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Artigo - Modelo Assistencial X Modelo Acadêmico

Hiran de Melo

 

Atualmente a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) presenciou, mesmo que atônica, várias tentativas da administração central de recolocar na pauta de discussão do Colegiado Pleno a adesão da universidade ao modelo de gestão hospitalar proposto pelo Ministério da Educação - e aprovado pelo Congresso Nacional, com a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Lei 12.550/2011).

 

Aceitando o convite à participação na discussão, apresento uma reflexão sobre a diferença entre o Modelo Assistencial - adjacente à proposta de gestão hospitalar do Ministério da Educação - e o Modelo Acadêmico de gestão dos laboratórios da UFCG.

 

http://univernecessaria.blogspot.com.br/2014/03/modelo-assistencial-x-modelo-academico.html

 

Vejamos: os alunos do curso de Odontologia necessitam que a universidade mantenha uma clínica odontológica como lugar destinado à prática do ensino e à pesquisa.

 

Além da clínica (laboratório) devidamente equipada, se faz necessário que alguém se disponha a receber tratamento odontológico na mesma. É possível que este tratamento seja oferecido de forma gratuita.

 

Todavia, deve ser a finalidade primeira alcançar a excelência no ensino e na pesquisa no campo da Odontologia, não prestar serviços à população carente.

 

É até admissível que seja cobrado  dos beneficiários desses serviços, ou de alguma instituição que mantenha convênio com a UFCG, taxas destinadas à reposição dos insumos. Todavia, isso não é essencial. Em verdade, é até dispensável.

 

Resumindo: a clínica não deve existir para a assistência filantrópica e nem para gerar lucros financeiros. Ela deve existir para a prática do ensino e da pesquisa em Odontologia.

 

Neste modelo de clínica, não há como falar em administrá-la tendo como critério de avaliação de desempenho a maximização de lucros ou em qualquer outro parâmetro que norteie uma administração voltada ao mercado de serviços. O importante é a formação dos futuros profissionais que irão, estes sim, prestar serviços de qualidade à população que necessita deles.

 

Neste contexto, portanto, não há necessidade da universidade buscar administradores profissionais, fora da comunidade acadêmica. Até porque dispõe da Unidade Acadêmica de Administração para lhe prestar consultoria.

 

Além disso, fora dos muros da universidade (no mercado) dificilmente se encontrará alguém capacitado a administrar sem ter como meta o lucro financeiro. Não é por outra razão que o administrador de uma clínica (laboratório) universitário deve ser um docente que atua no mesmo, visando o lucro acadêmico.

 

Cito o Curso de Odontologia, mas poderia citar qualquer um dos demais oferecidos pela UFCG.

 

A Unidade Acadêmica de Engenharia Elétrica, por exemplo, dispõe de vários laboratórios que podem prestar serviço a quem o solicite. Todavia, a prestação desse serviço nunca poderá ser prioritária. Assim como os docentes dessa unidade podem, eventualmente, prestar consultorias técnicas. Entretanto, nunca em detrimento das atividades de ensino e de pesquisa.

 

O foco é a busca incessante da excelência na descoberta de novos conhecimentos e no ensino dos necessários à formação de excelentes profissionais em Engenharia Elétrica.

 

Desta forma, os hospitais universitários são os principais laboratórios para os alunos de Medicina. Eles não podem ser subordinados aos interesses imediatistas da prestação de serviços (assistência à saúde da população, de forma inteiramente gratuita, integral e no âmbito do SUS) e nem sua administração deve obedecer a princípios de racionalidade que visam a maximizar lucros; ou mesmo, observar prioritariamente a princípios que visem a racionalização da aplicação de recursos.

 

O principal objetivo de um Hospital Universitário (HU) é contribuir na busca da excelência médica, no ensino e na pesquisa. A prestação de serviços é um dos frutos desta busca e, em geral, se dá fora da instituição quando os nossos ex-alunos, agora graduados, integram-se no mercado de trabalho.

 

A prestação de serviços dentro da instituição é uma atividade secundária e subordinada às finalidades precípuas da universidade.

 

No modelo assistencial, que vigora na maioria dos hospitais públicos, o paciente é encaminhado para um médico que possui uma cota mínima de paciente a ser atendidos diariamente. Já no modelo acadêmico, o paciente que chega ao HU deve ser encaminhado por outro hospital público, que não tenha encontrado a solução adequada ao problema do paciente.

 

No HU, tal paciente deverá ser recebido por uma equipe médica - com uma cota máxima de pacientes a serem atendidos no mês – que irá analisar o problema e propor procedimentos de cura. Mais ainda, irá acompanhar e documentar todo o processo de modo a se constituir referência para outros hospitais.

 

Por fim: O paciente que é encaminhado ao HU não traz só a sua dor e a sua esperança de cura. Traz, principalmente, um desafio para o corpo docente do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS)  da UFCG. É exatamente na busca da(s) solução(s) para este desafio que existe um processo científico de aprendizagem e de pesquisa de novas metodologias e curas. E não há como estimar o valor financeiro dessas pesquisas e descobertas, e nem o valor da excelência profissional que é transferida para os alunos. Como também, não há como importar o modelo assistencial para gerir um hospital digno do adjetivo 'universitário'.

 

Hiran de Melo é professor da UFCG


Data: 01/04/2014