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ARTIGO - A Copa do I-Mundo, os negócios esportivos, o endividamento público e a violação de direitos sociais

Wagner Braga Batista*

 

O esporte converteu-se num próspero campo para obtenção de financiamento público, de forma indireta e imperceptível, para realização de investimentos privados, via de regra, de natureza especulativa.

 

Na economia de mercado, após a restauração liberal, clubes de futebol, transformados em empresas privadas, e megaeventos, capitalizados pelo marketing esportivo, a exemplo da Copa do I-Mundo, da FIFA, foram projetados e instrumentalizados para viabilizar negócios escusos.

 

Estes negócios adquirem visibilidade e legitimidade graças às paixões e emulações incontidas que despertam. Estas pulsões são acionadas como mecanismos de adesões inconscientes e inquestionáveis. São sucedidas pela pressão para viabilizar espetáculos dantescos, fora de controle social, a exemplo da transferência de recursos públicos para agentes privados, principalmente por intermédio de transações  e de campanhas publicitárias, cujos parâmetros, muitas vezes não se enquadram em análises contábeis.

 

Estima-se que a Copa do I-Mundo movimentará 3,6 milhôes de turistas, sendo que 600 mil estrangeiros, bem como 27 bilhões de reais.

 

A sociabilidade e virtualidades dos esportes transformaram-se em grandes negócios obscuros, capitalizados por empresas e catapultados por investimentos improdutivos financiados com recursos públicos.

 

Sob esta ótica, espaços destinados à realização dos esportes também são pensados como empreendimentos. Não apenas os estádios ou ambientes especificos para a prática de esportes, mas também cidades, macroregiões urbanas e quarteirões que os abrigam.  Neste enquadramento, a lógica do investimento produtivo ou especulativo prevalece sobre a perspectiva de realização de direitos sociais, ausentes no espaço urbano. A regra dominante do planejamento social e urbano é a excepcionalidade, que assegura a primazia dos negócios e a concessão de privilégios, muitas vezes realizados com aporte de recursos públicos, sobre o reconhecimento de direitos sociais.  Os mais atingidos são os segmentos mais vulneráveis da população, aqueles que estão permanentemente em condição de risco.

 

A partir da década de 1980, a emergência das políticas neoliberais acirrou este viés, assentado na brutal desregulamentação de direitos sociais, a exemplo da moradia, de serviços hospitalares, se segurança pública, de transportes coletivos, de mobilidade urbana. Estratégias de urbanização ou de revitalização urbana são utilizadas pelo poder público como alibis para a remoção de moradores e a especulação imobiliária.  Justificam ou escondem a sistemática violação de direitos sociais elementares.

 

O objetivo é atrair investimentos, movimentar capitais e fomentar a especulação desencadeada pelas forças do mercado. Investimentos indispensáveis à vida e à mobilidade urbana degeneram-se em fontes de especulação privada na economia de mercado.

 

A vigésima edição da Copa do I-Mundo, no Brasil, realiza-se, inusitadamente, em 12 cidades sedes, para disseminar, movimentar e acelerar forças especulativas. Homenageadas por  monumentos faraônicos, que celebram a transferência de verbas públicas, investimentos improdutivos, a contínua degradação ambiental, a especulação imobiliária, o congestionamento urbano, a movimentação ocasional de renda para camadas mais pobres, a subtração e a violação de direitos sociais.

 

Nesta economia anárquica, no cassino instaurado por estratégias de marketing esportivo,  a sorte é lançada para premiar os que costumeiramente pescam em águas turvas. Os que gozam de acúmulos patrimoniais ou de favorecimento de poderes públicos para surfar neste tsunami no qual, sutilmente, a privatização da economia passeia sobre  direitos sociais. Os donos deste cassino locupletam-se à custa  endividamento interno.

 

O financiamento público deste evento, negado na oportunidade em o Brasil se candidatou a sediar a Copa do I-Mundo, é evidente. Ocorre por meio de mecanismos indiretos, pouco percetíveis, aquilatáveis, que se utilizam de recursos de difícil mensuração. 

 

Deste modo, os senhores do futebol e do marketing esportivo manipulam instrumentos de captação e de transferência de recursos públicos, que viabilizam investimentos improdutivos e eespeculativos. Mais grave. Estes procedimentos, que reproduzem técnicas de dissuasão e de acumulação econômicas empregados por corporações midiáticas, são aceitos pelo senso comum, como promotores do deleite coletivo. São avalizados por diferentes segmentos da sociedade civil, por institituições, que deveriam coibir estes atos lesivos, e por várias instancias governamentais. Por Poderes Públicos, que quando não se mostram coniventes, são chantageados e se tornam reféns de pressões, que partem de diferentes setores da sociedade.

 

Beneficiada pela visibilidade, pela repercussão social destes eventos e pelo elevado volume de recursos que campanhas publicitárias mobilizam, a midia oligárquica tende a canibalizar estes espetáculos, conformando-os a sua lógica pervertida, a sua agenda e a sua pauta, objetos de barganha em negociatas com eventuais beneficiários dos impactos e desdobramentos políticos  destes fatos sociais.

 

O volume de recursos públicos, indiretamente, aplicado na realização da Copa do I-Mundo, dificilmente será mensurado no cálculo do endividamento interno.  Tampouco, direitos sociais violados ou subtraídos são contabilizados neste cálculo excludente..

 

O desperdício econômico, a expropriação de terrenos, legitimada em nome da revitalização e da mobilidade urbana, a remoção ilegal de moradores, sem que seus direitos sociais sejam reparados, não são contabilizados como violações de direitos neste jogo viciado no qual a população mais vulnerável sempre é perdedora.  Que legitima a privatização de lucros e privilégios e socialização de prejuizos em nome do ufanismo. Que transforma a euforia dos que torcem pela CBF contra si mesmos num grotesco espetáculo.

 

O espetáculo controverso e degradante que desqualifica, inibe ou coage todos aqueles mobilizam suas energias para torcer e lutar por uma vida socialmente mais digna e edificante para todos que não são um só.

 

* Professor aposentado da UFCG

 


Data: 16/06/2014