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ARTIGO - 11 de Agosto, Dia do Estudante (uma reflexão sobre a organização estudantil: 1976 – 1980)

* Carlos Alberto da Silva

 

Refazer uma leitura, mais do que reescrever sobre um tema, é o meu propósito ao trafegar por essas linhas, guiado por um texto escrito em maio de 1980, pelo então estudante de Engenharia Elétrica, de saudosa memória, Lamarck Bezerra de Melo, com o título “A propósito da Criação dos Centros Acadêmicos”. Ao fazer uma reflexão sobre a organização e a luta do movimento estudantil no período 1976-1980, o acadêmico e líder estudantil procurou conectar as lutas concretas do dia-a-dia do estudante com a politica educacional e científica em curso e, com o modelo econômico-político vigente.

 

Incialmente, quais eram entidades estudantis existentes no Campus II- UFPB (atual UFCG)?  Naquele período o Diretório Acadêmico 11 de Agosto representava os estudantes das duas áreas de conhecimento (tecnologia e humanidades). Posteriormente, com a maturidade do movimento estudantil local, criou-se o Diretório Acadêmico Honestino Guimarães, último presidente da UNE desaparecido, que passou a representar os estudantes da área de humanidades (economia e sociologia); ficando os de tecnologia no D.A. 11 de Agosto. Foi neste contexto, que ganhou força o movimento pela criação dos Centros Acadêmicos (CAs), e foram muitos os cursos no Campus II em que seus estudantes se mobilizaram com esta perspectiva.

 

O “11 de Agosto”, como era chamado carinhosamente pelo o conjunto dos estudantes do Campus II da UFPB, recebeu este nome em homenagem à data em que o Dia do Estudante é comemorado no Brasil.

 

No texto apresentado, o autor concebia os Centros Acadêmicos como entidades estudantis de base - organização dos estudantes por cada curso -, com o objetivo de mobilizá-los em torno de seus problemas concretos e específicos: questão curricular, qualificação dos docentes, métodos de ensino e aprendizagem mais aperfeiçoados, melhores condições de ensino, etc. A estratégia seria criar as condições de um amplo e vigoroso movimento de massa dos estudantes, unindo-os nas suas lutas travadas no dia-a-dia.

 

A compreensão que se tinha era que o centro acadêmico seria por natureza a célula do movimento estudantil e, por definição, a organização de base dos estudantes universitários. Para chegar a esse entendimento, Lamarck faz uma analogia com a organização dos trabalhadores – o sindicato. Sobressaindo algumas recomendações, entre elas se destacavam:

 

·       Atuação das lideranças estudantis deve se pautar sobre métodos corretos de trabalho, evitando o aparelhamento ideológico das entidades e decisões que excluam a participação ampla do conjunto dos estudantes (decisões de cúpulas);

·       A entidade estudantil deveria ser um canal de expressão de todos os estudantes, independentemente de suas concepções políticas, filosóficas e ideológicas, ou mesmo de raça, sexo ou nacionalidade;

·       Suas decisões seriam resultado de um processo de discussões aprofundadas e amplas, em que o posicionamento correto seja o do submetimento da minoria à maioria;

·       Existência de canais dentro da entidade que favorecesse a participação de todos de forma consciente.

 

Até hoje parte das lideranças estudantis não leva muito a sério estas lições. Para Lamarck, estas sugestões seriam muito importantes para a compreensão justa do conceito de entidade estudantil em geral e, especificamente, para os centros acadêmicos.

 

Outra questão fundamental levantada no texto é qual a importância que teria uma entidade estudantil na conjuntura politica do País. Para a qual, a resposta dada dependeria do seu grau de intervenção nessa conjuntura. Sobre este problemática, Lamarck recorre à relação dialética entre as lutas especificas dos estudantes e as lutas gerais: “Todas as lutas dos estudantes, por mais localizadas e setorizadas que sejam, têm, por assim dizer, duas características que as definem: uma característica de natureza particular e outra de natureza geral”. A primeira se liga aos interesses imediatos dos estudantes, enquanto a outra vincula estes aos interesses mais gerais. Uma riqueza de análise e método.

