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ARTIGO - O banquete das Excelências

Wagner Braga Batista

 

Suas Excelências reclamam da falta de modos dos que partilham do seu repasto. Cobram etiqueta, respeito e prudência aos que comem com olhos, com mãos e talheres às suas expensas. Diga-se, às nossas expensas.

 

Para os donos da festa, diferenças accessórias pouco importam, mas cabe uma advertência. Todo, como bons comensais, devem zelar pelas regras de convivência para assegurar o bom desfecho, previsto para a festa.

 

Em nome do inconteste apetite dos que chegam à mesa, exige-se decoro e comedimento na hora da janta. Assim sendo, não se pode desqualificar e criminalizar quem ocupa honroso lugar na comilança. Não se pode denegrir o indigesto banquete, nem deplorar o status dos que se refestelam neste altíssimo patamar. Chingar mães, tachar de bandidos anfitriões e convivas, não condiz com o banquete. Depõe contra a luxuria e constitui irreparável ofensa ao ilustre colegiado. Regras, por mais ambivalentes que sejam, devem garantir lúgubres alianças e entendimentos.

 

Em sendo assim, pacificamente, todos se colocam à mesma mesa. Mãos sujas ou mal lavadas, pouco importa, não ferem o consenso. Igualmente traídos, corrompidos ou cooptados, estes que se dizem todos, satisfazem-se, refestelam-se no mesmo prato.

 

No banquete das Excelências, certamente o todos não somos nós. E, nós todos, somos reduzidos por egrégio universo abstrato em que reinam leis, imunidades, juizes e predicados. Que asseguram aos comensais honrosa participação neste banquete indigesto.. 

 

Todos, na sua linguagem, é um pronome definido pelo poder, arbitrio e voracidade de poucos que se alimentam da totalidade. Não se trata de uma palavra inclusiva, tampouco compromisso e expressão de coletividade. Talvez, vaga alusão à sinecura, confraria, prebenda, quadrilha, bando, irmandade. Mais propriamente, a círculo restrito, avesso à sociabilidade.

 

No idioma das Excelências, todos é pronome impreciso e auto-aplicado. Assim como na sua linguagem evasiva, apela a atribuições e artificios que condenam todos ao esquecimento. Avessa a todos, esta parcela do todo se regozija de adjetivos, comendas, regalias e deferencias. Detém o privilégio de sonegar  direitos. Legisla, julga e penaliza todos que não têm direitos.

 

Excelências são parasitas que só crescem em lugares altos.

 

Há um filme, que agraciado por Armando Falcão, Ministro da Justiça de Geisel. Integra os anais da censura à cultura, às artes e as manifestações democráticas durante a ditadura cívico-militar.

 

Exibido no Brasil no final de 1970, tratava do hobby das Excelências: comer à exaustão. Apesar de eventuais cochilos, os funcionários da ordem conseguiram enxergar a ameaça aos privilégios dos que comem insaciavelmente. Devoram instituições democráticas, poderes públicos, grana de empresas corruptas, sentenças judiciais favoráveis, avais da imprensa para sua avidez.

 

 “A comilança” ( La grande bouffe, Marco Ferreri, 1973),  alegoricamente,  antecipou este  hábito das novas oigarquias. Comer à exaustão.

 

Este pantagruelismo se generaliza entre autonominados homens de bem, imunes a calúnias e difamações, infensos a qualquer suspeita. Sua voracidade extende-se a tudo e a todos, dos bons pratos ao lugar dos priviegiados à mesa. Da desregulamentação de direitos à crescente degenerescência de liberais que namoram o poder, que suga suas tetas, mas abominam o Estado. Suas ambiguidades, assim como seu apetite de poder, são insaciáveis.

 

Em tempos somíticos de desajuste fiscal, o repasto é grande.

 

Com o que subtraem de direitos sonegados, constroem shopping no parlamento e elevação astronômica de seus salários. O Parlashopping, inicialmente orçado em 900 milhões, nas mãos de comissão de licitação, indicada por Eduardo Cunha, já está estimado em 8,3 bilhões de reais. A reposição de inclitos integrantes do Judiciário chega a 76% de seus salários. Muitos dos que subtraem direitos, beneficiam-se de gratificações, rodizios e regalias  negadas aos pé-rapados. Esta excrescência que ameaça à excelência da morosidade dos processos judiciais, do esquecimento em presídios degradados, da atualização de penas iniquas e da sacramentação de desigualdades.

 

As regalias das Excelências são pagas com o preço que é cobrado pela imputabilidade de menores, pela precarização no trabalho, pela desregulamentação de direitos e pelas terceirizações, pelos trancamentos de pauta, entre outros expedientes, que viabilizam o financiamento privado de parlamentares e a corrupção, que grassam no Executivo, Legislativo e Judiciário.

 

O banquete indigesto de parasitas e perdulários é proporcionado pelo nosso sacrificio, pelo trabalho produtivo, pela expropriação de desafortunados, pela exclusão social, pelas iniquidades, pela anulação de direitos e por tudo que subtraem de nossos salários.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 17/07/2015