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Artigo - Seu Mário: uma homenagem a Mário de Souza Araujo

Wagner Braga Batista*

 

Ao final dos anos 1970, adquiria visibilidade parcela da esquerda que rompia limites impostos pelo regime militar. A irrupção de movimentos sociais questionava dois blocos políticos que davam aparente legalidade aos sucessivos governos ditatoriais. Indicava novas alternativas de participação sem perder de vista laços de identidade entre correntes que resistiram, a duras penas, à brutal repressão.

 

Em Campina Grande, a ditadura cívico-militar também exerceu seu poder de censura e coerção. Intimidada por medidas execpcionais, a população temia possiveis desdobramentos de manifestações públicas contrárias ao arbítrio.  Instaurou-se um silencio, não por cumplicidade, mas pelo medo infundido por sequestros, torturas e assasinatos praticados pelo aperelho repressivo.

 

Graças a meticuloso trabalho de apuração das Comissões da Verdade, hoje, temos registros de várias práticas hediondas, que contribuíram para eliminar e calar possíveis opositores.   Torna-se público o que se ouvia de forma reservada e sigilosa. Desmandos e violências contra parlamentares, prefeitos, trabalhadores, estudantes e homens do campo no litoral, brejo, cariri e no sertão paraibano. Simples diatribes locais transformavam-se em motivos para cassações e prisões capitaneadas por oligarquias conservadoras para fazer valer seus interesses restritos.

 

No final da década de 1970, apesar de avanços sociais, as forças de sustentação a estas  arbitrariedades, ainda eram hegemônicas no município. Seu poderio manifestava-se por meio de grupos economicos locais, de direções nomeadas autocraticamente em  instituições públicas, entre as quais as duas universidades.

 

A ruptura do cerco imposto pela repressão institucionalizada e introjetada exigiu  desprendimento político e um pouco de audácia. Neste contexto adverso, a luta pelas liberdades democráticas propiciou aproximações e distanciamentos inevitáveis.

 

Sentimo-nos gratificados por vivenciar alguns destes momentos, pelas relações de companheirismo e de amizade que se mantiveram ao longo do tempo. Entre elas, com Mário de Souza Araujo e dois de seus filhos, Marinho e Felix, por quem temos enorme apreço. Participaram ativamente das lutas pela redemocratização do país, entre as quais a campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Félix, um dos articuladores do grupo Alerta, foi responsável pela retomada do movimento estudantil livre na URNE. Marinho, à epoca, além de contribuir com grupos literários,  esteve à frente de movimentos pelas liberdades políticas, entre os quais o que resultou na criação da nossa ADUFPB-CG.

 

Por opção, Mario e seus filhos, nas difíceis condições de participação política no município, fizeram do MDB uma trincheira.  Marinho e Feliz atuavam no setor jóvem, que agregou e formou políticamente expressiva parcela da juventude opositora do regime cívico-militar. Na Câmara Municipal, Mário Araujo, juntamente com João Fernandes e Lindacy Medeiros, ex-integrante do Sindicato dos Bancários, tornaram-se vetores desta luta, constituindo um polo progressista no parlamento mirim.

  

Á época, nosso velho e querido companheiro Raimundo Santos, enquanto insistíamos em fazer  distinções estéreis entre setores atrasados e avançados, colocou a bola no chão.  Apontou o fracionismo e a pulverização de uma esquerda que se mostrava impotente para oferecer respostas abrangentes para os desafios  daquela conjuntura. Seu vislumbre sobre as limitações da atividade política foi notável. Emblemática a sua imagem da sociedade civil campinense como reprodução ampliada do  calçadão da Venâncio Neiva. Naquele ambiente limitado e complexo  estavam concentradas pulsões e potencialidades da política local. Esta realidade não podia ser desprezada. Diante dela, o arrojo de discursos tornava-se manifestação sem ressonância, diante da sua paralisia.  Portanto, impunha-se uma reflexão. Se acelerávamos o carro, não poderíamos deixar os freios distantes dos pés.   

 

Foi preciso serenamente questionar o discurso cáustico, pretensamente radical, porém estéril, que em nada contribuia para agregar forças sociais. Acarretava apenas o esvaziamento da ação política e a abertura de campo para a instrumentalização de entidades sindicais, a exemplo do ocorre atualmente.

 

Enquanto se abriam novas frentes políticas, desenhavam-se também cisões.