 

Na visão do autor, o tratamento da relação específico versus geral deve recorrer ao método dialético de análises, de fato, “existem contradições nítidas entre os interesses reais dos estudantes e o modelo educacional sob o qual estamos submetidos”. O enfrentamento desta questão pelos estudantes assumirá o caráter de “por em xeque o próprio modelo e regime econômico-político”, em vigência. Esta deveria ser o método de lutas estudantis com o intuito de elevar a consciência política para um combate  mais resoluto ao regime ditatorial instalado no Brasil em 1964.

 

Esta concepção da luta estudantil é reforçada mais ainda por ele, “à medida que os estudantes, enquanto segmento social, são reprimidos por estarem lutando por seus direitos, sentem que é necessário conjugar as suas lutas específicas com as lutas mais gerais: por maiores liberdades, que é também uma luta e uma aspiração do povo em geral, que é privado destes mesmos direitos”. Trata-se da negação do especifico pelo específico e da afirmação da natureza geral das lutas dos estudantes.

 

Lamarck foi um estudante com boa formação intelectual.  Desde menino lia tudo e curtia música clássica; de família com pensamento progressista se engajou logo cedo na luta dos trabalhadores por seus direitos e emancipação social; foi operário, aprendeu o oficio de torneiro mecânico com seu pai; foi monitor do laboratório de física, perseguido por ter organizado juntamente com outros monitores um grupo de estudo para aprofundar o entendimento e aplicação do método dialético; cultivava a amizade e era muito compreensivo, principalmente com os estudantes mais despreparados politicamente, recolhia suas ideias dispersas e pela discussão aprofundada transformava em ideias sintéticas e sistematizadas; zelava pelo companheirismo, querido pelos irmãos e irmãs; excelente filho, esposo e pai; Entrou na universidade pelo curso de Meteorologia no ano de 1975, depois se transferiu e formou-se em Engenharia Elétrica.

Sua última militância política foi participando ativamente da eleição de Dilma, primeira mulher presidente do Brasil, em 2010, já estava enfermo, mas se lançou naquela campanha de corpo e alma, foi sempre um militante disciplinado e combativo. Tristemente, faleceu no dia 30 de dezembro do mesmo ano.

 

Sua marca de vida fica registrada pela contribuição teórica e prática por uma sociedade igualitária e sem exploração do homem pelo homem. Sempre vigilante de sua posição política-filosófica, materialista histórico-dialético por convicção. Lembro-me sempre dele se referindo a uma proposição marxista: “a classe dominante impregna na classe dominada seus atos e costumes”, porém, sempre otimista, imediatamente recitava os versos “a história é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue”. Fomos muito amigos desde o tempo do científico, atualmente Ensino Médio, lá no Estadual da Prata – O Gigantão.

 

Fomos contemporâneos de uma geração que nos primeiros anos da segunda metade da década de 1970, retomava a luta pela democracia no Brasil, a temporada do General Geisel que prometia uma abertura democrática lenta e gradual, porém na prática os decretos-lei nºs 228 e 477 em vigência, cerceava a participação política dos estudantes brasileiros. Toda estrutura repressiva do regime militar permanecia intacta e em ação. A gente pegou o “melhor trecho” do regime militar, a brabeza mesmo foi entre os anos 1969 – 1974, a era do General Emilio Garrastazu Médici, conhecida como Anos de Chumbo – uso sistemático e de meios violentos como tortura e o assassinato.

 

Nesse contexto, deu-se a retomada do movimento estudantil no Estado da Paraíba e, especificamente em Campina Grande. Aqui se constituiu um quadro de lideranças estudantis em torno do Diretório Acadêmico 11 de Agosto: Leimar Oliveira, Reginaldo Leal (NINO), Carlos Alberto da Silva (Carlinhos), Emília Correia Lima, Antônio Felinto Neto (Pombal), Lamarck Bezerra de Melo, Laércio (diretor do Clube dos Estudantes Universitários – O CEU), Elizabete Araújo (Betinha), Alunilza (ZIZA), Sibele Padilha, Gorete (Cineclube), Mauricio (Cineclube), Aníbal, Socorro Japiassú, Noaldo Ribeiro, Leônidas Henriques (Leozinho), Antônio Pereira e entre outros que me fogem da lembrança. Nossa força era a boa formação política-filosófica do grupo, muita leitura e discussões incansáveis, sem falar de nossa unidade interna.

