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ARTIGO - A virose da consciência coletiva

Wagner Braga Batista*

 

Neste final de semana a seleção da CBF, que utiliza as cores do Brasil, passou outro vexame. Uma providencial virose explica a humilhante derrota na nova Guerra do Paraguai.

 

Dirigida por um anão, a seleção da CBF não é um time. É simples mostruário.  Seus jogadores transformam-se em  vacas premiadas.  Escolhidos por traficantes, são expostos e colocados em leilão a seguir.  A CBF, sucursal de refinados larápios, sediados  na Suíça, conectados a redes de comunicação e grandes corporações publicitárias, utiliza o futebol para lavagem de dinheiro em tempos de recessão e falta d´água. Estes larápios roubam-nos honesta e duplamente, às claras, à luz do dia. Alienam  nossas doentias paixões e expropriam, religiosamente, nossa grana aos finais de semana. Pagamos pedágio à nata da rapina montada em clubes, associações e federações, empresas privadas, que servem de fachada para a ladroagem consentida.

 

Pois bem, agora fomos contaminados por virose imprevista, que aumenta a turbidez  de nossa a visão e embota a consciência coletiva. Esta virose, universal e democrática, não fez distinção. Derrotou indistintamente todos nós. 

 

No país da indecência fabricada muita coisa esquisita acontece. Entre elas esta nova virose opcional, que dispensa qualquer juízo crítico ou fundamentação para nossos fracassos históricos. Neste imbróglio da virose vamos inserir considerações sobre a universidade e a atual greve nacional  dos professores. Como todo movimento desta envergadura, com desenlaces e resultados divergentes, a greve também não está imune às viroses ocasionais e opcionais.

 

Debilitada, a universidade publica é sensível a endemias. Enfrentando vários problemas, agravados por políticas educacionais  intermitentes, transforma-se num enorme muro de lamentações amparo e escoadouro para toda sorte de insatisfações. Ouve-se aqui e acolá colegas insatisfeitos com o governo, com a conjuntura, com as condições de trabalho, com o prêmio da loteria, com o cachorro do vizinho, com o timbre de voz da sogra. Haja reclamações. Neste rola de indignos e indignados, misturam-se opiniões. Deste modo, temos posições fervorosas a favor e contrárias a greve. Infelizmente, grande parte delas carentes de substância, como argumentos de torcedor que precedem ou acontecem após grandes prélios futebolísticos.

 

A universidade é um espaço profícuo, oferece-nos condições privilegiadas para o exercício da  boa convivência e da discordância. Somos livres para divergir. Neste terreno democrático podemos celebrar a dialogia saudável, praticada com responsabilidade, comprometimento, sem exacerbações e mau humor.

 

Mas nem sempre é assim.

 

Conversando com alguns poucos colegas, tivemos algumas surpresas.  O mar de insatisfações avulta. Salta aos olhos. São tantas e tão diversificadas, que chegamos a pensar que  insatisfações, fornecem estofo e desenham os contornos críticos da precária identidade docente que nos resta.

 

A segunda surpresa. Este rosário de insatisfações respingou sobre nós. Colegas pelos quais temos grande apreço escorregaram nos seus argumentos. Sem constrangimentos, pontificaram: você está aposentado. Em outras palavras, recomendavam-nos fechar os olhos e ignorar a delicada situação da universidade.

 

Não será ocioso dizer que, assim como a relação entre pais e filhos, a relação que alguns professores mantém com a universidade é definitiva. Indissolúvel. Não se exaure.

 

Distanciamento pode enfraquecê-la, porém jamais eliminará vínculos afetivos, educacionais, políticos e sindicais sedimentados ao longo da vida acadêmica. Portanto, a recomendação dos caros colegas é inoportuna. Inócua.

 

Além do mais não nos dispomos a padecer da moléstia ocasional que acometeu a seleção da CBF.

 

Partimos da premissa que a universidade está asfixiada. Precisamos oxigená-la para diminuir este torpor causado pelo esvaziamento físico e critico da instituição. É preciso evitar as quedas e cortes de energia que interrompem atividades na universidade. Estas interrupções não ocorrem em períodos de grave.  Às vezes são previstas e programadas. Esvaziam a universidade e causam paralisia similar a que enfrentamos. Portanto, não é apenas a greve que paralisa a universidade.  Em tempos de normalidade, também há paralisações convenientes, seletivas e atípicas, que também  comprometem o funcionamento da instituição.

