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Artigo - A crise fabricada e a boa nova

Wagner Braga Batista

 

Semana passada, houve festival de horrores. O circo montado ofereceu o picadeiro às crises.

 Face à indigência ética e criativa, as crises oferecem-se ao protagonismo grotesco. Ludibriam todos nós, graças às suas dimensões controversas, pouco perceptíveis ao senso comum.

 

Contudo, podemos dizer que as crises atuais possuem vezo comum. O intento manipulatório, típico da falsa consciência.

 

Nesta conjuntura, duas crises tornam-se proeminentes: a real e fabricada. Coexistem como fina camada de óleo sobre água turva. Ambas estão sujas, mas não se misturam.

 

A primeira crise é latente. Instalada a vários anos, evidenciou a inconsistente tentativa de governos populares de lustrar a classe média. Transformar o acesso ao mundo fantasioso das mercadorias no patamar do reconhecimento e ampliação de direitos sociais. Convertido em sinonimo de cidadania, o consumo de bens supérfluos expôs suas falácias. Não criou condições  necessárias a sua efetivação.

 

A bem da verdade, recentes políticas sociais retiraram expressivos contingentes populacionais da linha de pobreza, porém revelaram inconsistências.  Não criaram aptidões para que pobres e miseráveis superassem sua indigência. Compensatórias, aliviaram a dramática situação destes contingentes- o que é louvável- porém não conseguiram capacitá-los como agentes de sua História. Mostraram-se limitadas, pontuais e descontínuas. Insuficientes.

 

Sua instrumentalidade produziu clientela recorrente. Manteve-a refém de programas distributivos, assistencialistas, sem desdobramentos qualitativos, que não oferecem alternativas de emancipação social.  Tornou-a dependente de agências governamentais.

 

Algumas vozes valorizam estas políticas distributivas. Por mais incipientes que sejam,   transferem para parcelas da população, mais vulneráveis, recursos públicos apropriados por secular patrimonialismo, perpetrado pelos ocupantes do aparelho de Estado e donos do poder.

 

A crise, expressa por meio das desigualdades sociais, é real. Acentua costumeiras assimetrias. Aumenta a penúria da população mais vulnerável e concentra riquezas em setores que se beneficiam de suas carências. Saltam aos olhos indicações destas assimetrias.

 

Em meio à crise pipocam polpudos faturamentos e lucros de agências financeiras, a fusão das ilicitudes do Bradesco com as contas suiças do HSBC. Análoga à falsa distribuição de renda,  constatamos a concentração fundiária, a horrenda exclusão social e degradação ambiental empreendidas pelo agronegócio. Temos, messiânico ajuste fiscal, que aprofunda distorções e desequilibrios das incipientes das políticas públicas. Que suprime investimentos substantivos para assegurar privilégios para aliados de sempre. Os que carregam no sangue o DNA do poder. A graça, abençoada por oligarquias, que as mantêm em cortes parlamentares, judiciárias e executivas, por meio das quais viabilizam suas prerrogativas sacrificando gente miúda.

 

O governo da classe média, anunciado por Dilma Rousseff, não reverteu esta tendência. Resulta na imagem bizarra da carga de sal transportada em lombo de jumento. Ao mergulhar na correnteza, dissolve-se rapidamente.

 

É esta a situação crítica que estamos enfrentando. Graças à falsa consciência, reveste-se de outra  roupagem.

 

A crise fabricada é seu adereço. Foi composto a alguns meses. Desenhada no faustoso mundo financeiro torna desequibrios orçamentários seu ornamento. Transfere  custos de seus elevados ganhos de capital para o mundo inóspito ao qual submetem a gente miuda. Com isto agravam suas privações e sacrificios.

 

A crise fabricada é prodigiosamente pautada por parcela da imprensa, beneficiária de dividendos publicitários, oriundos do metier espoliativo. 

 

A voracidade de grandes grupos financeiros já não se satisfaz com o elevado volume de divisas obtido por meio de exorbitante divida pública.  Cobra também a reversão de políticas paliativas. Quer o fim da assimétrica partilha, que destina migalhas para politicas e investimentos públicos essenciais, retirados dos panos verdes que cobrem suas mesas de azar. Querem assegurar plenamente seu cacife. Seus escorchantes ganhos de capital para ter mais capacidade de barganha, mais chances na encarniçada disputa dos jogos de azar. Cobiçam, sem pejos, taxas mais altas de juros, flutuações cambiais imprevisíveis e a exacerbação da mágica especulativa, que dinamiza o cassino global.  Que aciona roletas ameaçadoras. que submetem a humanidade à imprevidência e à indigência.

 

Estes sào horrores encobertos pela crise fabricada.

 

A lógica espoliativa do mercado financeiro escapa de nossos olhos. Nào integra esta crise forjada, fabricada para justificar ajustes fiscais, cortes orçamentários, desoneração de capitais, transferência de recursos para esfera privada, as fraudes  tributárias, supressão de investimentos públicos e a subtração de direitos sociais.

 

A crise fabricada, tábua de salvação da economia monetária, tem objetivo precípuo : garantir perversa espoliação, praticada por abutres financeiros, daqui e d`acolá.

 

Mas, diante deste horizonte sombrio, qual a boa nova?

 

Está ai, para regozijo de todos, partitura harmoniosa, composta semana passada. Com união de Sinedei e Fidélia, casou-se a poesia.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 04/08/2015