 

A nossa luta não foi em vão!

 

Ficaram as lembranças de tantos sonhos compartilhados por uma universidade aberta, criativa e democrática; e os frutos do XXXI Congresso de reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Salvador-Bahia, no ano de 1979. O Campus II da UFPB levou dois ônibus lotado, com os delegados eleitos em assembleias gerais.

 

De acordo com Zébeto (José Humberto Fernandes Rodrigues), militante estudantil e ex-diretor da UNE, em relato publicado no ano de 1988 pela Editora Brasil-América, sintetizou o nosso tempo com o título: NEM FICOU A PÁTRIA LIVRE NEM MORRI PELO BRASIL

 

 

* Carlos Alberto da Silva, ex-líder estudantil, é professor da UFCG.

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição

 

 

ANEXO :

 

A PROPÓSITO DA CRIAÇÃO DOS CENTROS ACADÊMICOS

* Lamarck Bezerra de Melo

 

I – INTRODUÇÃO: OBJETIVO E MÉTODO

 

O objetivo fundamental deste pequeno texto é fornecer alguns subsídios no sentido de orientar a discussão em torno do movimento pela criação dos Centros Acadêmicos que surge no seio do conjunto dos estudantes, de maneira espontânea. Não é um documento aprofundado e visa, simplesmente, levantar alguns pontos que consideramos de grande importância no processo de criação das condições objetivas, necessárias para a formação das referidas entidades estudantis. É necessário, portanto, que se desenvolva uma ampla e aprofundada discussão acerca destas questões, de forma a transformar as ideias em forças materiais que contribuam efetivamente para o fortalecimento do nosso movimento.

 

Para isto, o método que devemos adotar é o método da discussão ampla e aprofundada que procure dissecar ao máximo todas as questões levantadas, indo buscar na sua essência a solução dos problemas de nossa organização, mobilização e luta. Elevar através deste método e com participação de todos os interessados neste movimento, o nível de nossas compreensões e a nossa interferência enquanto conjunto.

 

II – COMO ESTÁ COLOCADA A QUESTÃO

 

O movimento pela criação de entidades estudantis de base, como forma de organização dos estudantes de representação a nível de curso, é um movimento que ganha a cada dia maior força em todo o país, em todos os lugares em que os estudantes procuram firmemente formar organizações fortes para que possam dar continuidade às suas lutas e obterem maiores êxitos. Aqui, em Campina Grande, este movimento pela criação de entidades deste tipo, adquire dia após dia força surpreendente e maior pujança; são muitos os cursos em que seus estudantes se mobilizam com esta perspectiva, no sentido de viabilizar a criação de Centros Acadêmicos, como forma de organização dos estudantes por cada curso, que estejam ligados diretamente com os seus problemas e que sejam criados a partir da tentativa de solucioná-los, no bojo destas lutas.

 

Existem, fundamentalmente, duas concepções sobre este movimento que emerge de forma espontânea no seio do conjunto dos estudantes. A primeira, encara que este movimento é muito “perigoso” e que “divide o movimento estudantil”. De acordo com esta concepção, a criação de Centros Acadêmicos é uma prática de “sindicalismo paralelo” que poderá enfraquecer o movimento estudantil, levando-o a impossibilidade de resolver os seus problemas, os quais só podem ser resolvidos com a aglutinação dos estudantes em torno das entidades já existentes. Propõe, como forma de solução, a criação de secretarias por curso nas entidades que já existem. Isto é, a nossa ver, uma maneira de abafar um autêntico movimento que surge em meio do conjunto de estudantes, da mesma forma que se tenta abafar o fogo no auge de um incêndio, batendo  com estopas úmidas de água. A segunda concepção, que é a nossa, encara como um movimento autêntico dos estudantes no caminho do fortalecimento e do aprofundamento de suas exigências, um movimento que agrega os estudantes em torno de suas lutas concretas, lutas que dizem respeito diretamente ao conjunto de estudantes: as que nós sentimos no dia-a-dia, como a questão curricular, mais e melhores professores, melhores condições de ensino, etc. Questões que só poderão ser solucionadas com o aprofundamento e o fortalecimento das organizações estudantis, que busquem estas soluções organizando os estudantes em cada curso, criando, assim, um amplo e vigoroso movimento de massas dos estudantes. Esta forma de organização chama-se Centro Acadêmico, reunindo todos os estudantes a nível de cada curso, em torno de seus problemas mais concretos.