 

Há muito reiteramos que o nosso maior desafio é fazer a universidade funcionar adequadamente, cumprindo seu papel social e sua função pública. Favorável à greve, recusamos a dar um voto favorável ao absenteísmo de professores.  Favorável ao trabalho abnegado e redobrado de meia dúzia de colegas que legitima a habitual ausência de parcela do professorado do campus durante a paralisação. A nosso ver, necessária nesta conjuntura agressiva e recessiva, a greve pode se converter num tiro pela culatra.

 

É inegável que a greve acentua discordâncias. Não apenas entre esquerda e direita. Há colegas refratários a greve que se distribuem nestes campos. A nosso ver a disjunção significativa expressa-se pelo grau de compromisso com a universidade e a greve.  Compromisso que não efetiva apenas circunstancialmente, por conveniências eventuais. Há colegas conservadores, porém bastante comprometidos com o trabalho docente. Há também professores com os quais temos afinidades ideológicas que são incapazes de concretizar seu discurso de intenções.

 

Nosso maior desafio é efetivar o compromisso com a educação pública. Estabelecer a consonância da universidade que temos com a universidade que projetamos. Há um hiato enorme entre o discurso e a prática educacional.  Não estamos paralisados apenas pela greve em curso. Há uma paralisia intestina, crônica, inominável que coloca em questão declarações de princípios e profissões de fé em prol da educação.

 

Ao invés de lamentações precisamos buscar alternativas conjuntas que superem o descompasso entre objetivos e a falta de sincronia entre setores da mesma universidade. Não nos aprece plausível que alguns setores que se dizem dinâmicos se alimentam da letargia de outros. Que uma instituição de ensino, pesquisa e extensão seja harmoniosa em meio a assincronias e assimetrias. 

 

Em síntese, precisamos superar disjunções que tendem a transformar semelhantes em corpos estranhos no nosso meio. Esta ação não se viabiliza por inciativas parciais, assistemáticas, mas, isto sim por meio de estratégia institucional, ampla, democrática e, portanto, plural.  A instauração deste processo requer razoabilidade, compromisso e responsabilidade de todos, não pode ficar a mercê do arbítrio de poucos, por mais qualificados e competentes que sejam.

 

A UFCG vive uma situação delicada que não está circunscrita à greve. Nenhum de nós pode declinar da responsabilidade diante deste quadro crítico. Tampouco atribuir a A ou B o ônus que pagamos pelo status quo. Abraçamos uma cultura que nos segmentou, nos dividiu e nos tornou bastante frágeis como educadores e profissionais. Hoje pagamos o preço por esta escolha.

 

A universidade não pode em hipótese alguma ser colocada em marcos parciais, ser submetida a tendências ocasionais ou conduzida pelo arbítrio de poucos. A prevalecer esta orientação, estaríamos abdicando de nossa capacidade de intervenção coletiva e homologando o cada um por si.

 

A greve em curso desencadeou questionamentos e reflexões que são deveras relevantes. Dizem respeito ao projeto de universidade, às formas de condução e ao protagonismo que pretendemos para seus integrantes.

 

Na próxima terça-feira, 30 de junho, o Conselho Pleno, órgão de deliberação máximo da UFCG, estará reunido. Seus componentes têm papel capital neste processo de discussão, posto que cabe a este colegiado definir se pretendemos entregar a universidade à própria sorte, à ação voluntariosa de cada um ou se utilizaremos o bom senso. Se procuraremos resguardar a universidade de intempéries ocasionais e arbitrariedades circunstanciais fazendo valer decisões coletivas .

 

Ao primar pelo diálogo, o Conselho Pleno valorizará  a democracia interna da universidade e diretrizes que se apliquem indistintamente a todos. Fora destes marcos, corremos o risco de negar nossas aptidões, o discernimento  e a possibilidade de entendimento. Permitiremos que a universidade seja acometida pela pior das viroses, aquela que fragiliza a razão  e opta pelo casuísmo e pela conveniência.

 

O colegiado não pode renunciar a sua atribuição: decidir o que é relevante para toda a universidade. O dilema está posto. Deixá-la entregue a própria sorte, ao arbítrio de cada um, ou definir diretrizes, que democrática e indistintamente sejam  adotadas por todos.

 

Seria uma temeridade se o colegiado optasse por esta moléstia ocasional da seleção da CBF. Que autoriza a objeção a juízos críticos, a renuncia a responsabilidades e nos contagia, a todos, com a virose que inibe a consciência coletiva.  Que permite que se instaure a cizânia e  confronto, com desdobramentos imprevisíveis.  Acometidos desta virose, todos, sem exceção, padeceremos suas mazelas.

 

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.

 


Data: 29/06/2015