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Artigo - Cronicamente inviável

Benedito Antonio Luciano*

 

Dirigido pelo cineasta brasileiro Sérgio Bianchi, o filme intitulado “Cronicamente inviável” é um caleidoscópio sobre as relações sociais no Brasil.

 

Sem se prender a uma narrativa linear, o filme avança e retrocede tendo como ponto de convergência o restaurante de Luis, localizado na cidade de São Paulo.

 

Rodado em seis estados (Bahia, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rondônia), entre 1997 e 1998, “Cronicamente inviável”, lançado em circuito comercial em 2000, é um quase documentário, um mosaico formado por uma série de episódios autônomos, nos quais ficção e realidade se misturam.

 

Nesses episódios são enfocados temas que permeiam o Brasil real, tais como: a questão da posse da terra, preconceitos e discriminações, prostituição masculina, degradação ambiental, exploração do trabalho infantil, tráfico de órgãos, criminalidade urbana, relações de dominação e opressão, além de reflexões políticas, sociais e filosóficas.

 

A trama principal do filme é composta por seis personagens. Luis, o dono restaurante, interpretado por Cecil Thiré, é um homem refinado e irônico que acredita na civilidade e boas maneiras como formas de resolver os problemas do cotidiano. A personagem Amanda, a requintada gerente do restaurante, é interpretada por Dira Paes. Adam, interpretado por Dan Stulbach, é um sulista descendente de poloneses que vem para São Paulo trabalhar de garçom no restaurante de Luis. Maria Alice, interpretada por Betty Goffman, é uma mulher de classe média alta que vive fazendo discursos contra as injustiças sociais e convivendo com suas contradições e hipocrisias. O marido de Maria Alice, Carlos, interpretado por Daniel Dantas, é um economista cuja conduta é marcada pelo pragmatismo. Alfredo, interpretado por Umberto Magnani, é um pesquisador que viaja o Brasil, procurando compreender as relações sociais e a degradação ambiental.

 

Sem fazer concessões ao maniqueísmo doutrinário ideológico, em “Cronicamente inviável”, Sérgio Bianchi apresenta as contradições de um Brasil multifacetado, multiétnico e hipócrita. Para tanto, foi utilizada uma linguagem cinematográfica bem conduzida, provocando inquietude no telespectador, convidando-o à reflexão sobre a sua cota de participação na manutenção deste estado de coisas.

 

Para ilustrar uma dessas contradições, cito uma das falas do personagem Luis: “Contradição social é uma mera questão de estilo de vida. Se não é possível resolvermos os problemas que latejam à nossa frente, porque não aproveitá-los a nosso favor? Quem sabe atraindo turistas para desfrutar das belezas naturais e da prostituição? Ou ainda, montando e gerenciando um grupo musical formado por ex-menores de rua para faturar dinheiro se apresentando no exterior?”

 

No filme, todas as regiões do Brasil estão representadas: o Nordeste pela cidade de Salvador, com o carnaval de rua e as praias; o Sul com algumas tomadas enfocando o tipo de vegetação e a influência européia na arquitetura e os imigrantes, representado pelo personagem Adam; o Sudeste pelas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo; o Centro-Oeste pelo estado do Mato Grosso de onde seria originária a personagem Amanda (“descendente de índio, negro, branco e todos os derivados”, conforme uma das falas apresentadas no filme); e a região Norte pela cidade de Porto Velho e pelo garimpo Bom Futuro.

 

Com duração de uma hora e quarenta e um minutos, a narrativa tensa de “Cronicamente inviável” vai enredando o telespectador e preparando-o para um final surpreendente. Eis, pois, um filme que vale a pena ser visto e discutido.

 

* Benedito Antonio Luciano é professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG

 

**As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 06/04/2015