 

A nosso ver, a criação de Centros Acadêmicos  ao invés de se constituir em um perigo de “divisão”, impulsiona o movimento estudantil para a frente, fundando as bases de organismos verdadeiramente representativos e que une os estudantes nas suas lutas travadas no dia-a-dia. Para nós, tentar solucionar esta necessidade que nós estudantes estamos sentindo com a criação de “secretarias” é que constitui um perigo; o perigo de freiar o movimento e impedir, que ele se fortaleça. Significa criar uma estrutura cristalizada, sem a participação ampla, em que meia dúzia de pessoas iriam tomar decisões por nós, estudantes, e a nossa revelia. Significa atravancar o desenvolvimento do movimento estudantil e o fortalecimento de nossa entidade máxima a nível nacional, a UNE. Significa por freios à marcha de nossas lutas pelas questões mais gerais, que só poderão ser ganhas com um movimento amplo, calcado no aprofundamento e no fortalecimento de nossas organizações de bases e gerais, com a ampla participação dos estudantes reunidos em torno das questões de seus interesses em um amplo e vigoroso movimento.

 

Em um determinado estágio de nosso movimento – após a reconstrução das entidades estudantis da UFPB, produto direto da mobilização e luta dos estudantes – tínhamos até então, apenas uma entidade aqui no Campus-II, que representava os estudantes das duas áreas de conhecimento (tecnologia e humanidades), o D. A. “11 de Agosto”. Criou-se, de acordo com o grau de maturidade de nosso movimento, o D. A. Honestino Guimarães que passava a representar os estudantes da área de humanidades; ficando os de tecnologia no D. A. “11 de Agosto”. Isto ao invés de “dividir” o movimento – como pensavam alguns -, fortaleceu-o, dando um novo impulso às nossas lutas.

 

A prática demonstrou, irrefutavelmente, que a criação de mais entidades estudantis, os invés de enfraquecer o movimento – como continuam a pensar alguns -, impulsiona-o.

 

Devemos extirpar completamente esta concepção que impede na prática a participação do conjunto de estudantes na resolução de seus problemas. É uma posição anti-estudante que impede o seu desenvolvimento. Devemos dar maior força à criação dos Centros Acadêmicos, como forma de fortalecer o movimento a partir do conjunto de estudantes e no bojo de suas lutas.

 

Marchemos para a criação das condições objetivas que favoreçam ao surgimento de nossos Centros Acadêmicos agora, já.

 

III – ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE AS FORMAS DE ENTIDADES ESTUDANTIS

 

Em meio às violentas repressões que se desencadeavam contra os estudantes pelas forças reacionárias que deram o golpe de abril de 1964 – e que continuam ainda no poder -, como forma de esmagar o poder de força que tinha o movimento estudantil, que se levantava dentro e fora das universidades contra o regime que se implantava, surge uma Lei conhecida na época como Lei Suplicy de Lacerda. Era a de nº 4.464, de 9 de novembro de 1964.

 

“A Lei Suplicy de Lacerda visou, especificamente, à extinção do movimento estudantil brasileiro. Para acabar com a participação política dos estudantes, a lei procurou destruir a autonomia e a representatividade do movimento, deformando as entidades estudantis, em todos os escalões, ao transformá-las em meros apêndices do Ministério da Educação, dele dependendo em verbas e orientações”. (ver: “o poder jovem”, de Arthur José Poerner, cap. X, pag. 242).

