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Artigo - Resistir é preciso: palavra de ordem contra-hegemônica

Wagner Braga Batista

 

Nas democracias, exercitadas por meio da representação indireta, as eleições ocasionais e o direito de voto, em si, sào mecanismos de transferência de poder de decisão. São processos relevantes, porém insuficientes para materializar a democracia participativa em questão. Na atual conjuntura vivenciamos um processo de desgaste provocado pelo crescente descrédito dos chamados poderes republicanos, de suas instituições e de seus componentes.

 

Inúmeros casos de deliquência administrativa, de desrespeito a direitos civis elementares, de peculato e de corrupção ostensiva, comprometem governos e instituições públicas, revelam a instrumentalização e o aparelhamento do Estado para prover interesses velados de forças políticas, que têm ingerência em seu funcionamento, bem como interagem com seus integrantes.

 

Estas práticas transformaram o aparato e o patrimônio público em botim, em moeda de troca em acordos políticos inomináveis. São reveladoras dos descaminhos de políticas de aliança, em curso, adotadas à margem de  identidades partidárias e desvinculadas de compromissos programáticos.  De modo canhestro, servem para costurar a governabilidade consentida, alcançada graças à formação de bloco de apoio parlamentar circunstancial, sedimentado na vexatória prática da conveniência e da chantagem.

 

A formação de estruturas corrompidas e de mecanismos de preservação de vantagens  converteram muitas instituições públicas, partidos políticos e entidades de representação sindical em  seu avesso. Transformaram-nas  em fontes de obtenção de favores e de privilégios, logrados por meio do botim patrimonial, logrado pela subtração de direitos coletivos e pela atrofia de seu caráter democrático. Aliciamento, cooptação e adesismo tornaram-se condões, palavras mágicas que instruiram esta digressão, a deletéria metamorfose política. Que provocaram a degradação da cultura democrática em proveito de circulos de interesses e sinecuras, que hoje ocupam poderes e espaços públicos,

 

Esta cultura privatista, pecuniária e narcísica difundiu—se na sociedade. Tornou-se hegemônica. Despreza princípios e valores fundamentais. Transforma conveniências em projetos de vida. Vale-se da visibilidade produzida pelo marketing, da ostentação e do hedonismo como plataformas políticas. Estes estratagemas políticos têm como contraponto o forte sentimento de repulsa e de indiferença política. Instaura o corte que aparta a política dos virtuais beneficiários de suas ações, que se sentem alijados de  processos indispensáveis para a vida social.

 

Este corte dissemina  a sensação de impotência, o descrédito e a indiferença, Resulta numa onda de descrença, ora capitalizada por forças conservadoras, que sempre apostaram na discriminação e na exclusão social.

 

Neste quadro, a pregação catastrofista tem eco no ceticismo da juventude. O discurso nebuloso, que sinaliza a falta de horizontes, silencia e esconde a ordem asséptica, destituída de projeto humanizador e de direitos sociais, que resguarda privilégios seculares dos donos do poder.

 

O avanço das conquistas democráticas e a ampliação de direitos sociais ameaçam  seu projeto patrimonialista e excludente.

 

Por isto, a propagação do ceticismo e do catastrofismo, é oportuna. Enseja a falta de perspectiva e de um projeto social humanizador, que coloque em primeiro plano direitos sociais inadiáveis.

 

A pregação da falta de alternativas ao sistema economico vigente é artificioso  recurso político. Habilmente empregado, estimula a descrença num projeto de futuro, naturaliza a selvageria presente e bloqueia a ação de forças transformadoras.

 

.O pessimismo político tem sido capitalizado por correntes conservadoras. Converte-se no combustivel que alimenta o catastrofismo, a falta de perspectiva, que nutre a emulação do caos, por forças supostamente libertárias, entre elas o anarco-capitalismo, e a pregação da ordem retrógrada, elitista, autoritária e excludente, na qual não há espaço para a convivência democrática.

