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Artigo - Seca em versos e prosa

Benedito Antonio Luciano*

               

A seca é um fenômeno climático com o qual o nordestino brasileiro tem convivido ao longo dos anos, desde os tempos pretéritos. Por conta desse convívio, o homem simples da zona rural do semiárido aprendeu a identificar, de forma empírica, os sinais da seca ou das chuvas.

 

Os primeiros registros de secas no semiárido nordestino remontam ao século XVI, nos anos 1583 e 1587. No século XVII, a seca mais longa ocorreu entre os anos de 1603 e 1608. Ao longo do século XVIII ocorreram vários anos de secas, entre 1707 e 1793. No século XIX foram registradas secas entre 1804 e 1898. No século XX as secas mais severas ocorreram entre os anos 1930/1932, 1941/1942, 1951/1953, 1976/1983, 1991/1993 e 1997/1999.

 

No atual século XXI, neste segundo decênio, verifica-se um período de seca que teve início em 2012 e vem se estendendo até este ano de 2015, causando sérios problemas de abastecimento de água para o consumo humano. Pois, as principais barragens nordestinas estão com seus volumes de água muito abaixo de suas capacidades, comprometendo, inclusive, o funcionamento pleno das hidrelétricas que dependem das águas do cada vez menos caudaloso Rio São Francisco.

 

As consequências das secas são dramáticas e serviram de inspiração para poetas, e escritores. Dentre outros, o compositor pernambucano Zé Dantas, com “Vozes da seca”, gravada por Luiz Gonzaga, em 1953; o poeta cearense Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), com a plangente “A triste partida”, gravada por Luis Gonzaga, em 1954; o poeta campinense José Palmeira Guimarães com a atávica “O último pau-de-arara”, gravada pela dupla Venâncio e Curumba, em 1956; o baiano Gordurinha (Waldeck Artur Macedo), autor da belíssima “Súplica cearense”, gravada por ele em 1960; o escritor alagoano Graciliano Ramos ao produzir o clássico romance “Vidas secas”, publicado originalmente em 1938; e a escritora cearense Rachel de Queiroz ao publicar o seu romance “O Quinze”, em 1930.

 

Em “Vozes da seca”, Zé Dantas apresenta, segundo a sua visão, quais as políticas públicas que os governantes deveriam pôr em prática para mitigar os efeitos da seca sobre o semiárido, sem esquecer-se de deixar um recado pertinente, claro e atual: “Mas dotô uma esmola a um homem que é são/ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

 

Patativa de Assaré, em “A triste partida”, inicia com versos que retratam o temor do nordestino face à seca que estaria por vir: “Setembro passou/Outubro e novembro/Já tamo em dezembro/ Meu Deus, que é de nós?/Meu Deus, meu Deus/ Assim fala o pobre/Do seco Nordeste/ Com medo da peste/ Da fome feroz/ Ai, ai, ai, ai”... Em seguida, o poeta fala das experiências, das crenças e das desesperanças que levam o homem deixar o Nordeste para tentar sobreviver na região Sudeste, em São Paulo. E encerra com os versos: “Faz pena o nortista/Tão forte e tão bravo/Viver como escravo/ no Norte e no Sul/ Ai, ai, ai”.

 

A forma poética que Palmeira Guimarães encontrou para descrever o estoicismo do nordestino em “O último pau-de-arara” pode ser exemplificada nos seguintes versos: “A vida aqui só é ruim/ Quando não chove no chão/ Mas se chover dá de tudo/ Fartura tem de montão/ Tomara que chova logo/ Tomara meu Deus, tomara/ Só deixo o meu Cariri/ No último pau-de-arara/ Só deixo o meu Cariri/ No último pau-de-arara”.

 

Em “Súplica cearense”, Gurdurinha compôs os versos como se fosse um nordestino em prece dirigida a Deus para que Ele mande chuva, mas uma chuva que não causasse os transtornos das inundações (Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho/ Pedi pra chover, mas chover de mansinho/ Pra ver se nascia uma planta no chão/ Meu Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe/ Eu acho que a culpa foi /Desse pobre que nem sabe fazer oração).

 

Certamente, numa lista desta, sabidamente incompleta, não poderiam ser omitidas as músicas “No meu Cariri” (“No meu Cariri/Quando a chuva não vem/Não fica lá ninguém/Somente Deus ajuda/Se não vier do céu/Chuva que nos acuda/Macambira morre/ Xique-xique seca/Juriti se muda...”), composição de Rosil Cavalcanti, e a belíssima “Aquarela nordestina”, composição do poeta Raimundo Asfora, registrada pelo compositor Rosil Cavalcanti: “No Nordeste imenso/Quando o sol calcina a terra/Não se vê uma folha/Verde na mata ou na serra./ Juriti não suspira/Inhambu seu canto encerra/ Não se vê uma folha/Verde na mata ou na serra/Acauã, bem no alto do pau-erro canta forte/Como que reclamando sua falta de sorte/Asa Branca sedenta, vai chegando na bebida/ Não tem água a lagoa/ Já está ressequida/E os sol vai queimando o Brejo, o Sertão, Cariri e Agreste/ Ai, ai, meu Deus, tenha pena do Nordeste...”

 

*O autor é professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG.

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 17/11/2015