 

De acordo com esta lei, todas as entidades estudantis eram transformadas, para melhor servir aos interesses do poder ditatorial que se instalara, calava a boca dos estudantes, que eram considerados todos “subversivos”. Então, substituía, pelo documento, a UNE pelo Diretório Nacional de Estudantes (DNE) e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs) pelos Diretórios Estaduais (DEEs) etc. Estas formas de entidades asseguravam uma ingerência direta do Governo, através do Ministério de Educação, sobre o movimento estudantil, ficando este sob a sua tutela. Assegurava um maior controle sobre um forte movimento de oposição, impedindo a livre manifestação dos estudantes em torno das suas lutas do momento. Era a preparação do terreno para implantar o abominado acordo MEC-USAID.

 

Por sua parte, os estudantes impediram a viabilização deste plano do regime militar, desencadeando um amplo movimento de resistência, protestando contra o regime e levantando alto as suas bandeiras de luta. A Lei Suplicy foi caracterizada pelos estudantes, como “principal instrumento político da ditadura contra o movimento universitário”, e o Ministro Suplicy “ficou conhecido em todo país como o inimigo nº 1 dos estudantes”. (ver: mesma fonte, pag. 244).

 

Com o recrudescimento da repressão ao movimento estudantil em 1968-1969, que esmagou violentamente qualquer tentativa dos estudantes de protestarem contra as arbitrariedades, o instrumento que ficou regulamentado a forma de representação estudantil e a sua participação, foram os Decretos-Lei nºs 228 e 477. As formas das entidades eram: Diretórios Acadêmicos (D.A.s) para cada Centro; Diretórios Centrais dos Estudantes (D.C.E.s), a nível de cada Universidade; Diretório Estadual dos Estudantes (D.E.E.s), a nível de cada Estado, nas Capitais em que houvesse mais de uma instituição de ensino superior; e, a nível nacional, o Diretório Nacional dos Estudantes (DNE), em lugar da UNE. Vale salientar que, destas entidades, as únicas que vingaram foram os DAs e DCEs, excetuando-se a existência, ainda hoje, do DEE do Estado do Rio Grande do Sul. Esta última é uma entidade com direção reacionária e atrelada completamente ao Ministério da Educação; ele sustenta uma posição anti-estudante e impede o desenvolvimento de suas lutas. É a representação da ditadura junto aos estudantes.

 

Mesmo dentro desta estrutura de entidades atreladas, através do Decreto-Lei 228, às Universidades, nós conseguimos nos organizar de forma independente, preencher completamente o espaço de atuação que esta forma favorecia, levar as nossas lutas ao nível em que elas se encontram atualmente e começar a romper definitivamente esta estrutura. Uma prova incontestável de que o nosso movimento não morre, por mais violenta que seja a repressão perpetrada contra ele, e por maior que sejam as manobras da ditadura para nos confundir, enquanto houver entre nós espírito de combatividade e lutas para enfrentarmos.

 

IV – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE ENTIDADE

 

A compreensão justa do conceito de entidade, é de fundamental importância para nós, estudantes, porque possibilita uma atuação de forma apropriada, e para o movimento estudantil como um todo, porque permite uma participação maior do conjunto de estudantes, transformando o movimento em um movimento amplo e combativo, com uma intervenção forte e precisa na conjuntura. A falta de uma compreensão justa do que seja uma entidade estudantil, seu papel enquanto forma de organização dos estudantes, suas formas de atuação, suas características, etc, leva a que esta entidade esteja condenada a ser sempre débil, desvinculada do conjunto de estudantes e sem representatividade. O debilitamento do movimento estudantil em alguns lugares do país, deve-se fundamentalmente a estas razões: falta de uma acertada compreensão do que venha a ser uma entidade estudantil; a forma aparelhista com que são encaradas; cupulismo das direções, etc. A utilização das entidades como “aparelhos das tendências estudantis”, é uma prática muito comum e um equívoco que acarreta distorções que coloca em jogo o próprio êxito das lutas do movimento estudantil como um todo.

 

O que é uma entidade estudantil?

 

Para responder a esta pergunta, devemos fazer uma analogia com um Sindicato de Trabalhadores e concluiremos que uma entidade estudantil é uma entidade do tipo sindical.

