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Artigo - De que terceirização estamos falando?

Wagner Braga Batista*

 

No Brasil vivemos uma situação paradoxal.

 

Alardeia-se uma crise sem precedentes. Nesta crise, uns se refestelam. Outros, a grande maioria da população, sente-se ameaçada por não ter o que comer.

 

Como em todas as crises, as camadas sociais menos favorecidas pelos poderes públicos são as mais duramente atingidas. Os poucos recursos que dispõem não lhes permitem fazer frente ao agravamento das condições de vida.

 

Não seria temerário afirmar que as recentes políticas sociais no país minimizaram a pobreza, porém também aprofundaram desigualdades. Os lucros do sistema financeiro evoluiram nos governos Lula e cresceram ainda mais no governo Dilma.

 

Apesar da crise, a performance de financistas e sonegadores fiscais  é assombrosa. Isto porquê rentistas aproveitam-se do aprofundamento das carências sociais para especular e ganhar com a miséria alheia. Como verdadeiros agiotas exploram as dificuldades para obter ganhos sem limites. Não é a toa que os bancos ITAU e BRADESCO, enquanto o país mergulhava em processo recessivo apresentavam elevados superavits. A economia nacional está paralisada, porém lucros destas agências financeiras são astronomicos. Cresceram mais de 20% em 2014. O SANTANDER, que advertiu seus correntistas e acionistas sobre o risco de um novo governo Dilma, também se inclue neste rol de afortunados. Ganham com especulação e sonegação fiscal.

 

Neste contexto, ganha quem corrompe, sonega e subtrai direitos. Perde quem vê suas conquistas sociais descerem pelos ralos da pequena política e da economia especulativa.

 

A proêminencia de grandes grupos financeiros é notória. Avultou com a apropriação de  setores dinâmicos da economia brasileira durante o processo de privatizações desencadeado nos governos FHC. O desmonte da economia brasileira, acompanhado da desvalorização forjada de estatais do porte da Vale do Rio Doce, da Companhia Siderúrgica Nacional e de empresas destinadas à provisão de serviços públicos, permitiu que grandes grupos financeiros se apossassem de alguns de seus setores estratégicos a preço de bananas.

 

A hegemonia do capital financeiro não foi alcançada apenas pelo processo de transferência de recursos públicos estratégicos para grandes grupos rentistas. Implicou também na eliminação de barreiras e resistências que travavam o crescente processo de espoliação em escala mundial.

 

Deste modo, o mundo do trabalho foi alvo de estratégias dissuasórias que visaram remover obstáculos ao processo de reestruturação produtiva. Inicialmente, colocando em questão a centralidade do trabalho frente à emergência de novas tecnologias da informação, da cibernética, da inteligência artificial e das virtualidades do capital intelectual.

 

Faziam-nos crer que este fabuloso mundo novo, destituído de base material, modelado pela produção intelectual e acionado pelos impulsos virtuais da nova economia, dispensava o trabalho braçal.

Sugeriam-nos um mundo afeito às realizações do capital desvencilhado de base material.  Um mundo virtual onde o fetiche, a especulação e a operosidade do capital dissemina-se de modo viral. Ou seja, este é o mundo desenhado pelo e para o capital financeiro, diga-se especulativo

 

No Brasil este mundo foi desenhado à luz de parâmetros políticos e economicos ultra-liberais, contudo diversamente do que supõe seus articulistas, divorciados da realidade, há um hiato entre a imaginação e a vida real: a vida social. Diga-se entre as suas intensões e os fatos.

 

Prém, esta empreitada está em curso. Pari passu à escalada de privatizações engendradas por financistas, cevada com intensa corrupção, remessa de recursos para paraísos fiscais e sonegação de impostos, desenvolveu-se processo de desmantelamento de políticas públicas que  enfrentou  sérias resistências. Afinal estavam em jogo direitos  sociais logrados desde a década de 1940.

 

Neste embate, apelava-se à eficiência economica e administrativa, propalava-se o fim de barreiras legais, protecionistas, a minimização do Estado e a sistemática desregulamentação de direitos sociais. Em paralelo à expropriação do aparelho por grupos financeiros internacionais desqualificava-se e se eliminava toda e qualquer resistência a supressão de direitos sociais.

