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Artigo - O Jardineiro Real e o Imperador Escolar

Hiran de Melo*

 

"E ninguém nem percebia

Que o real e a fantasia

Se separam no final"

Era Casa, Era Jardim (Vital Farias)

 

Lá no antigo Egito, na época dos faraós, imperadores deuses, que como tais só morriam de mentirinha, havia um senhor de fala mansa - a ternura em pessoa. Sorriso aberto quase que permanente, não se sabia por quê. Cuidava do jardim inventado por ele mesmo, mas estava sempre pronto para atender a quem lhe solicitasse ajuda.

Havia um mistério no ar, mas poucos tinham a menor ideia da existência do mesmo. Todos o viam com um funcionário da escola. Depois, bem depois, quando já haviam passados muitos e muitos anos, foi que se descobriu que o tal não era.

 

Antes desta lamentável descoberta todos lhe solicitavam os préstimos, em quaisquer atividades não dignas aos nobres, certos de que se tratava de um servidor público, pago pela escola. Tão certos e agradecidos estavam que o mesmo chegou até ser homenageado por uma turma concluintes de nobres graduados na arte real.

 

Não é de se admirar que a descoberta tenha deixado muita gente de lágrimas nos olhos. Dentre tanto, em particular, um mestre bastante querido e pacato. Hoje se diz: na dele. 

 

Pois, se não era servidor público, não podia continuar o seu serviço. Teria que ser impedido, enviado embora. Se possível jogado no rio sagrado do Nilo. Não exatamente à semelhança de Moisés.

 

A criança Moisés foi lá colocada para ser livre da morte certa e... assim, por razões que a vã razão desconhece, tornou-se condição de liberdade, de vida nova, para muitos.

 

O velho jardineiro, se lá colocado seria simplesmente para ser esquecido.

 

- Haveria outra solução possível?

 

Qualquer outra solução, se justa, teria que ser tratada em público e, diziam alguns, isto chamaria um escândalo. Particularmente, se o Rei Tor tomasse conhecimento. A solução apropriada deveria ser encontrada  em um acordo velado e zelado pelos silêncios dos cúmplices doutores da Lei.

 

Uma assembleia constituída dos doutores da Lei não foi, propriamente, convocada. Mas, algo semelhante a uma consulta, em que Bar Abbas (o 'Filho do Pai' ou, numa tradução equivocada do aramaico, o "filho sem pai"; como preferem os incautos em todos os tempos) indagava: o Jardineiro ou Eu?

 

Bar Abbas, que exercia o cargo de imperador da escola, trouxe para si a responsabilidade da herança dos seus antecessores que permitiram e promoveram a presença do funcionário fantasma revestido em um servidor público real.

 

De modo que o infeliz Bar Abbas andava angustiado com a presença de um idoso que poderia, a qualquer momento, morrer cuidando de um jardim, e de muitas outras obrigações que lhe eram solicitas, na escola imperial. E, então, como explicar a morte de um fantasma?

 

Melhor seria que o jardim morresse antes e que o jardineiro fosse um arquivo deletado da memória coletiva, já que na memória institucional ele não existia.

 

Não se sabe aonde irá morrer o amoroso jardineiro real, só se sabe que imperador escolar morreu e que ninguém quer sepultá-lo, embora uma pirâmide o aguarde no Cemitério da Paz.

 

* Hiran de Melo é professor da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 30/09/2015