 

Um Sindicato é uma entidade de massas que representa os interesses imediatos de uma categoria profissional dada. É uma entidade que representa uma categoria de trabalhadores na sua luta constante, contra os patrões, em defesa das reinvindicações que unificam, em torno das lutas, esta categoria. Por estas características, é que um sindicato só terá garantida a sua representatividade, se está vinculado diretamente com todo o conjunto de trabalhadores, a ele filiados, desta categoria, permitindo de forma mais democrática e aberta possível, a sua participação nos trabalhos e decisões. A condição para que um trabalhador se filie a ele é que seja da categoria profissional comum e que se queira filiar. Por esta razão, é que ele congrega dentro de si todas as correntes do pensamento que existe efetivamente entre os trabalhadores. As decisões de uma entidade deste tipo, deverá ser tomada respeitando-se as suas instâncias de deliberação próprias: a sua instância máxima é sempre a sua assembleia geral, que congrega todos os seus filiados.

 

Em uma sociedade de classes, isto é, fundada na divisão de classes e no antagonismo entre elas, existe uma luta constante de interesses, refletida diretamente na ideologia de uma maneira geral. Ainda que a ideologia dominante seja a ideologia da classe dominante, a que detém o poder político – que se utiliza de todos os meios para impingí-la, valendo-se para isto dos veículos de comunicação de massas (rádio, televisão, etc) – esta ideologia não é estática, não se manifesta de forma linear. Ela se manifesta dinamicamente em um emaranhado complexo que penetra em todos os setores da sociedade. Não é surpreendente, portanto, que se encontre entre os meios proletários uma mescla de ideologias e correntes políticas, inclusive burguesas. Por conseguinte, tem-se que levar em conta estes fatos quando se atua dentro de uma entidade do tipo sindical.

 

As formulações das opiniões de uma entidade do tipo sindical, ou mesmo suas decisões, devem ser tiradas, permitindo-se a manifestação de todas as correntes de pensamento que existem no seio de seus filiados, de forma mais democrática possível. Isto não significa dizer que a opinião de uma entidade assim, seja todas as opiniões existentes sobre determinada questão, nem mesmo a média destas opiniões. E sim, que esta será o resultado de um processo de discussões aprofundadas e amplas, em que o posicionamento correto seja o do submetimento da minoria à maioria.

 

Uma entidade estudantil não é diferente, salvo algumas características específicas, e podemos afirmar, sem cometer erros, que ela é uma entidade do tipo sindical. Ela é um canal de expressão de todos os estudantes, independentemente de suas concepções políticas, filosóficas e ideológicas, ou mesmo de raça, sexo ou nacionalidade. Neste sentido, sua opinião e as decisões a ser encaminhadas por ela, deverá ser tiradas obedecendo os rigorosos critérios de suas instâncias de deliberação, em um processo amplo de discussões e aprofundamento das questões dadas.

 

A importância que tem uma entidade estudantil, é a importância que tem a atuação dos estudantes de forma organizada. Uma coisa é decorrência da outra. A entidade estudantil é a organização dos estudantes.

 

A importância que tem uma entidade estudantil na conjuntura, é a importância que tem a intervenção do próprio movimento estudantil nesta mesma conjuntura; esta somente poderá se dar de forma consequente, se for organizada. Aqui também, uma coisa é decorrência da outra: uma está condicionada a outra.

 

Portanto, de tudo que foi dito acima, podemos concluir que a justa compreensão do que seja uma entidade, é uma condição indispensável e fundamental para atuarmos na conjuntura – enquanto estudantes – e avançarmos nas nossas lutas, de forma consequente, elevando a um nível mais alto o movimento estudantil como um todo.

 

 

V – SOBRE SEUS PRINCÍPIOS GERAIS

 

Para que uma entidade seja verdadeiramente representativa, é necessário se ter bem claros os seguintes princípios:

 

1. PARTICIPAÇÃO DE TODOS. É necessário compreender que somente com a participação livre e democrática de todos em torno das bandeiras de luta, é possível a solução dos problemas que dizem respeito a todos. É fundamental a existência de canais dentro da entidade que favoreça esta participação de forma consciente.