 

Afirmava-se, então, que estes direitos seriam logrados na esfera do mercado. Aludia-se à democratização do acesso por meio do consumo para transformar direitos sociais em mercadorias. Em bens obtidos à margem da intervenção do Estado, fora da esfera pública, por meio do poder de compra de cada consumidor. Os cartões de crédito tornaram-se as carteiras de identidade de novos cidadãos que transitavam pelo e-commerce, por vitrines virtuais e gondolas de supermercados. Estavam à busca de direitos sonegados pela restauração liberal e anunciados como investimentos pela economia mercado. Deste modo, a  comercialização e a banalização dos direitos favoreceu a promiscua expansão do ensino privado e de redes responsáveis pelas fraudes praticadas pelos planos de saúde.

 

Sob o regime de financeirização da economia, a desregulamentação, a supressão e a banalização de direitos sociais espalham-se por todas esferas da vida social. Alcançaram também o mundo do trabalho.

 

Ou seja, a financeirização da economia, a privatização do patrimônio público, as estratégias dissuasórias, implementadas por empresas de comunicação, e a desregulamentação de direitos sociais são faces de um mesmo poliedro. Emulado por dinâmica assimétrica, gira e se assenta em polpudos lucros de rentistas a par da perda de direitos trabalhistas e do agravamento das condições de vida da maior parte da nossa população.

 

E na universidade?

 

É conveniente refrescar a memória de nossos caros colegas professores, técnico-administrativos e estudantes. Durante os governos FHC o corpo docente não se renovou nas instituições federais de ensino superior. Não só houve redução de contingente, como também a degradação de condições de trabalho. Para suprir emergências criou-se um verdadeiro camelódromo docente. Abrigava professores substitutos, muitos recém egressos da graduação, com contratos temporários, sob precário regime de trabalho e destituídos de direitos elementares previstos na  carreira docente.

 

Em menos de uma década, algumas unidades acadêmicas da UFPB e da UFCG chegaram a ter 80 % do corpo docente nesta condição.

 

Os serviços técnicos administrativos também foram duramente atingidos. Submetidos a regras  piores por meio da eliminação de funções e a criação de mecanismos que permitiram o sistemático butim do salário de terceirizados praticados, muitas vezes, por testas de ferro de empresários que se especializaram nesta falcatrua. Contrados não são honrados, terceirizados são frequentemente lesados e tudo fica como dantes no quartel de Abrantes.

 

Ou seja, a terceirização transformou-se na mola mestra do desmonte das IFES, das investidas contra a carreira docente, contra a isonomia, da desfiguração do serviço público, da supressão de direitos sociais, entre outras mazelas.

 

Esta estratégia, desqualificava os interlocutores contrários à privatização intestina, ao produtivismo, aos balcões de negócios instalados em unidades acadêmicas e ao empreendedorismo, que legitimou a digressão de instituições de ensino. Facultou que o descompromisso com a educação, fosse exaltado graças à primazia que professores conferiam a seus interesses restritos, favorecendo o absentéismo com a tolerância de seus chefes imediatos,  o desprezo crescente pelas atividades pedagógicas e o desrespeito a estudantes.

 

A título de extender direitos, este projeto de lei que propõe regulamentar as terceirizações institui e legitima a promiscuidade nas relações de trabalho. Fragiliza relações contratuais, desonerando empresas, eliminando encargos trabalhistas e desregulamentando direitos inalienáveis de quem trabalha.

 

Este quadro não está distante de nossa realidade. Salta a olhos vistos no dia a dia da universidade. Incide em relações de trabalho que se disseminam em instituições públicas de ensino, que ferem nossa consciência de educadores. Legitima relações que submetem este enorme contingente de terceirizados a obrigações e tarefas penosas, em condições de trabalho insalubres, com remuneração pífia, praticamente, sem direito algum. São homens e mulheres à mercê de atrasos de salários injustificáveis, provocados pelos pelo desvio e  apropriação do repasse de verbas públicas para empresas inidôneas. É isto que este projeto de lei está instituindo. Um atalho legal que permite extender paulatinamente esta situação aviltante para todos os empregos formalizados. Impondo, a exemplo do que foi o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- FGTS, por meio da adesão compulsória. Diga-se este ardil que pôs fim à estabilidade no emprego agora, ainda de forma compulsória, se tornará uma espada de Dâmocles. Uma contínua ameaça de demissão e do desemprego.

 

Este projeto de lei tende a ser coercitivo, além de desregulamentar relações de trabalho, elimina direitos trabalhistas, institui e consolida uma aberração. Transforma em regra a excepcionalidade que justificava o caráter emergencial deste contrato de trabalho lesivo. No atual contexto, representa um grave retrocesso nas relações de trabalho na universidade e em todos setores de atividade em nosso país.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

**As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 13/04/2015