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Artigo - A importância do uso da estatística para a ação policial

José Maria Nóbrega Jr.*

 

Passados trinta anos da redemocratização brasileira, alguns entulhos autoritários permanecem na estrutura do estado brasileiro. Um exemplo claro disso, é o militarismo ainda reinante na segurança pública brasileira. Este entulho atrapalha o gerenciamento da segurança brasileira, em especial em seus estados mais críticos do ponto de vista da violência. Contudo, estados do sudeste, que tem a mesma estrutura de seu aparato policial, conseguiram arrefecer a violência e a criminalidade de uma forma geral com o uso de técnicas de inteligência policial advindas da melhor ciência policial internacional. São Paulo pode ser colocado como o estado precursor neste tipo de expediente, onde o uso da estatística criminal passou a ser a principal ferramenta do gestor policial para a eficaz contenção da violência criminal. É neste sentido que venho debater a temática da estatística criminal na segurança pública brasileira, dentro de um aparato teórico/empírico que seja crível e usável pela atual estrutura policial brasileira.

 

O paradigma da segurança pública mudou nos últimos dez anos, nele a adoção de tecnologias da informação e a utilização de métodos de avaliação de desempenho passaram a ser ferramentas imprescindíveis para a gestão eficiente dessa área de governo. Esse paradigma passou a influenciar os padrões organizacionais das instituições policiais, inclusive das Polícias Militares. A estatística criminal passou, dessa forma, a ser ingrediente obrigatório para as polícias e seus entes administrativos e operacionais.

 

O policiamento contemporâneo precisa prevenir e reprimir o crime/violência ao mesmo tempo. A dissuasão policial é defendida por especialistas internacionais desde a década de setenta do século passado. Para o sucesso dessa dissuasão, é necessário um policiamento orientado para a resolução de problemas específicos, norteado por inteligência e proximidade com a comunidade em questão. Para o sucesso do policiamento inteligente, a estatística aparece como condutora das tarefas e a escolha dos locais mais críticos para a implantação coerente de um projeto de segurança pública voltado para resultados.

 

Esses resultados precisam ter como base lastreadora  o estado de direito democrático. Não adianta a utilização de técnicas científicas avançadas se a polícia não entende o próprio estado em que vive. Por isso, resquícios ou entulhos autoritários em sua ossatura podem prejudicar o bom andamento da gestão pública da segurança. Órgãos fiscalizadores das condutas dos policiais devem estar sempre atentos e, também, devem adotar técnicas administrativas de gestão e estatística em seus aparatos burocráticos.

 

O modelo mais utilizado para o norteamento das políticas públicas de segurança tem como base teórica o trabalho seminal de Wilson e Kelling (1982) Broken Windows, ou Teoria das Janelas Quebradas, onde o crime seria o resultado de uma série de incivilidades que o antecipariam. Dessa forma, controlar o comportamento desviante de potenciais criminosos estaria na raiz do problema da violência e do crime. Este controle só poderia ser executado com base na mais avançada ciência policial.

 

A estatística criminal aparece nessa estrutura como ponto nevrálgico. Primeiro, a Broken Windows tem como estrutura o policiamento a pequenos crimes e incivilidades, aí, frequentemente, se inclui o uso de trabalho de inteligência no policiamento de pessoas. Este policiamento é baseado em informações que dependem de uma gerência efetiva e eficaz em estatística, daí a necessidade de se construir verdadeiras estruturas de informação, com bancos de dados sofisticados e pessoal altamente qualificado para o manuseio dessas informações e o uso adequado delas para a construção do conhecimento real da situação da segurança pública local, regional e nacional. Este policiamento baseado em informações usa ciência, pesquisa e tecnologia para concentrar recursos em áreas “quentes”, horas “quentes” e criminosos selecionados, o que depende para a sua ação de um banco de dados com aquelas qualificações.

 

Em segundo lugar, este policiamento inteligente tem a polícia orientada para problemas reais visando à resolução de problemas específicos daquela comunidade. Daí, e em terceiro lugar, a necessidade de formação de policiais para o Policiamento Comunitário que, teoricamente, é o policiamento que forma parcerias entre a comunidade e a polícia. Esta política aumenta o fluxo de informações nos dois sentidos e a prestação de serviços extrapoliciais pela polícia, reforçando a confiança da comunidade na polícia e aumentado o Capital Social entre as duas partes.

 

Por fim, a “tolerância zero” para qualquer tipo de crime, pois o trabalho de antecipação direcionado pela prevenção tende a diminuir o confronto entre a polícia e os delinquentes/criminosos por questão do planejamento antecipado baseado em inteligência e estatística do mais alto nível.

 

Sabemos que, de uma forma geral, a nossa estrutura policial ainda se apresenta distante desse modelo de gestão e, também, a falta de conhecimento de muitos pseudo-especialistas tende a atrapalhar o trabalho do bom policiamento. Contudo, a estatística criminal e o trabalho baseado na boa ciência policial devem ser aplicados, mesmo numa estrutura ainda arcaica de nosso aparato policial, para que tenhamos resultados mais satisfatórios no controle social e democrático do crime e da violência.

 

* José Maria Nóbrega Jr. é cientista político, professor da UFCG e coordenador do NEVU (Núcleo de estudos da Violência da UFCG).

 

**As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 19/02/2015