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Artigo - Manga com leite

Wagner Braga Batista*

 

Durante muito tempo acreditamos  piamente que manga com leite era mistura explosiva.

 

Por sucessivas gerações, nossos pais e avós, num esforço de disciplinamento, infundiram-nos   temor para evitar algumas aventuras. Por intermédio de crendices, também fomos induzidos a evitar o a razão e o senso crítico. Involuntariamente, muitas vezes, reproduzimos estes métodos e ensinamentos tronchos na formação de nossos filhos. E assim, consolidam-se culturalmente superstições.

 

Um filme de João Batista de Andrade, intitulado “A próxima vítima” (1983 ), retrata a cidade de São Paulo durante a gestão de Paulo Salim Malluf e da figura abjeta, José Maria Marin, ex-presidente da CBF, ora encarcerado na Suiça. À vespera da eleição para o governo do Estado, Revela, diante do avanço das forças oposicionista, aborda o clima de intimidação, os factóides gerados para legitimar a repressão policial e a higienização da sociedade deteriorada por quse vinte anos de ditadura cívico-militar.

 

A artificiosa mudança de foco, produzida pelo sensacionalismo da imprensa marron,  desnorteia a população. Inventando malefícios e fabricando malfeitores, justifica a higienização da sociedade, empreendida pelos que a degradam. Deste modo, crimes comuns, a exemplo do assassinato de prostitutas por um suposto maníaco, ganham destaque. Servem para abafar e esconder  crimes maiores, praticados por homens de bem, cidadãos acima de qualquer suspeita.  Assim como, hoje, os executados por bandidos que controlam o poder, a justiça e o aparato policial.

 

Por meio deste artificio, a população intimidada se mantém à espreita. Teme ser a próxima víitima alardeada pela imprensa. Não se dá conta de que, todos, somos vitimas habituais e ordinárias deste sistema pervertido.

 

Nesta roda viva, aguardamos apreensivo o desfecho histriônico de outro delito, capitalizado pelos fabricantes de marginais. Marginais em sua verdadeira acepção, posto que não têm e nunca tiveram lugar digno na sociedade excludente..

 

Espetacularizando atos de menores infratores, a midia distancia olhares dos maiores infratores. Dos crimes financeiros e políticos praticados por grandes empresários, pelos magnatas da agiotagem, por governantes, parlamentares e juízes. Legitima a higienização que não atinge o âmago da podridão, ambientes corrutos e promiscuos onde reinam paladinos da moralidade. Converte criminosos menores, em alvos preferenciais de milicias, esquadrões da morte e desta parcela do aparato policial voltada à queima de arquivos incomodos. Atualmente bem representada na Câmra dos Depuatdos pela bancada da bala.

 

Atualmente 93 % da população, segundo pesquisa do Datafolha, são favoráveis à redução da maioridade penal. Muitos acreditam que menores infratores soltos nas ruas são os maiores responsáveis pelo aumento da criminalidade.

 

O senso comum supõe que manga com leite seja mistura indigesta. Considera atentatório à sociabilidade todo ato que investe contra o patrimonio privado. Contudo não reconhece o butim praticado pelo sistema economico e financeiro. Despreza ações muito mais contundentes, praticadas contra a vida humana. Ações realizadas sob o manto de imunidades, que permanecem impunes. Praticadas de modo contínuo, sistemático, amplo, silencioso e sigiloso. Avalizado, costumeiramente, por guardiães da liberdade de imprensa, beneficiários de seus dividendos, de verbas publicitárias que ditam pautas e manchetes de grandes jornais.

 

A especulação, a espoliação e a manipulação de expectativas realizadas em grande escala por agências financeiras, produzem maiores malefícios que atos isolados praticados por menores infratores. Exorbitantes lucros de bancos, superiores a 20 % em ano que a economia brasileira enfrenta recessão, constituem escárnio à consciência coletiva. Enquanto atividades especulativas e improdutivas obtêm altas taxas de lucro os que trabalham e produzem são penalizados. Pagam altas taxas de juros que comprometem investimentos, acarretam  recessão e desemprego, arrocho salarial, aumentam abusivamente a divida pública, provocam a sangria de correntistas, arruinam economias domésticas , provocam o colapso de familias e corroem a existencia de milhões de pessoas individadas.  Portanto, são mais danosos à vida e a  saude de cidadãos que atos, condenáveis, praticados por menores infratores. Estima-se que nos cinco primeiros meses deste ano, 200 bilhões de reais foram sonegados.  Este montante equivale a quase um terço dos valores estabelecidos pelo ajuste fiscal.

 

No entanto, a dinâmica especulativa do capital financeiro foi absorvida e naturalizada por nós. O senso comum a consagra como prodigioso movimento de maõs invisiveis que corrigem distorções do mercado. A verdadeira distorção, esta que nos aniquila no dia a dia, é a que assegura as altas taxas de juros, os lucros, a sonegação, o endividamento público, a aniquilação de expectativas e o comprometimento da vida de milhões de brasileiros.

 

O foco na insegurança permanente, atribuída à ação de menores infratores, oculta a ação deletéria dos grandes criminosos que atentam contra nossas vidas e a saúde pública. Confunde-nos e favorece os golpes que contemplam interesses mesquinhos em detrimento de leis e políticas públicas relevantes para a sociedade e o Estado.

 

Desarticulados, partidos democratas, movimentos sociais, expressivas entidades da sociedade civil, sindicatos e representações de coletivos organizados têm mostrado dificuldades de fazer frente a estes ardis. Algumas vezes, praticados com sua anuência.  Aqueles que pretendiam realizar constituinte exclusiva sem intensa mobilização, ampla participação e organização popular, hoje se defrontam com seu arremedo. A constituinte exclusiva da bandidagem, que avoca a si própria esta prerrogativa e legisla em causa própria. Que estabelece prioridades, pautas e leis ao arrepio da ética, consciência pública e da razoabilidade política.  Vale-se do senso comum, para consagrar mistura de manga com leite, como causa de nossa indigestão. Barra qualquer empenho analitico e crítico voltado a desmitificar expedientes que consolidam seus intereses menores, exaltando crendices e receituário perverso, que suprime direitos sociais inalienáveis.

 

Deste modo, empurram goela abaixo da população o verdadeiro veneno,  instilado pelos que financiam suas ações, que patrocinam o consórcio de interesses espúrios, que degrada poderes públicos em nosso país.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 15/06/2015