 

2. DEMOCRACIA INTERNA. Sendo a entidade organização dos estudantes, é fundamental que as suas decisões sejam tomadas a partir de discussões amplas e multilaterais, de forma que elas  venham a ser o mais representativas possíveis, permitindo o direito à livre manifestação de pensamento, submetendo a minoria à decisão da maioria. As decisões devem obedecer ao justo critério das instâncias de deliberação – tendo como máxima, a Assembleia Geral e o Plebiscito, e como mínima, a sua Diretoria Executiva. Existindo entre estas duas instâncias, outras, de acordo com as características específicas da entidade.

 

3. PROGRAMA DEFINIDO, EXPLÍCITO E AMPLO. A entidade deve ter um programa explícito e amplo definido, que esteja de acordo com o grau de desenvolvimento das lutas e exigências do conjunto de estudantes. Ele deve pautar, precisamente, o tipo e o nível de intervenção dos estudantes, de acordo com as conquistas já alcançadas por estes, delimitando suas possibilidades e a importância de sua intervenção.

 

4. MÉTODOS JUSTOS DE TRABALHO. A atuação daqueles que estejam à frente da entidade deve se pautar sobre os métodos justos de trabalho: aqueles que são voltados para o conjunto e levados de forma livre e democrática pelo conjunto. São aqueles que partem da compreensão justa de entidade e que favorece uma participação ampla de todos, desde as decisões até o seu encaminhamento. São aqueles que partem da compreensão de que somente o conjunto organizado e unido em torno de suas lutas concretas, é que pode ter êxitos nas batalhas a se enfrentar. São aqueles que recolhem as idéias entre os estudantes, mesmos os mais despreparados, idéias que de certa maneira são dispersas e não sistematizadas, mas que são justas, sintetizá-las – através do estudo, do aprofundamento pela discussão de conjunto, para transformar em idéias sintéticas e sistematizadas – para leva-las de volta ao conjunto de estudantes, fazer com que se tornem suas e, ao mesmo tempo, tornar estas idéias o mais justas possíveis no processo de recolhimento e retorno das idéias, traduzindo-as em ações concretas. As idéias devem se transformar em patrimônio do conjunto considerado.

 

 

VI – SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DAS LUTAS DOS ESTUDANTES E SEU TRATAMENTO

 

Todas as lutas dos estudantes, por mais localizadas e setorizadas que sejam, têm, por assim dizer, duas características que as definem: uma característica de natureza particular e outra de natureza geral. A característica de natureza particular é aquela que liga diretamente os interesses imediatos dos estudantes, às questões pelas quais se luta. Por exemplo, quando se luta por mais e melhores professores, por métodos de ensino mais aperfeiçoados, a característica de natureza particular desta luta está no fato de que a perda gradativa da capacidade – por isso mesmo – de aprender aquilo a que se propõe cada programa do curso de uma maneira  geral (questão), está em contradição com o que se espera de um futuro profissional, o desejo de todos nós, estudantes, nos tornarmos profissionais competentes (interesse). Eis aí a característica de natureza específica. A característica de natureza geral é aquela que vincula os interesses mais gerais a estas mesmas questões. É a interrelação que existe entre qualquer questão que nós nos deparamos no dia-a-dia, enquanto estudantes, e o próprio modelo educacional, sob o qual estamos submetidos, implantado de conformidade e sincronia com o modelo econômico-político existente a nível de sociedade como um todo.

 

Sabemos que a Universidade é, de uma maneira geral, uma instituição a serviço da sociedade e que, por isto mesmo, está submetida aos interesses do modelo econômico-político ditado pelas classes dominantes. Então, assim sendo, todas as questões com as quais nos defrontamos no dia-a-dia dentro da universidade, devem ser entendidas como a própria extensão da política de formação de quadros que passem a servir e a atender aos interesses do referido modelo, reduzindo ao máximo os custos desta formação, em detrimento de nosso desenvolvimento tecnológico e científico – condição indispensável de nossa efetiva independência e emancipação política e econômica.

