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Artigo - A adesão à EBSERH e o golpe militar

Wagner Braga Batista

 

Na cultura popular, o 1º de abril é devotado à pulha.

Destina-se à prática da enganação de incautos. Crédula, há 50 anos atrás, parcela expressiva da população, especialmente as camadas médias, deixou-se atemorizar-se com o fantasma do comunismo. Foi ludibriada por discursos que anunciavam a moralidade, a ordem e a defesa das instituições democráticas para se reverter num golpe de Estado.

Empulhado, o povo viu-se refém de forças reacionárias, que prometiam debelar a inflação, conter a dívida externa, promover a democracia, respeitar direitos inalienáveis e celebrar o consenso. O desfecho foi trágico. Consumou a experiência ditadorial que perdurou por 21 anos. Finda, defrontamo-nos com o cenário desolador desenhado pelo esbulho autoritário, qual seja, a explosão  inflacionária, o aumento exponencial da dívida externa, um extenso e cruel rol de violações de direitos humanos, bem como o radical alijamento da vida pública da oposição não consentida.

Esta experiência autoritária não se apagou na transição imperfeita e incompleta realizada por meio de pactos sigilosos que institucionalizaram medidas arbitrárias.

Ou seja, o arbitrio deitou raizes no processo de redemocratização. Ainda hoje nos lega frutos amargos.

Um deles, provado pela comunidade universitária da UFCG, à véspera do cinquentenário do  golpe militar.

Um deplorável resgate de medidas unilaterais e discricionárias no trato administrativo de universidade pública.

Em princípio, externamos o entendimento que a universidade não pode se furtar a discutir qualquer tema relevante para si. Preservado ritual e cronograma viável para a discussão, todas questões devem ser exaustivamente discutidas. Acrescentamos que tentativas de obstrução, que dificultem o diálogo democrático e qualificado, são bastante questionáveis.

A universidade pública é espaço privilegiado para a interlocução. Para que posições diferenciadas se manifestem de forma franca com a necessária clareza.  Deste modo, o respeito a posições divergentes não é uma virtude de alguns. É condição indispensável para a condução da universidade.  Revela a sua aptidão para o diálogo. O reconhecimento de suas potencialidades e limites. Matriz do conhecimento não se presume reduto da clarividência, da verdade e de certezas inabaláveis. 

Graças a esta cultura e ao exercício do diálogo tornamo-nos permeáveis à argumentação de diferentes interlocutores. Esta abertura tende a fortalecer nossas convicções. Por mais equivocadas que nos pareçam, posições divergentes não podem ser tratadas com desdouro, com desdém, mas como elementos inerentes ao dialogo e próprios do dissenso.

Portanto, não vimos com estranheza posições favoráveis à adesão à EBSERH. Torná-las públicas foi uma postura corajosa, diante do montante de objeções.

A defesa pública desta posição não pode ser vista com descrédito. Deveria ser valorizada, pois ensejou contestação e exposição dos inúmeros motivos que nos levaram a identificar na adesão uma ameaça à integridade, ao caráter público, à função social e à autonomia da universidade.

A UFCG, apesar dos percalços, cumpria seu mister. Empreendia o debate sobre seus rumos. Infelizmente este debate não teve desdobramentos profícuos. Foi truncado, a nosso ver, de forma ardilosa.

Se não manifestamos estranheza em relação a posições favoráveis à adesão, ficamos estarrecidos com os métodos empregados a seguir. Com artificios que tiveram como único propósito isolar oponentes para que prevalecesse unilateralmente a vontade discricionária da administração superior.

Um procedimento que, a nosso ver, não condiz com o ideário e a trajetória política do atual Reitor.

Temos enorme apreço pelo Prof Edilson. Reconhemos em sua vivência academica méritos e sensibilidade que faltam a muitos colegas que enveredam pela administração universitária.

Contudo, os propalados fatos novos e a perspectiva de esclarecimento da comunidade universitária não vieram à tona. Não se confirmaram nos foruns de discussão.

Enquanto seus interlocutores externavam suas inquietações, os membros da administração superior tangenciavam a discussão. Brindaram-nos com a ausência e o silencio.

Em pelo menos duas oportunidades, como é próprio do convivio democrático, poderíamos ter sido convencidos das motivações da adesão à EBSERH.  Numa destas oportunidades, no debate realizado no auditório do Hospital Universitário, a questão da EBSERH foi deixada em segundo plano para atender demanda de diretor de centro. Se o tema era Tão relevante e inadiável seria lógico conduzir o diretor de centro ao HU e ambos compartilharem suas apreensôes com os demais integrantes da comunidade. las de 2013.

O debate de questão tão importante não deveria transcorrer em ausência daqueles que o colocaram em pauta e nos chamaram à discussão.

Enfim, deparamo-nos com o ato institucional da Reitoria.

É inevitável que este desfecho lamentável suscite reações. Legítimas, sem dúvida. Provoque uma escalada de ações que denunciam o modo tortuoso como se deu a adesão à EBSERH. Porém, o que nos parece uma temeridade, a conduta unilateral e discricionária, que interditou o diálogo, pode se converter em fonte de legitimação de ações igualmente autoritárias. Servir como alibi para inviabilizar o funcionamento da universidade

 A justa indignação da comunidade universitária deve ser canalizada para reverter este ato discricionário da administração da reitoria por meio de ações que ampliem o conjunto de forças contrárias à adesão.  A denúncia e o esclarecimento das implicações da adesão à EBSERH devem se mostrar capazes de sensibilizar não apenas integrantes da comunidade universitária, mas principalmente a população carente maior beneficiária de serviços públicos de saúde.

Atos isolados que tendem a vitimizar os mentores e autores desta medida unilateral, que atenta contra a democracia na universidade, devem ser repensados.

A postura adotada no processo de adesão à EBSERH faz-nos rememorar artificios utilizados por correntes autoritárias para suprimir a participação politica da sociedade civil e consolidar   regime de força ilegitimo, que se afirmou por meio de Atos Instittucionais promulgados a revelia dos poderes públicos republicanos.

Em escala menor, os fatos relatados ensejam a lembrança do golpe militar de 1964.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

 


Data: 01/04/2014