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Artigo - Ainda bem!

Hiran de Melo

 

Passei a minha adolescência ouvindo um mantra de que o Brasil no futebol era invencível, era bicampeão do mundo, mas que o futebol era coisa de malandro. Deste modo, embora a seleção fosse gloriosa, nenhum amigo de infância foi ser jogador profissional de futebol. Jogar futebol, só em campo de peladas e como uma brincadeira. Além disso, as meninas eram estimuladas a manter distância desta categoria de artistas. E a gente queria, por demais, está perto das meninas.

 

De fato eu só tive conhecimento do futebol que se praticava no Brasil, e no mundo, durante a copa de 1970. O futebol apresentado pela seleção de 70 era mesmo maravilhoso, digno das fábulas que ouvi na infância e adolescência. Mas, os jogadores não eram os malandros tão falados. Muito pelo contrário, o Pelé era o maior atleta do século, escolhido por um júri eclético e internacional. Repare, observe, veja, escute... atleta, o maior entre todas as modalidades de esporte. Assim, o futebol não era só um jogo, como se dizia por aqui - coisa de malandro -, o futebol era um esporte. 

 

Mais tarde vi uma seleção tão maravilhosa quanto a de 1970, mas não campeã do mundo, a seleção brasileira de 1982. Em 1994 vi uma seleção medíocre, de apenas dois craques, Bebeto e Romário, apresentando um antifutebol arte, mas campeã. Então, entendi por que se diz que o futebol é um jogo. Nem sempre vence o melhor.

 

Finalmente, em 2002 vi uma seleção que mereceu ser campeã do mundo. De lá para cá, só fizemos exportar jovens valores  que, por não jogarem no Brasil, não contribuíram para o desenvolvimento do futebol arte no nosso país. O que eles praticam está mais de acordo com o futebol europeu: força, planejamento, velocidade e foco no resultado. Quando não há planejamento, os jovens jogadores "europeus" ficam perdidos, sofrem o chamado apagão do Felipão.

 

E a atual seleção da Confederação Brasileira de Futebol? Esta só conta com um jogador famoso que, por está no final de carreira, ainda joga no Brasil, o Fred. Esteve na Europa, mas quando envelheceu voltou ao Brasil.

 

Repare mais, olhe, espie: esta é a primeira seleção cuja convocação não sofreu nenhuma contestação. Eram tantos os seus jogadores desconhecidos - os "europeus" - mas, jogando em grandes clubes, que não havia o que discutir.

 

Nenhum Clube de futebol brasileiro tinha qualquer ídolo que, merecesse da parte da sua torcida, pelo menos uma manifestação exigindo a sua convocação. Nos times de futebol brasileiros não temos nenhum grande craque jogando, exceto os veteranos repatriados (que foram liberados pelos seus clubes europeus por não mais apresentarem condições de jogar ou de ser negociado por lá) e alguns estrangeiros.

 

Vou lhe dá dois exemplos: o atual grande ídolo da torcida do Palmeiras (um dos dez dentre os maiores clubes brasileiros) é um chileno, Valdivia, que esteve na reserva da seleção Chilena na atual Copa do Mundo de futebol. Jogou no máximo 30 minutos nesta competição. Ou seja, se no Palmeiras ele é imprescindível, não o é para o técnico da seleção chilena. Ah! É bom lembrar, o atual técnico da seleção brasileira treinando o Palmeiras - seu emprego anterior - o conduziu para a zona de rebaixamento do Campeonato Nacional. E, claro, foi dispensado, na tentativa da diretoria de salvar o barco furado, não teve jeito.

 

O ídolo do Vasco da Gama é um argentino, volante de nome Pablo Horacio Guiñazu, que está no fim de carreira e raramente faz um gol, etc, etc, etc.

 

A grande e maravilhosa notícia que lhe comunico é que o Brasil já não é mais o país de futebol, samba e carnaval. Estamos em transição, de modo que a vitória da competência derivada do trabalho planejado apresentado pela seleção alemã não foi tão ruim quanto um estrangeiro possa imaginar. Não há aqui uma comoção nacional, como alguns poderiam crê.

 

Que bom! Já estava na hora do malandro dar lugar ao trabalhador, isto no imaginário nacional. Na prática, isto já vem acontecendo e há muito tempo. Desde a minha adolescência, observo.

 

A imprensa futebolística fala muito em um Mar de Lágrimas ocorrido em 1950 no Maracanã. Francamente, fora da imprensa, nunca vi ou ouvi um popular comentar. Em 1950, o Brasil não era a "pátria do futebol", era o país do café. De lá para cá, o que fizemos foi industrializar o país. Hoje exportamos, além de café e jogador, tantas coisas que não tenho como apresentar uma lista completa.

 

Sim! Os jogadores exportados não são mais formados no futebol de peladas, mas em escolinhas de futebol, em que os pais matriculam os seus filhos e, em geral, pagando mensalidades. E alguns, ou talvez a maioria, por serem muitos jovens são exportados sem antes ter jogado em qualquer grande clube nacional, a exemplo de Huck.

 

Os que assistem a uma partida de futebol hoje pela televisão,  e mesmo muitos que vão aos estádios, esperam ver do seu time de predileção uma apresentação que seja digna de ser considerada, diversão e arte.  E, claro, com uma forte determinação de vencer, de ter êxito. Aliás, como toda apresentação artística, se for bem executada, será ovacionada. Se não, será criticada. O torcedor de hoje continua sendo fã, mas não é bobo.

 

Não existem mais Deuses do Futebol, e nem mais se engole todas as tolices feitas pelo treinador da seleção, como queria o Zagallo. E ninguém vai para o inferno se não gostar do que ele faz, como quer o Luiz Felipe Scolari - apenas a seleção que ele dirige foi humilhada em função das escolhas que ele fez. 

 

Por fim: a Maçonaria entre nós tem contribuído muito para mudança de mentalidade, aumento da consciência, redução da alienação... difundindo a Lenda do Mestre Maçom Hiram, na qual se apresenta um paradigma de uma sociedade justa e perfeita, baseada no mérito e não na malandragem - o famoso jeitinho de governar do PT e aliados. A famosa malandragem brasileira, é verdade, ainda sobrevive. Todavia, no campo político. Já no campo de futebol, não dá mais certo. Ainda bem.

 

Hiran de Melo é professor da UFCG


Data: 16/07/2014