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Artigo - A reforma política que não precisamos

Wagner Braga Batista*

 

A Câmara e o Senado estão promovendo uma reforma política.

 

Não aquela pretendida pelas massivas mobilizações de rua de junho de 2013. Na verdade, trata-se de uma reforma coméstica, que em linhas gerais ao ditado francês: É preciso revolver o feno para enganar os bezerros.

 

Barra o avanço da democracia, investe contra conquistas sociais e sedimenta o atraso político. É bom que se diga, seu debate não está restrito ao pacote herdado das discussões realizadas em 2014, nem tampouco ao relatório da Comissão Especial formada na Câmara, desqualificado pelo seu presidente e sequer votado pelos seus integrantes.

 

É um processo que está em curso e se viabiliza por uma série de iniciativas e projetos de lei convergentes. Ao invés de aprimorar a democracia e consolidar direitos sociais, tem como escopo sacramentar o retrocesso político.

 

Esta reforma mais do que extender, concentrará e cristalizará poderes, assegurando espaços  quase vitalícios para caciques, pajés e maloqueiros, instalados na Câmara e no Senado. São estes personagens que, hoje, protagonizam e dominam o cenário político. Constituem parcela expressiva de agentes diretos de interesses restritos, financiados por grandes empresas. Impunemente, agridem a ética, a consciência pública e  direitos civis no Brasil.

 

Esta parcela do parlamento, é contrária ao projeto defendido por centenas de entidades de representação, porque restringe suas prerrogativas. Porque faculta a participação popular, reduz poder de suas representações indiretas e concita democracia de maior intensidade na reforma política. Entre outros aspectos, denuncia efeitos do financiamento de empresas privadas nas eleições, o papel de partidos de aluguel, de agentes de representação de interesses escusos nos governos e no legislativo, que contribuem para o fomento da corrupção.

 

Porém, esta parcela beneficiária do financiamento privado e da degradação da atividade parlamentar não declinará de seus interesses e prerrogativas. Em conformidade, com suas ambições restritivas, à margem de fortes pressões sociais, legislará em causa própria. Podem se dizer representantes indiretos de 122 milhões de eleitores, apesar de eleitos fundamentalmente pelos votos de empresas privadas, materializados na destinação de volume de recursos inestimáveis para suas campanhas. O caixa dois e a compra de votos ainda são os principais cabos eleitorais no Brasil. É significativo que o custo médio da eleição de cada deputado federal chegou a 6,4 milhões de reais. Daí a explicação para a atual composição da Câmara. Dos 513 deputados que a compõem, 315 se incluem nas 500 campanhas que obtiveram maior financiamento de empresas privadas.

 

Esta parcela prestimosa do parlamento está ciente da sua tarefa. Qual seja, compatibilizar  interesses anuindo a duas vocações Terá que dizer sim a dois senhores. Aos que pagaram suas campanhas a peso de ouro e aos que mantém laços de fidelidade, desde que resguardados  interesses restritos indeclináveis. Interesses  disfarçados na fé, que instrumentaliza o próximo, na defesa da cidadania mantida à bala, na defesa do futebol, que esconde a podridão de suas entranhas, na sustentabilidade do agronegócio, na desregulamentação de direitos sociais em nome da modernização da economia, no ajuste fiscal, que viabiliza garantias de lucro para o capital financeiro, na presunção de austeridade que confere privilégios indescrítíveis a estes parlamentares, só existentes em nosso país.

 

Pois, o parlamento converteu-se na bola da vez.

 

Nos últimos anos, a atuação parlamentar tornou-se proeminente. Alguns analistas atribuem a avanços da democracia indireta, que conferiram maior relevância ao desempenho parlamentar. Arriscamo-nos a indicar outros fatores, entre os quais a crescente sintonia da ação legislativa com interesses obscuros, que ganharam visibilidade e se tornaram preponderantes graças à intensa, contínua e sistemática verberação da midia oligopolizada.

