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Artigo - Nossos direitos ameaçados

Wagner Braga Batista*

 

Jornais de BH informam que serão retirados 1800 indigentes das ruas do centro da capital. Pretende-se capacitá-los e os introduzir no mercado de trabalho. Boa intenção. Porém, é bom que se diga: de bem intencionados o inferno está cheio.

 

Diariamente, saímos para caminhar no final da madrugada. Para fugir de íngremes ladeiras, percorremos o antigo viaduto Santa Terezinha. Caminhar sobre superfície plana é menos árduo, mas o cenário que a cidade nos apresenta não é. No despontar do dia, lado a lado com hostes de moradores de rua, damo-nos conta que ajustes sociais, fiscais e judiciais passam ao largo. Pouco ou nada influem na vida desta gente que tenta vencer os rigores da vida. Desta gente que procede de abrigos, que se esconde em locais ermos e fétidos, quando sistematicamente enxotada das portas de edificios e lojas.

 

Sob marquizes, estes segregados, escapam da chuva. Porém não enganam o frio, nem tampouco os perversos efeitos da exclusão social, da precarização do trabalho e do processo de terceirizações que, segundo nos dizem, modernizará a economia.

 

Desculpem-nos, talvez este não seja um tema acadêmico, como requerem alguns colegas. Vê-lo no boletim eletrônico da UFCG que destaca tão honrosos e assépticos feitos, possivelmente cause mal estar.

 

Afinal é um tema que não desperta atenção da comunidade acadêmica. Nada dissem ao empreendedorismo, aos programas de curso, a planos de aula, a currículos vetustos, a linhas de ensino, pesquisa e extensão voltadas ao mundo dos negócios.

 

No entanto, este problema deveria nos afligir, posto que nos atinge duramente. Penetrou fundo as entranhas da universidade. Sem cerimônia, pulou a cerca, invadiu os portões, penetrou em salas de aula e, de forma silenciosa,  também se abriga em prédios construídos recentemente com recursos do REUNI.

 

Esta paradoxal convivência da miséria, do trabalho precário e da terceirização, no entanto, parece-nos, não preocupa muita gente. Como se diz à boca pequena: Não me atinge, não me  afeta. Sob este prisma, não integra o menu de cases de sucesso objetos de estudo.

 

Pois bem, de longe, temos a sensação que as hostes de indigentes do viaduto Santa Terezinha, de BH, invade a UFCG. Como os cães e gatos abandonados, transitam pelos estacionamentos, vagam pelas poucas áreas de convivência e integram relações degradantes, que compõem nosso dia a dia.

Contudo, em atitude de absoluta indiferença, a universidade vem fechando os olhos para o que se passa ao seu  redor e no seu interior.

 

Esta postura avessa à identificação e ao tratamento adequado de problemas sociais, francamente regressiva, contraria manifestações públicas, pano de fundo do processo de democratização das IES encetado nas últimas décadas.

 

À época, dizia-se que a universidade deveria estar em permanente em sintonia com a sociedade, empenhada em democrátizá-la e contribuir para a melhoria das condições de vida da população.

 

Reiterava-se o escopo de integrar a universidade à vida social. Daí a consigna : Ensino público e gratuito, direito de todos dever do Estado, que pautou campanhas memoráveis.

 

O discurso agora é outro. Mascara a privatização no atacado e varejo, que marca ações subliminares mesmo de administrações e docentes que professam a educação pública.

 

Apesar de significativos projetos de extensão, a universidade pública brasileira cada vez mais se inclina para o mercado. Depois da apologia das virtualidades das relações mercantis, verifica-se, agora, práticas que a consumam. Que contraditam a educação propedêutica e a função social da universidade pública, apregoadas. Grande parte de iniciativas legitimam-se e se exaurem visando atender interesses restritos, próprios da economia de mercado.

 

Mas, afinal o que é o mercado? Mitificado como dominio pleno, que tudo alcança e perfaz todas as relações humanas, é apenas uma parte da vida social. Trata-se de uma esfera da existência que não abrange a totalidade da vida social. Histórica e contemporâneamente refere-se apenas a relações típicas da economia de mercado, cuja existência, pode-se dizer, é datada.

 

Comunidades, ainda subsistem à margem de relações mercantis e inúmeras relações sociais independem da compra e venda. Nem todas relações humanas estão circunscritas à compra e venda, a exemplo de relações familiares e afetivas.

 

Portanto, há relações sociais que antecedem e transcendem as leis do mercado.

 

Pois bem, se a universidade se voltasse para seus marcos, seus objetivos e metas trataria de forma mais criteriosa esta mitologia e os negócios que se disseminam no espaço público. Se olhasse para seu próprio umbigo, observaria problemas internos que se agravam por conta de suas omissões. Problemas graves enfrentados por servidores docentes, técnico administrativos, estudantes, o enorme contingente de terceirizados e de trabalhadores diversos responsáveis, temporariamente, pela sua expansão.

 

A universidade fecha os olhos para diferentes modadidades de trabalho precário, terceirizado e prestado por empreiteiras que não estão sob seu controle. É preciso que estejamos todos atentos ao que ocorre dentro e fora da instituição postoq eu estas relações de trabalho degradantes agridem nossa consciência, depõem contra nosso ideário e ameaçam direitos duramente conquistados por servidores docentes, técnico-administrativos e estudantes de universidades públicas.

 

Ao invés de desregulamentados e degradados, estes direitos indispensáveis à sobrevivência da universidade pública devem ser democraticamente consolidados e extendidos à toda sociedade.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

**As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 20/05/2015