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Artigo - Quanto menas padre, mais fé...

Wagner Braga Batista*

 

Ontem, a conversa foi boa.

 

A programação do “Sempre um papo”, debates promovidos pelo MINC, Governo de Minas e Gerdau,  ofereceu-nos o lançamento de dois livros.  De autoria do frade dominicano,  Frei Betto ( Carlos Alberto Libanio Cristho): “Paraíso perdido- viagens ao mundo socialista”e “Um Deus muito humano- um novo olhar sobre Jesus”, integram vasta obra com 60 titulos, publicados desde 1970,  quando esteve preso pela ditadura militar. Esta conversa será transmitida, brevemente, pela TV Câmara.

 

O primeiro livro nos remete ao socialismo. Implicitamente, remte aos desvios da nomenclatura, da burocracia centralizadora e corrupta que arruinou o socialismo. Fala de condições de vida que se tornaram impraticáveis diante da corrida armamentista imposta pela guerra fria. De elevados dispêndios improdutivos para criar arsenal bélico que consumiram recursos indispensáveis para prover demandas básicas da população. Que comprometeram planejamento estratégico  destinado a minimizar gritantes contradições e desigualdades sociais. Hoje,  exaltadas como forças livres responsáveis pelas incontroláveis pulsões excludentes, pela ganância e exacerbada acumulação, inerentes à economia de mercado.

 

O segundo livro, pode-se dizer, é uma síntese de estudos realizados durante seis anos sobre a vida de Jesus. Beneficia-se de minucioso mapeamento da Palestina, no século I, efetuado por pesquisadores alemães.  Fala da fé, do entusiasmo, que humaniza os deuses que existem em nós.

Agnósticos, como eu, impressionam-se com sua abordagem, inspirada em outro teólogo portador de suas convicções, Leonardo Boff.

 

A conversa agradou aos duzentos e cinquenta presentes. Infelizmente não contemplou outros tantos, do lado de fora. Despretensiosa, girou em torno da sua intensa atividade literária. De rotinas e aspirações que diferenciam escritores de autores. Dos que escrevem para si mesmos, para se tornar herméticas celebridades, e aqueles que escrevem para os outros. Por meio desta relação prazerosa e gratificante se tornar accessiveis aos seus leitores. Certamente, Frei Betto se insere no segundo time.

 

 A conversa rolou. Fatos pitorescos e dolorosos, peculiaridades da culinária mineira, casos hilários, o advento de Francisco, o papa pop e minudências de D Helder Câmara.

 

Aí cabe uma estória sobre a fé, contada pelo ex-Arcebispo de Recife.

 

D. Helder, ex-integralista e Bispo Vermelho, na acepção de Nelson Rodrigues, certa feita foi auxiliar um padre nos serviços eclesiásticos de uma grande paróquia nas redondezas de Recife. Véspera da Semana Santa, atribulado no confissionário, ouviu peroração de pobre mulher, que desconhecia seu interlocutor:

 

- Padre, não vim aqui para me confessar.

 

Prosseguiu:

 

- Fui abandonada muito cedo pelos meus pais e depois por meu marido. Não frequentei a  escola e tinha dois filhos para cuidar.

 

Sem medir palavras, confidenciou ao Arcebispo:

 

-Sou puta, mais creio em Deus. Para reparar meus erros vou religiosamente ao presídio. Lá, muitos presos carentes me aguardam.  Faço minha penitência. Com autorização do delegado, passo o dia enclausurada. Dou para todos eles.

 

Absolvida por D Helder deste insólito pecado, a vivência da prostituta nos fala-nos da antromorfização da religiosidade cristã. Da transubstanciação de sacrificios humanos, que se tornam indulgências às portas do céu.

 

Em outro artigo, publicado no jornal O Globo, em 30 de julho de 2015, Frei Betto escreve  sobre o sentido da fé cristã.

 

No Evangelho de Mateus ( vide o filme de Pasolini), Jesus considera alguns sacerdotes como “homens de pouca fé”. Despojados da fé solidária, que pode ser identificada, até mesmo, em pagãos, em prostitutas, cobradores de impostos e num centurião romano.

 

Nestes tempos de pouca fé solidária, Frei Betto relatou andanças durante o processo de  construção das Comissões Eclesiais de Base-CEBs, no Espirito Santo. Referiu-se a comentário de um humilde trabalhador rural que denuncia o farisaísmo reinante em certas igrejas: Quando menas padre, mais fé...

 

Esta é a paradoxal realidade da universidade pública. Repleta de doutos, meritocratas, saberes e competências, mostra-se carente de fé solidária.

 

Outro dia o prof Jonas Duarte, discorreu sobre a esterilidade de vistoso produtivismo acadêmico, que cristaliza o ensino, torna inócuas algumas pesquisas e restringe o alcance social da extensão universitária.

 

Bastante ilustrativo, seu papo induz à reflexão. Faz com que o comentário do trabalhado ressoe na universidade.

 

Talvez, seja preciso temperar a educação superior. Salpicar algumas pitadas de fé solidária nas nossas salas de aula. Com menas PhDeuses e mais fé...

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 06/08/2015