 

Na sociedade e na universidade surgia um proletariado de colarinho branco. Em entidades  corporativas e oposições fantasmas, vocifereava contra tudo e todos, que não estivessem alinhados com suas concepções. Sem propor alternativas viáveis, nem  renunciar ao  diletantismo político, tampouco abria mão de facilidades proporcionadas pela atividade improdutiva e pela militância nula.

 

Pois bem, Raimundo nos alertou para a necessidade do trânsito e da iinterlocução com segmentos que estvam à margem ou viam com desconfiança a atividade política, sendo por isto desqualificados pelo emergente proletariado de colarinho branco. 

 

Em jogo havia diferentes concepções e pontos de vista políticos, porém tinhamos claro que nossas divergencias não deveriam impedir a transposição de obstáculos à ampliação e fortalecimento do campo democrático. Não deveriam impedir a rejeição ao golpismo e aos retrocessos possíveis em todos campos da vida social.

 

Em Campina Grande, na sociedade e na universidade, novos alinhamentos se formavam. Recompunham forças conservadoras. Oportunisticamente desvencilhavam-se de seu histórico autoritário. Atualizavam seu discurso e adotavam nova postura favorável à maré montante da democratização, a qual se mostraram refratárias no passado.

 

Fazia-se necessário manter e aprofundar compromissos sociais e democráticos capazes de barrar a escalada de forças conservadoras com nova roupagem.

 

Aí, Mario Araujo desempenhou papel preponderante.  Graças a sua capacidade de diálogo compos amplo espectro de forças democráticas no âmbito municipal. Contribuiu positivamente para frear a ofensiva conservadora e inibir sua truculência, exercitada por seus auxiliares diretos instalados em gabinetes de governo e em esquadrões da morte.

 

Tivemos diferenças, no tocante à visão do desempenho do MDB, frente política à qual Mario Araujo sempre esteve vinculado. Estas diferenças, tornadas públicas, cresceram com o processo de formação do PT. Com os rumos das campanhas políticas, particularmente no tocante ao papel de Tancredo Neves, à época mentor de cisão no PMDB ( “o partido de Arraes, não é o meu partido” ), criador do Partido Popular- PP. Homem de confiança de setores do regime militar foi paulatinamente alçado à condição de candidato confiável e preferencial daqueles que pretendiam a transição sob controle conservador.

 

Agraciado com honrarias, entre as quais a medalha do Pacificador, concedida pela cúpula do regime militar, Tancredo tornou-se o ponto de convergência de oligarquias reacionárias, de liberais de última hora e de setores progressistas, que se alinharam no Movimento Muda Brasil. Consolidou o pacto de elites que institucionalizou medidas excepcionais do regime militar.

 

Por que enfatizar estes aspectos menores da nossa atuação política? Simples, para destacar que apesar destas diferenças Mario Araujo sempre se fez presente nas lutas democráticas deste período. Apesar de eventuais discordâncias, sempre estivemos no mesmo campo.

 

Em todas manifestações públicas em prol da democracia e dos direitos humanos, Mario Araujo se fez presente representando seu partido.

 

Mario Araujo teve grande importância na política campinense. Pela sua capacidade de interlocução, fazia-se ouvir por várias forças políticas, tendo êxito em gestões e mediações muito difíceis. Ao seu modo, contribuiu para deslocar o centro de gravidade da política campinense. Reduzindo a ênfase em questões provincianas e interesses menores, para dirigir seu foco para a grande política. Esta, aliás, também foi a meta de companheiros que procuraram renovar o PMDB, ao criar o PSDB.

 

 Sob este prisma, Mario Araujo canalizou forças para promover um salto de qualidade na intervenção política municipal e apontar diretrizes para a provisãop de políticas de  interesse público.

 

Como marxista, queremos dar nosso testemunho e render  homenagem ao Seu Mário. Sensibilizamo-nos com a Missa de trigésimo dia rezada em  seu nome de Seu Mário.  Uma passagem foi marcante. Na sua remissão a Mario Araujo,  o padre falou de sua vida simples. Sintético, nos disse, foi um homem público.

 

 Quando a atividade política se exaure como fonte de corrupção e se torna celeiro de ambições e interesses privados,  esta sintese é preciosa. Seu Mario foi um homem público. Sem dúvida causa orgulho a seus afamiliares, amigos e companheiros desta nossa viagem efêmera.

 

Na vida há muitos caminhos. Por direções diferentes, as vezes, levam-nos a um  mesmo lugar. Para quem trilha o bom caminho, não importa a poeira colada no corpo. O que vale é o perfume do vento que continuamente embalsama nossa memória.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.

 


Data: 08/06/2015