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Artigo - O Herói de Quadrinho e o Bom Combate

Hiran de Melo*

 

Nos filmes, nos romances, nas revistas em quadrinhos, o herói é amado por todos. Não todos exatamente, quase todos, digamos. Afinal, existe algo, ou alguém, a ser combatido pelo herói.

 

No cotidiano dos comuns, o herói não é tão unanimidade. Assim, como no cinema. Ao contrário, é o inconveniente.

 

O herói é aquele que mostra a atitude que todos deveriam tomar, mas que, por acomodação ou pela preferência de estar na zona de conforto, preferem ignorar.

 

Diante de um conflito é mais cômodo dar razão ao provável vencedor. Mesmo que os termos do conflito já contenham  uma grande injustiça com o previsível perdedor. Injustiça no sentido de que o vencedor utilizará instrumentos, armas, que serão inacessíveis ao vencido.

 

Antes, é possível, que algum imprudente até arisque advertir ao forte, ao Chefe, ao Valente, que não considera apropriado utilizar instrumentos que definirão, a priori, o vencedor. Que de fato não haverá uma luta, um combate, mas uma farsa; uma justificativa para tornar público a glória do vencedor.

 

Nada mais inútil, tal atitude do imprudente. A evidência da vitória iminente é que torna qualquer covarde em um valente.

 

Ao mesmo tempo, converte os valentes espectadores em omissos covardes; quando não, entusiastas colaboradores ou patrocinadores da vitória do forte, cuja fortaleza consiste exatamente na escolha de um adversário fadado a perder.

 

- Por que me intrometer em um combate injusto, se eu não sou um herói de quadrinhos? Que ganharei?

 

 

A última questão é a mais fácil. Você ganhará o ódio permanente do forte - do vencedor, a priori; a ira dos aliados conjunturais dele; e uma gratidão, possivelmente fugaz, do perdedor. E, mais ainda, a indiferença da maioria.

 

Quanto à primeira pergunta, você terá uma razão para se intrometer se no seu coração existir compaixão. Que nada mais é do que sofrer com o sofrimento do outro.

 

Se você sofrer com a injustiça, claro, não há escolha, realizará o que São Paulo chama de Bom Combate. Com certeza não usufruirá do Reino da Terra. Todavia, há uma esperança que você viverá, para sempre, no Reino dos Céus.

 

Uma advertência: o Bom Combate não é algo que se possa escolher, ele se apresenta para quem já descobriu a presença do Vivente em Si mesmo. Veja o exemplo de caridade de Jesus, ao impedir o apedrejamento de Maria de Magdala. Combateu, com autoridade dos mártires, os doutores da lei que em "nome" do Livro Sagrado das Leis que, em verdade, o tomavam com o Livro Profano das Pedras.

 

Outra: a caridade é uma graça para quem recebe, mas não sai de graça para quem a pratica. Mesmo que, quanto mais caridade alguém faça, mais generoso ele se torne.

 

Com anunciei, no cotidiano dos comuns nada mais inadequado do que um herói. Por outro lado, aos que acreditam em um mundo além do mundo comum dos mortais, se faz necessário a presença, a lembrança, de um mártir. O resto, como profetiza Biu Doido, no calçadão da Rainha da Borborema, o resto é palha. Na sétima acepção do Aurélio, acrescento eu.

 

* Hiran de Melo é professor da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 28/09/2015