 

O consenso forjado favoreceu a consolidação e preponderância destes interesses que foram canalizados para o parlamento. Devidamente representados em seus foruns ganharam precedencia diante de temáticas mais relevantes para a sociedade. Deste modo, o debate sobre questões e direitos sociais foi deslocado para segundo plano dando espaço a projetos que contemplam interesses de grandes grupos economicos formulados à luz do hegemônico receituário liberal.

 

É emblemático o debate sobre ajuste fiscal. Confere precedência à regulação da economia de mercado, ao pagamento da dívida pública e à saúde de agências financeiras, ignorando a sorte de milhões de brasileiros que serão atingidos direta ou indiretamente por seus efeitos somíticos e deletérios, graças ao achatamento salarial, ao desemprego, ao agravamento da prestação de serviços públicos, à deterioração da vida social na cidade e no campo, à falência de políticas sociais, entre as quais, uma tão frequentemente invocada pelos mentores deste retrocesso, a segurança pública.

 

Mas voltemos ao assunto: a proeminência do protagonismo parlamentar.

 

O que observamos? Grandes empresas ao invés de pagar lobbistas para viabilizar seus interesses, atualmente eliminam intermediários e custos de caixa. Transformam parlamentares em paladinos, em fervorosos adeptos de seus interesses. Quiça em gerentes de seu negócios. Com isto, obtém redução de despesas e ganhos de escala, uma vez que estes negócios não estão mais orbitando, estão legitimamente representandos dentro do parlamento.

 

Estes grandes grupos economicos excluiram os lobbistas, aboliram a terceirização em suas estratégias de dissuasão e convencimento, porém não declinaram de seu emprego em outras áreas de intervenção. Reconhecem sua ineficácia na gestão de seus negócios, porém exaltam suas virtaulidades quando transferem seus efeitos para outrem. Ou seja, a incrementam no campo das relações de produção, desregulamentando direitos trabalhistas e submetendo trabalhados à falta de garantias no trabalho.

 

Por intermédio de bancadas artificiais e informais, transcedem partidos políticos. Foram montadas e são custeadas pelo financiamento de grandes empresas pribvadas. Das várias indústrias instaladas no parlamento. Deste modo, conseguem que seus interesses escusos prevaleçam sobre inalienáveis direitos sociais.

 

Assim temos, a  indústria armamentista que infunde insegurança  para defender a pena de morte, a criminalização de menores, bem como a venda e o porte de armas de fogo. A indústria do esporte e do entrenetimento que controla megaeventos produzidos em parceria com o poder público, que representa interesses dos veiculos de comunicação que os monopolizam, investindo em estratégias de manipulação que emulam e reverter expectativas, que asseguraram altos lucros por meio do maarketing esportivo produtor de bens superfluos e descartaváveis, que investe em relações contratuais fraudulentas, empregadas para sonegação, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. O agronegócio que se apropria ilegalmente de terras, expulsa trabalhadores rurais, incrementa reelações de trabalho abusivas, contamina o solo, usa componentes cancerígenos na produção de alimentos, entre outros malefícios. A industria da fé que explora a crença de fiéis como instrumento de manipulação política e de formação de grandes conglomerados econômicos valendo-se de concessões de veiculos de comunicação, comercialização de franquias de igrejas, benefícios fiscais, entre outros procedimentos lesivos.

 

Estas indústrias e suas representações parlamentares, distribuídas em diversos partidos, constituem a linha de frente na ofensiva contra direitos sociais. Por meio de alibis e ardis, consorciam interesses menores divergentes para desregulamentar conquistas democráticas e trabalhistas. Nesta escalada, investem contra qualquer projeto que configure um obstáculo ao desmonte de políticas públicas e de estatutos que ofereçam suporte a direitos sociais.

 

À margem da participação social, financiada por grandes grupos econômicos e convalidada pelos seus representantes no parlamento, ousamos dizer, não é esta a refoma política postulada pelas ruas.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 27/05/2015