a ajuda dos outros. Por isso, tenho todas as razões do mundo para ser agradecido pela existência dos demais seres, humanos ou não, que aqui estão também para nos socorrer.

 

Tanto quando são pedras no nosso caminho, como quando são bóias aos náufragos. Quando são pedras, eles nos ajudam a superarmos nós mesmos. E, quando são bóias, nos ajudam a superar o que vem além de nós.

 

Aonde eu cheguei, servidor em uma escola pública, poucos colegas da minha juventude puderam chegar. É motivo para me orgulhar? Sim, é. Mas, não é motivo para vaidades.

 

Cheguei porque tinha um potencial, e fui em busca de desenvolvê-lo. Mas, cheguei principalmente porque pude contar com valorosas ajudas que chegaram de graça, de forma visível ou não.

 

Cheguei e aqui fiquei, de modo que tenho passando uma grande parte da minha vida na escola. E, agora, não consigo viver longe dela. Já poderia estar nos aposentos da casa. Mas, insisto em viver na sala.

 

Nesta casa encontrei, também, inúmeros adversários. Em especial, ao meu jeito de ser. Mas, não cultivei inimizades. Cultivo amizades com quem tenho afinidades e me mantenho distante dos que não tenho empatia. Todavia, estas distancias não os tornam meus inimigos. Pelo menos eu assim não os considero. Independente do que eles pensem ou falem de mim.

 

Aliás, desconheço a existência de inimigos internos nesta amada escola pública. A vida é breve e preciso, e devo, compartilhá-la com os amigos queridos - com os socorros visíveis ou não. Só tenho mesmo é que agradecer. Muito obrigado!

 

*Hiran de melo é professor da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 07/12/2015