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Artigo - Compro, logo existo : a hierarquização de seres humanos ditada pelo consumo

Wagner Braga Batista

 

Na atualidade, a propalada cidadania multidimensional parece ignorar a estrutura multifuncional de classes das sociedades hierarquizadas pelo mercado.

 

Sob a hegemonia e a influência de concepções multiculturais e fenomenológicas, a percepção da estrutura de classes da sociedade capitalista foi mascarada e subsumida por discursos que destacam diferenças de raças, de etnias, de genero, entre outras, para subtrair da análise social alguns mecanismos de dominação, de expropriação e de geração de assimetrias aplicados às camadas subalternas. Estes mecanismos são engendrados pela dinâmica excludente da economia de mercado.

 

Sob este viés, direitos coletivos são gradativamente subsumidos, apagados pela compulsiva busca de realização de direitos individuais. Esta estratégia reforça veleidades e pulsões pessoais em detrimento de necessidades substantivas.  Como consequencia, o individualismo e a exacerbação autonomista esfacelam a sociabilidade, a consciencia coletiva e a noção de  pertencimento social. Seu escopo é transformar direitos sociais em prerrogativas pessoais logradas pelo acesso ou pertenciamento a esferas do  mercado.

 

Sob esta ótica, sociabilidade sofre hipertrofia. Reduz-se à participação em escalões do consumo. Estrutura hierarquia desenhada pela ascendencia de parâmetros que indicam perfil de consumidores, relações mercantis e  capacidade  de realização de negócios, inclusive a suscetibilidade à negociação de principios, condutas e valores, em tese, inalienáveis.

 

O termo negociação ganhou precedencia e amplitude em processos que envolvem litigios e acordos. Principios, valores e convicções sairam de moda, diante das negociações alinhadas a ambições, vantagens e interesses residuais.

 

Negociar sugere uma açào consensual, no entanto sabemos da disparidade de condições existentes entre os que participam desta relação assimétrica. Nào  é demais repetir, em toda barganha, um perde e outro ganha.

 

No mundo dos negócios e das relações mercantis não há justiça. Nào prevalece o direito e a consciência coletiva quando se impõe a parcialidade inerente à busca de vantagens restritas que instruem as relações mercantis..

 

 Neste enquadramento, ocorre a falência de direitos fundamentais, que asseguram condições minimas de vida, preteridos e constrangidos pela liberdade de negociar, comprar e vender. Legitimada pela naturalização de relações exploram carências impostergáveis, que levam seres humanos a vender o que lhes resta, sua capacidade de trabalho, sua dignidade e seu futuro, para assegurar condições minimas indispensáveis à subsistencia.

 

As relações mercantis se impuseram como faceta trágica da sociabilidade degradada pelo mercado. Tornaram-se dominantes na vida social contemporânea.

 

Uma de manifestações mais dramáticas ocorre por meio da compulsão consumista, convertida em móvel da existência de seres humanos.

 

Reproduzindo pulsòes induzidas por estratégias de marketing,  sublimam  necessidades substantivas, são seduzidos e atraídos pelos fetiches do mercado. O consumo desenfreado consuma esta atração. Fecha o círculo no qual o consumidor encontra-se encerrado e se torna refëm de pulsòes geradas artificiosamente. Incapacita-se também para reconhecer a alteridade. Ou seja, tudo e todos que transcendem sua individualidade.

 

As consequências do consumo compulsivo, do desperdício de recursos, dos artificios engrendrados pela obsolescencia planejada de bens para a vida humana, para a sociabilidade, para o  meio urbano e para o meio ambiente são incalculáveis.. Porém não são por aqueles que só reconhecem suas pulsòes e sua própria imagem.

 

Este é um construto da sociedade edificada sob os pilares do mercado e de relações mercantis

 

Na esfera do mercado, autorreferencia e a obtenção de prerrogativas convertem-se em força motriz das ações sociais, do empreendorismo calcado na busca  vantagens restritas, alcançadas a qualquer custo. Estas ações ignoram ou desprezam demandas similares de outros seres humanos.

 

O empreendedorismo, a competitividade e a concorrencia se impõem como artificios que depreciam e desqualificam a solidariedade e a cooperação coletiva. Com este escopo, a consecução de direitos sociais mostrar-se-á como um entrave a realização de vantagens e ao exito pessoal.

 

Sob este viés, apelos humanitários, solidários e cooperativos só terào validade como ingerdientes ou vernizes de estratégias, que se destinam a encobrir os verdadeiros móveis e resultados da acumulação privada, a pilhagem economica e a degradação social.

 

A estratégia de obtenção de prerrogativas individuais e restritas, geradas pela dinamica excludente das forças do mercado, implica na anulação de direitos sociais. A obtenção destas prerrogativas é incompatível com a realização de  direitos sociais.

 

No entanto, a apoteose da restauração liberal e o pensamento único instaurado pelos seus ideologos sugeriram que o conceito de humanidade não se inscrevia nas relações socioeconomicas. Seria uma abstração, no seu modo de ver.

 

As ambições, pulsòes e aptidões individuais deveriam moldar a vida social e a sociabilidade restrita à esfera do mercado.

 

Daí, advém a suposta legitimidade do consumo conspicuo, de luxo, predatário e ostensivo que se transforma em signo de opulência e exuberância e esgarça a imagem da desigualdade social. Que hierarquiza multifuncionalmente, por meio do consumo de bens e serviços, graças à ostentação e visão emblemática de valores simbólicos. Que segrega, discrimina e ofende a consciência social.

 

Esta é a obra das invisíveis mãos do mercado...

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 09/04/2014