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Artigo - Josafá: um Hercules de 50 kg

Wagner Braga Batista*

 

Quando nos conhecemos? Não temos lembrança. Associávamos sua imagem a resquícios de verde, resistentes na universidade cambaleante, tragada por automóveis, prédios vazios e  fiteiros sem prendas. No nosso imaginário, sua figura esquálida, quixotesca, assemelhava-se a um restaurador do futuro. Do campus que desenháramos para a universidade. Munido de instrumentos de jardinagem, fazia brotar espaços de convivência remanescentes. Assim como Seu Severino e Atila Almeida, no passado, fazia pedras criarem raízes e florir em terreno árido.

Com rituais mágicos, Josafá recriava bambuzais, passáros ausentes, áreas degradadas e árvores mortas.

 

Josafá tornara-se semeador de um cenário que desaparecera da universidade. De paisagem convidativa e gregária, que a comunidade universitária esqueceu. Da sociabilidade  desejada, possível e necessária num espaço que se tornou permeável às vantagens e negócios.

 

Talvez, Josafá sequer saiba o que é a sociabilidade que intuitivamente aprendeu a cultivar com as mãos. Com a generosidade do seu trabalho.

 

 Josafá, alvo de nossa admiração, é uma pessoa simples e pertinaz.  Suas virtudes provocam  sentimentos distintos. Enorme respeito naqueles que valorizam seu trabalho. Hostilidade, naqueles em povoam ambientes da inépcia.

 

Pois bem, outro dia caiu a ficha. Conhecemo-nos a mais de dez anos. Assim como nos surpreendemos, muita gente desconhece sua condição funcional. Supõe que Josafá, patrimônio da UFCG, seja servidor técnico administrativo, com carreira e garantias minimas de trabalho. Pois bem, não é.

 

Supõe, imaginem, um stakhanovista empedernido, que resistiu ao seu tempo histórico. Um  produtivista meia sola,  calorias zero, à imagem dos que campeiam em bolsas e mais bolsas de produtividade, reproduzindo em seus curriculos, inventivas, fantasias, méritos e cargos pomposos, recheados de vento, com enorme prestígio no meio acadêmico.

 

Josafá, ao invés de curriculum vitae, ostenta apenas calos nas maõs.

 

Na universidade, é mais um trabalhador, que domina precariamente a escrita. Um homem simples, sem grandes ambições, igual a milhões de outros brasileiros. Um homem como todos deveríamos ser. Altivo, de estatura moral elevada e de força fisica hercúlea, capaz de causar inveja a turbinados e marombeiros, que dispendem energia por dilentantismo.

 

Incansável, suas forças não se esgotam. Na luta pela sobrevivência, a todo dia, não mata, apenas, um leão. Como um Hércules do agreste, entre as 7 h e 17 h, é obrigado a realizar doze proezas, em condições de trabalho extremamente adversas. Tudo isto, em troca de um salário mínimo, R$ 788,00. Suas façanhas consistem em pagar moradia, transporte coletivo,  roupa do corpo, alimentação da familia, remédios para familiares, o alimento dos filhos e tantos outros dispêncios com um salário irrisório. Estes itens, indispensáveis à vida humana, possivelmente não sejam parâmetros de agências financeiras, nem pesem em previsões do ajuste fiscal. Às vezes, nos parece, esta gente hercúlea, como pobres meninos de Brejo do Cruz, cantados por Chico Buarque, alimenta-se somente de luz..

 

Josafá, esta figura emblemática, depositária de nossa admiração, como tantos outros, é um trabalhador sem direitos. Encarna o drama cotidiano dos terceirizados na UFCG e no país. Esta gente que cresce se tornando miúda, que enriquece outros à custa de seu sacrífio e empobrecimento. Que se torna refens de empresas inidôneas, que especulam com recurso públicos e sonegam direitos de trabalhadores.

 

Os dramas desta gente espalham-se e se agravam por todas universidades, por todo país.  Invadem nosso íntimo. Provocam desconforto  que denuncia nossa indiferença. Assim como os professores substitutos, no passado, cobram de nós a devida solidariedade. No entanto, parecem invisíveis aos nossos olhos.

 

Porém, estão aí, distribuídos em toda a universidade. No setor de pessoal, nas edificações, nos transportes, servicos de limpeza, nos jardins, tal qual  flores esquálidas, pálidas e petrificadas, que empalidecem a exuberância desta torre de marfim que, cada vez mais, distancia-se da gente que sobrevive, amargamente, no seu  solo.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 12/06/2015