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ARTIGO - Invasões bárbaras nos céus simbólicos

Hiran de Melo

 

Estavam lá, nas nuvens, há milhares de anos, conceitos guias que construíram o cosmo na terra. Na mais alta das nuvens, sentado no trono celestial, estava o Grande Arquiteto do Universo - GADU. À sua direita, mas em uma nuvem mais abaixo, encontrava-se o Rei e, na terra, suas manifestações concretas nas ações dos Senhores da Terra.

 

Em cada família dos humanos estava o Pai, executando a vontade do GADU. Crescei e multiplicai-vos segundo a minha Ordem, era o mandamento sagrado. E, sabemos todos, um mandamento é mais que uma ordem, é uma previsão. 

 

Escutai, filhos do GADU, no futuro a ordem do Pai se estabelecerá para sempre nos reinos da Terra e a Paz do Outro Mundo prevalecerá. 

 

Nas demais instituições do estado, ou privadas, estavam os chefes. Em particular na escola. Desta forma, na sala de aula, a presença poderosa da autoridade: o Professor.

 

Em cada célula dos Mistérios havia o Venerável Mestre a dirigir, com sabedoria, os trabalhos simbólicos que transcorriam desde o momento em que o Sol não projeta sombras sobre os obreiros até a meia-noite. 

 

Na terra tudo se organizava conforme a Ordem presente nas Nuvens. E assim foi durante séculos. Entre os judeus, cristãos, muçulmanos... em qualquer ordenamento que ligasse o homem ao Grande Arquiteto do Universo.

 

Entretanto, no século passado, em uma das lúgubres celas italianas, ouvisse uma voz que clamou nas paredes desertas: "esta Ordem Sagrada deve ser subvertida!"

 

A partir de então, uma neblina escura foi se formando entorno das nuvens nos Céus. De repente, não mais do que de repente, como diz o poeta, os portões dos Céus foram invadidos por ideias bárbaras, levando os conceitos guias a caíram em descrença. E, na terra, o movimento feminista se fez ouvir exigindo espaço no comando. Em seguida veio o movimento gay muito mais radical, questionando até o Conceito de Família.

 

Nos Céus, o Grande Arquiteto do Universo foi conduzido às nuvens geladas. Como eco, na terra, no lugar do Rei se constituiu um Conselho dos Representantes dos supostos interesses das massas bárbaras. 

 

Na escola não existe mais a autoridade do professor fazendo escolhas do que se deve estudar. Há, no seu lugar, um tio que tem o seu desempenho de instrutor avaliado pela capacidade de satisfazer as expectativas momentâneas dos alunos. 

 

O tio, ou tia, não dispõe de qualquer instrumento de punição. Até mesmo, caso atribua uma nota reprovativa a qualquer aluno, terá esta reprovação sendo problematizada por um conselho de classe. Em geral, esta reprovação será revertida, caso o aluno tenha sido aprovado nas outras disciplinas ministradas pelos demais tios; o que dificilmente não acontece. 

 

A meta do tio exitoso não é mais formar, instruir, educar os seus alunos. Mas, ser querido pelos mesmos. Em última instância, os alunos são de fato os avaliadores do desempenho do tio. E este, não avalia o desempenho de ninguém. 

 

De modo igual, na família o papel do Pai foi desconstruído. Não existe mais a figura patriarcal do chefe de família. No seu lugar temos os chefes de família - mãe e pai que decidirão o que é melhor à família. Entretanto, estes "chefes", agora, disputam a aprovação dos filhos. A palavra 'não' é cada vez menos ouvida pelos filhos, em resposta aos seus desejos. E, claro, os pais estão proibidos de os reprimir fisicamente, ou de qualquer outra forma. 

 

Em breve, os filhos poderão processar os pais por assédio moral. À semelhança dos processos que atingem alguns dirigentes das Instituições Federais de Ensino, quando resolvem dizer 'não' aos interesses de um funcionário subalterno. Afinal, os dirigentes estão nos seus cargos, em última instância, pela vontade manifestada nos votos dos servidores das instituições. 

 

A mesma lógica que diz: Os pais só são o que são porque geraram os filhos. Logo, estes são os verdadeiros criadores dos pais. O poder, logicamente, deve vim dos filhos.

 

Os governantes do Estado, eleitos pelo voto das massas, estão cada vez mais atribuindo direitos aos seus eleitores, sem averiguar se as condições materiais e financeiras do Estado são suficientes para atender as obrigações decorrentes destes direitos. Um oceano de direitos das massas e um deserto de deveres são os novos senhores na terra.

 

No aparelho repressor do Estado, o que vigora pode ser resumido em uma frase, que ouvi da delegada que "apura" o assalto que sofri em minha residência: "minha missão é enxugar gelo". 

 

O que na linguagem policial significa que quando ela prende os assaltantes e os leva à central de polícia, tem a certeza de que em breve eles serão libertados para praticar novos crimes.

 

Sendo que algumas vezes, quando ela volta ao distrito sob a sua responsabilidade, lá encontra os cidadãos livres, soltos e sorrindo para ela. Os cidadãos que ela havia prendido sob a acusação de assalto, seguido de furto, a uma residência. Para que, então, ela prender os que assaltaram a minha? E para que, então, eu esperar que ela faça outra coisa, senão  enxugar gelo?

 

São novos e desafiadores tempos! As estrelas guias foram expulsam dos Céus e, o que se aproxima, não sei dizer ao certo o que seja, é algo mais revolucionário do que qualquer coisa que o homem já tenha feito antes na Terra e nos Céus.

 

Não mais a troca de um grupo no poder por outro, mas a mudança da própria natureza do poder. A substituição do Poder Vertical, iluminado pela Luz Celestial, pela difusão do Poder Horizontal, vindo das massas e por elas exercido. 

 

Não havendo mais uma Estrela Guia a orientar o caminho, no seu lugar se colocou lanternas que dançam conforme os caprichos dos ventos.

 

Enquanto isso, nas lojas simbólicas maçônicas, celebramos semanalmente o paradigma de uma sociedade justa e perfeita: a meritocracia. O que, diante do exposto, nos faz indagar: não estaremos, a semelhança da delegada, enxugando gelo?

 

* Hiran de Melo é professor da UFCG

 


Data: 09/06/2014