 

Entrando um pouco mais nesse aspecto e tomando como exemplo o que foi utilizado acima, poderíamos localizar a característica de natureza geral dessa luta, no fato de que sendo o modelo econômico implantado no Brasil o de capitalismo dependente, ou seja, modelo econômico subordinado ao imperialismo – que está a serviço dos grandes setores monopolistas nacionais e estrangeiros, unidos aos grandes latifundiários -, quando se analisa o papel da Universidade brasileira, nesta conjuntura, destaca-se o de simplesmente formar técnicos que saibam apenas operar os equipamentos vindos dos grandes centros imperialistas mundiais, que têm tecnologias bastante desenvolvidas. Não se encontra aí o papel da Universidade produtora de conhecimento científico, o de formar cientistas que sejam capazes de desenvolver nossa tecnologia, que esteja voltada a atender às necessidades e interesses da maioria de nossa população, o papel de criar as bases materiais fundamentais para o desenvolvimento do processo de nossa independência política econômica e social. Portanto, não há, por parte do poder central, nenhum interesse em desenvolver o setor educacional, ou que este fica relegado ao plano secundário, caracterizando-se pela diminuição gradativa das verbas para a educação, por conseguinte, falta de materiais para o ensino, falta de professores capacitados com métodos apropriados de ensino (estes produzidos dentro desta mesma estrutura, que irá propagar esta mesma estrutura em um processo de degeneração e decomposição), etc. Eis a característica de natureza geral das lutas dos estudantes.

 

De tudo que foi dito acima, podemos concluir – ou acrescentar – que o tratamento de qualquer questão que diz respeito aos estudantes e sua subsequente luta a ser encaminhada por estes, deve partir da compreensão destes fatos, destes vínculos concretos, detectando as características específicas e gerais de cada questão, combinando-as e, desta maneira, eliminar o erro do tratamento da luta pela luta (o específico pelo específico: a questão em si), quanto ao seu encaminhamento. Devemos analisar, portanto, todas as questões a partir das envolventes que as definem, através do método dialético de análises, considerando todas as suas multilaralidades, conforme exige todos os fatos concretos da realidade. Portanto, este é o tratamento que permite elevar a um grau superior as nossas lutas e o movimento estudantil em sua totalidade. Falta-nos demonstrar que as lutas dos estudantes não estão desvinculadas das lutas do povo de uma maneira geral, mas sim, que existe uma interrelação íntima e necessária entre estas e aquelas.

 

Como foi dito nas linhas precedentes, existem contradições nítidas entre os interesses reais dos estudantes e o modelo educacional sob o qual estamos submetidos. Estas contradições se traduzem em lutas concretas que se apresentam as vezes de forma velada, ou em determinados momentos, francas e abertas de acordo com o aguçamento destas contradições. Ora, estas lutas assumem sempre o caráter de colocar em xeque o próprio modelo e regime econômico-político de opressão e exploração a serviço do imperialismo, a medida em que elas ganhem maiores dimensões e assumam uma forma de combate mais resoluta. O regime ditatorial, por sua vez, sem margens de manobras, vê-se acossado e reprime violentamente,  através de seu aparato repressivo bastante poderoso, as manifestações dos estudantes, da mesma forma que, pelos mesmos meios violento, esmaga as manifestações dos trabalhadores que exigem melhores salários, melhores condições de uma vida digna de seres humanos, e que são submetidos a uma desumana exploração do seu trabalho e privados de expressão política – direito elementar do homem.

 

Neste sentido, a medida que os estudantes, enquanto segmento social, são reprimidos por estarem lutando por seus direitos, sentem que é necessário conjugar as suas lutas específicas com as mais  gerais: por maiores liberdades, que é também uma luta e uma aspiração do povo em geral, que é privado destes mesmos direitos, maiores liberdades e direitos democráticos, direito à livre manifestação, expressão e organização, etc, são questões que somente serão conseguidos com a efetiva derrubada da ditadura – que é o regime político responsável direto pelo total cerceamento destes direitos aos demais setores sociais, submetendo-os a uma brutal forma de opressão e exploração. Esta tarefa é de todos os setores comprometidos com a causa da emancipação dos povos do jugo do imperialismo. Portanto, os interesses e as lutas dos estudantes estão ligados de maneira intrínseca aos interesses e lutas do povo de uma maneira geral.

 

Campina Grande, Maio de 1980

 

- Contribuição de um estudante de Engenharia Elétrica

 

 


Data: 10/08/2015