 

A redução do número de filiações aos partidos políticos, apesar de intensas campanhas pela criação de novos organismos partidários e de exigências legais que impõem adesão de milhares de filiados  aos novos partidos, é significativa da indiferença e da descrença de eleitores.

 

Este quadro se desenha, aqui e alhures, no chamado mundo globalizado, que se configurou pela escalada liberal e pela célere expansão da economia de mercado, após o colapso do socialismo real.

 

Na Europa e no leste europeu, o cenário calamitoso não é diverso. Decorre da falência de partidos reformistas e da adoção de políticas restritivas, que desaguaram no leito de correntes ultraconservadoras.

 

O ressurgimento do fascismo, da ultra disreita e de forças conservadoras o Reino Unido (UKIP), na França (FrenteNacional), na Dinamarca ( Partido Popular Dinamarques), na Grécia (Aurora Dourada), na Hungria (Jobbik), nos conflitos naUcrânia, no leste europeu, bem como o retrocesso observado nas recentes eleições colombianas, revelam a insconsitência de projetos políticos socializadores, o desalento frente à transformações sociais, às ambiguidades liberais e o ceticismo de grande parte da juventude.

 

A defesa das liberdades democráticas e de inadiáveis direitos sociais ainda estão na ordem do dia. Ainda devem sensibilizar e mobilizar todas as forças comprometidas com o futuro da humanidade.  As utopias passadas e presentes se mostraram vazias e inócuas porque não buscaram lastro em projetos socializadores e programas  políticos democráticos, abrangentes, exequíveis e efetivos.

 

De passagem por Belo Horizonte, tivemos oportunidade de assistir à exposição “Resistir é Preciso”. Trata-se um painel retrospectivo da ditadura civil-militar, que perdurou de 1964 até 1985. Apresenta o acervo reunido por José Luiz del Roio, militante da Ação Libertadora Nacional- ALN, coligido durante exílio na Itália, ao qual foram agregados vários outros documentos ilustrativos da cultura, da política e da administração econômica tecnocrática que vigorou no país, durante este longo período autoritário. Desenha a trajetória das forças democráticas, que culminou com o pacto de elites e o advento da Nova República.

 

A transição incompleta naqueles No Rio de Janeiro, em São Paulo,  em Brasilia e em Minas Gerais, a mostra, além de expor as mazelas da ditadura, enseja reflexões e iniciativas políticas sobre a transiçao democrática incompleta.  . Conclama-nos a continuar resistindo ao retrocesso, ao ceticismo e aos álibis empregados para promover a dissuasão política e o consenso passivo..

 

A exposição, bastante elucidativa, revela o desprendimento de gerações que, desprezando vantagens, negócios e interesses individuais, entregaram-se generosamente ao bom e edificante combate. Desperta sinceros sentimentos de indignação, de apreço às liberdades democráticas e a direitos sociais inalienáveis.

 

Seus apelos ainda ressoam em nossas consciências. Interpelam a descrença e o ceticismo das novas gerações. Questionam a democracia incompleta, atropelada pelos pactos de elites, e os mecanismos de blindagens utilizados na atualidade para obstruir a crítica política e transformações sociais necessárias.

 

É um mostra pedagógica que nos sensibiliza e nos mobiliza para revitalizar a política, democratizar o aparelho de Estado e todas esferas de participação social, bem como para instaurar o poder da sociedade civil sobre os poderes que a governam, manipulam, desqualificam e anulam suas potencialidades críticas e transformadoras. Conclama à restauração da primazia dos direitos sociais frente aos interesses restritos, as vantagens lesivas e privilégios inaceitáveis de governantes, parlamentares, administradores públicos, falsos dirigentes sindicais, entre outros, que distorcem e anulam virtualidades da participação democrática.

 

Resistir é preciso.

 

A resistência democrática ainda é palavra de ordem atual. Ainda é uma imposição do momento presente.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 02/06/2014