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Artigo - O amor dos fortes e o medo dos fracos

Hiran de Melo*

 

“Entrai pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que levam à perdição, e muitos são os que entram por esse caminho. Porque estreita é a porta e difícil o caminho que conduzem à vida, apenas uns poucos encontram esse caminho!” (Matheus 7:13,14)

 

Quando eu ainda era muito pequeno, na minha cidade do interior do estado, o corte da energia elétrica era algo muito comum. Não tinha noite que não faltasse luz e assim, de repente, o quarto ficava no escuro.

 

Não sei por qual razão ancestral. Talvez, apenas, por conta das Histórias de Trancoso que as pessoas mais velhas gostavam de repassar, para se divertir, causando temor. Mas, o fato era um só: ao faltar luz, o medo se fazia presente e a inquietação agitava os corações dos pequenos.

 

Ter uma vela e uma caixa de fósforo ao alcance da mão era algo que não se poderia descuidar. A luz da vela restabelecia um ambiente de confiança. Mesmo na presença do vento que fazia com que a chama oscilasse e sombras fossem projetadas nas paredes.

 

Estes três parágrafos, penso eu, já são suficientes para apresentar os fracos como os que sempre almejam paz e luz, porque o temor habita os seus corações. Ou dito de outra forma, isto talvez explique porque uma promessa de paz e luz atrai massas de novos fiéis às religiões dos mortos.

 

Claro, não às religiões da vida. No cristianismo primitivo, não era a promessa de paz e luz que atraia. Ao contrário, São João advertia e ainda adverte: o contrário do ódio não é o amor, mas o medo. E, como sabemos todos, o Amor é o nome de Deus. "Não há temor no amor; ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor, porque temor implica em castigo, e o que teme ainda não chegou a perfeição do amor" (I João 4, 18).

 

Quem ama não tem medo, pois tem Deus no coração. Ora quem tem Deus, tem medo de quê? De nada. Simples assim. Quem é luz não necessita de luz, quem é paz não necessita de paz. De modo que derramam a luz e a paz por onde passa, e estas nunca lhe faltam. Santifica o caminho. Mas, quando for necessário, não renuncia ao Bom Combate onde haja o contrário do Amor.

 

Quem não tem medo, não anda em busca da paz (particularmente, da paz romana da época, dos apóstolos de Jesus) e não foge do Bom Combate, já ensinava Paulo. Embora, isto possa parecer loucura. Ah, Paulo não se negava a loucura da cruz!

 

Escutemos Jesus: 'Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas a espada" (Matheus  10, 34).

 

Escutemos Jesus: "Aquele que não toma a sua cruz e me segue não é digno de mim. Aquele que acha a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim vai achá-la" (Matheus  10, 38-39).

 

Quem rejeita a sua cruz, o sofrimento advindo do combate às injustiças, certamente, tem medo. Logo, não possui amor para dar. Possui apenas temor, prudência... e almeja uma vela na mão, nunca uma espada. Jamais uma cruz.

 

É este o sentido da religação do homem amoroso, a fonte Eterna do Amor. É esta a religião da vida em ação amorosa, do amor que se dá. Do encontro do ser no outro.

 

É bom, também, lembrar que a árvore do conhecimento é a fonte do medo. Pedro não sabia o que era ver o seu Mestre amado no calvário. Antes desta visão, Pedro era sempre o destemido seguidor das recomendações e das advertências, na escuta de Jesus. 

 

Daria a vida, e a deu, para seguir ao Mestre. Mas, ao apreender a dor da cruz, tremeu e negou ser seguidor do Mestre até o terceiro despertar do galo.

 

E, depois, seguiu o Mestre Ressuscitado anunciado por Maria de Magdala, a discípula fiel ao Amor. E se fez a pedra da Igreja do Cristianismo Primitivo, no qual quem é forte no amor, testificando justiça, vive na paz e na luz do divino Espírito Santo; vive no Cristo anunciado e testemunhado pela vida de Jesus.

 

O contestador dirá:  mas, não é o Reino dos Céus das crianças? "Deixai as crianças e não as impeçam de virem a mim, pois delas é o Reino dos Céus" (Matheus 19,14).

 

Verdade! Todavia, quem já viu uma criança com medo? Se alguém sente medo já não é mais criança, não é mais inocente. Apenas um pequenino o é. Assim, como eu, nos tempos da luz das velas e das sombras que insinuavam as inventadas Histórias de Trancoso como reais.

 

* Hiran de Melo é professor da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 01/10/2015