topo_cabecalho
Artigo - Ao mestre, com carinho

Benedito Antonio Luciano*

 

Na minha ficha de aluno matriculado no primeiro ano científico do Colégio Estadual de Campina Grande, em 1970, consta uma suspensão por dois dias por ter saído do colégio, na hora do recreio, sem a devida autorização, perdendo aula de matemática no horário subsequente. Este foi o motivo da punição disciplinar.

 

Porém, o que não ficou registrado foi o motivo pelo qual eu me ausentei, mesmo ciente da indisciplina que estaria cometendo e da eventual punição, que acabou acontecendo.

 

Em 1970, em pleno regime militar, o diretor do colégio era um juiz, a disciplina imposta era rígida. A ordem era mantida com rigorosidade e a qualidade do ensino era elevada. Não reclamei da punição, pois achei justa e, até hoje, não me arrependo de ter cometido aquela falta. Afinal, tudo na vida tem seu preço.

 

Quem me induziu a cometer o ato de indisciplina foi Jairo James, um colega de colégio e amigo que morava vizinho à minha casa no bairro onde morávamos. Durante o intervalo do recreio, no horário da tarde, ele me convidou para assistir a um filme que seria exibido no Cine Capitólio. Ponderei sobre a possibilidade de sermos punidos, mas aceitei correr o risco.

 

No filme, intitulado “Ao mestre, com carinho”, dirigido e produzido por James Clavel, o personagem principal é um engenheiro desempregado, interpretado brilhantemente pelo ator Sidney Poitier, que por não conseguir ser contratado para exercer a profissão em que foi graduado, resolveu aceitar o desafio de trabalhar como professor em uma escola localizada num bairro operário de Londres.

 

Nessa escola, estudavam adolescentes, indisciplinados, rebeldes, sem interesse pelo aprendizado, agressivos com os professores e sem perspectivas profissionais.

 

Diante dessa situação, o primeiro desafio enfrentado pelo novo professor foi impor a sua autoridade sem apelar para o autoritarismo. O segundo foi, na condição de negro, superar o preconceito por parte de alunos e de colegas professores, majoritariamente brancos. Dois grandes desafios, dos quais ele se saiu vencedor, depois de superar sérios conflitos com firmeza, serenidade e persistência, conquistando o respeito e o carinho do todos.

 

Lançado em 1967, “Ao mestre, com carinho” tornou-se sucesso de bilheteria em diversos países e a música tema “To Sir, with love”, presente na trilha sonora, interpretada pela cantora Lulu, atingiu o primeiro lugar nas paradas de sucesso nos Estados Unidos naquele ano.

 

Curiosamente, em 1977, sete anos depois de ter assistido “Ao mestre, com carinho”, me vi na mesma situação do personagem principal do filme: ao concluir o curso de graduação em engenharia, entre assumir a função em uma empresa de energia elétrica ou ser professor universitário, escolhi a segunda opção e, até hoje, não me arrependo da escolha.

 

Outra curiosidade: em pleno regime de Apartheid, o órgão de controle de publicações da África do Sul censurou a exibição do filme, alegando ser “ofensivo ver um homem negro ensinando uma classe de crianças brancas”.

 

Enfim, “Ao mestre, com carinho” é um filme para ser visto mais de uma vez. Não por ser um filme complexo e difícil de ser compreendido, mas simplesmente por ser emocionante e por abordar temas que, infelizmente, continuam presentes no ambiente escolar: intolerância e violência.

 

* O autor é professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG.

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 21/10/2015