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ARTIGO - O assassinato de Aracelli e cotidiano estupro da nossa razão

Wagner Braga Batista

Neste fim de semana, de passagem em Vitória, Espirito Santo, após almoçarmos no apartamento de amigos comuns, tomamos conhecimento que, na área onde foi construído o prédio, onde nos localizávamos, então uma área erma, fora jogado o cadáver de Aracelli.

Aracelli, um menina de 8 anos de idade, foi estuprada e assassinada por play boys, cocainômanos e maníacos, filhos de latifundiário e exportador de café, mestre da maçonaria, entre outros bons predicados de humanos direitos.  Gente que, ainda hoje, pontifica em pedestais políticos, comendas do judiciário e efemérides de colunas sociais.

Eram anos de regime militar. Como tantos outros, o crime foi abafado. Como também foi ignorado o espólio de Ministro da Justiça, US$ 55 milhões em sigilosa conta bancária suíça.  Sem nenhum problema político e judicial, a família pleiteou e fez jus a herança. Vide depoimento do Senador João Capibaripe, URL:  http://www19.senado.gov.br/sdleg-getter/public/getDocument?docverid=c8b96df0-7740-4152-81e9-7be5152514e1;1.0

O conúbio entre o poder financeiro e judiciário ajuda-nos a compreender parcialmente esta estória. O corpo de Aracelli, desfigurado por ácido para evitar o reconhecimento, ficou guardado num freezer de bar, durante quase 10 dias, antes de ser lançado nos arredores de uma pedreira. Este caso horripilante narrado pelo escritor José Louzeiro, no livro “Aracelli, meu amor” (Ed. Prumo, 1975), à época, foi censurado pela ditadura.

Ao assassinato de Aracelli seguiram-se vários outros, praticados contra investigador e testemunhas destes atos dantescos. Prudentemente, todos os processos foram arquivados.

Hoje, cultores e herdeiros deste legado de crimes hediondos saem às ruas para clamar pela volta à ditadura, pela falsa moralidade erigida sobre horror e corrupção. Reclamam, para si,  dividendos pelas torturas praticadas por ascendentes e reivindicam antecipadamente o espólio de incipiente democracia que pretendem soterrar. Pleiteiam a abominável prerrogativa de sequestrar, torturar, assassinar e silenciar interlocutores, disseminar o ódio e a discriminação social, corromper impunemente com a conivência dos donos da indústria de verdades, de seletiva justiça venal e de costumeiros achacadores, que sempre se beneficiaram de métodos ilícitos e corrosivos.

Ricardo Semler, empresário filiado ao PSDB,  fala-nos de suas infrutíferas tentativas de romper a blindagem de políticos e de cartéis na Petrobrás desde os anos 1970 :   Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.” (Nunca se roubou tão pouco URL:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/196552-nunca-se-roubou-tao-pouco.shtml )

 Denuncia a corrupção endêmica  praticada em empresas estatais desde a ditadura cívico-militar. Oferece-nos estimativa do quanto representou o sistemático butim na dilapidação do PIB em diferentes períodos de governo. “A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.”

Conclui: “Nunca se roubou tão pouco!”

Saudosistas de hediondos estupros, assassinatos e butins, acobertados por governos discricionários e juízes acima de qualquer suspeita, invectivam a consciência pública e promovem novo golpe contra a democracia. Travestem-se de liberais, porém, examinados a miúde, revelam-se filhotes da ditadura. Disputam dividendos da herança trágica deixada por seus crimes hediondos.

Ao invés de golpe contra a democracia, devemos exigir o irreversível julgamento de crimes hediondos, praticados contra a humanidade, o combate sistemático da corrupção, a transparência e lisura nos três poderes, a imparcialidade de meios de comunicação explorados como concessões públicas, a ampliação e consolidação de direitos sociais sucessivamente procrastinados.

Enfim, devemos exigir o que nos é devido: mais direitos sociais e a democratização da democracia.

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição

 

 


Data: 16/09/2015