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Artigo - Em defesa do povo – A despeito da Ebserh

Homero Gustavo C. Rodrigues

 

 

Cumpre-nos, inicialmente, um breve comentário a respeito do título deste escrito. Procuramos aqui nos diferenciar dos inúmeros artigos, comentários e outros documentos publicados na mídia impressa, realçando geralmente o tema “EM DEFESA DO SUS”. Não! Não pretendemos defender ou discorrer sobre princípios, ideologia ou crises do Sistema Único de Saúde, até porque existem inúmeros fóruns, grupos de discussão, bancadas legislativas e muitos outros movimentos infinitamente mais qualificados para realizar essa defesa.

 

Da mesma maneira, não procuraremos realizar nenhuma defesa da adesão da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), porquanto, modestamente, o propósito é apresentar dados, por muitos desconhecidos ou de difícil acesso, de maneira a enriquecer, qualificar e elevar o nível do debate, neste momento, em que parece existir mais uma “queda de braço” do que uma discussão, um debate de ideias, como deve ocorrer exatamente no templo da sabedoria, do respeito às diferenças: a Universidade.

 

Eis alguns destes dados:

 

- Uma cidade – Cajazeiras – suas instituições e seu povo são francamente favoráveis ao pleno funcionamento do Hospital Universitário Júlio Bandeira (HUJB), alimentados ainda pela certeza, oferecida pela EBSERH, da construção de um novo hospital federal, com 200 leitos, de natureza universitária, para atender à população de um vasto território localizado na tríplice fronteira, onde confluem os estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.

 

- Em Campina Grande, o tradicional Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC), por meio do seu Conselho Deliberativo, continua reafirmando a não adesão à EBSERH.

 

- A UFCG, já foi comunicada da impossibilidade de adesão parcial, isto é, de não poder realizar a adesão do HUJB se não ocorrer também a adesão do HUAC, visto ser a citada adesão da instituição UFCG e não de seus hospitais, individualmente.

 

O conflito está instalado!

 

Em certa ocasião, durante reunião realizada no Ministério da Educação, ouvimos do Secretário de Educação Superior, se dirigindo ao Ministro Fernando Haddad, as seguintes palavras: “entendo, Ministro, que aqui estão presentes as pessoas que ocupam a posição mais difícil na estrutura do MEC: a direção de Hospital Universitário”. O Secretário da SESu/MEC realmente sabia do que estava falando.

 

Os hospitais universitários estão subordinados a decisões, recomendações e fluxo de humor de diversas estruturas: Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde, Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, Tribunal de Contas, Controladoria Geral da União, Ouvidorias, Ministério Público Federal e Estadual, Advocacia Geral da União, Conselho Municipal de Saúde, AGEVISA, DENASUS, entre outros, todos buscando cumprir seu dever por meio de cobranças, esclarecimentos e respostas que devem ser oferecidas em brevíssimos espaços de tempo e cujo descumprimento ou atraso geralmente submetem o gestor “às penalidades da lei”. Afinal de contas, estamos tratando de saúde, de vidas: as providências e soluções têm que surgirem rapidamente, mesmo.

 

Os leitores sabem quais são os critérios exigidos de um candidato a Diretor Geral dos Hospitais Universitários da UFCG?

 

Demonstrar experiência administrativa de órgão público ou unidade de saúde? Resposta: não.

Ter cursos de capacitação, atualização ou pós-graduação em gestão pública ou administração hospitalar? Resposta: não.

 

Exercer atividades docentes no hospital universitário por um determinado período mínimo de tempo? Resposta: não.

 

Senhores, de acordo com o artigo 7° da Resolução N°. 09/2006, do Colegiado Pleno da UFCG, que regulamenta a eleição de Diretor Geral do Hospital Universitário Alcides Carneiro, da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, são critérios para a candidatura:

 

Art. 7º Poderão candidatar-se a Diretor Geral do HUAC, professores lotados no CCBS da UFCG, em regime de dedicação exclusiva, ou servidores técnico-administrativos de nível superior lotados no HUAC, em regime de 40 horas semanais, integrantes do quadro permanente da UFCG, com um mínimo de 03 (três) anos de efetivo exercício na função.

 

Convenhamos! Ocupar um cargo de professor em disciplinas da área de saúde não confere a ninguém experiência administrativa ou condições para dialogar com os preparados representantes dos órgãos de controle externo, anteriormente elencados, ou para lidar com o vocabulário da administração pública, do tipo: distinguir recursos de custeio de recursos de capital, empenho global, empenho estimativo, dispensa de licitação, tomada de preços, registro de preços, repasses fundo a fundo, restos a pagar, contratualização, entre outros.

 

Além disso, também não confere condições para lidar com um número enorme de fornecedores, da alface ao tomógrafo, do pãozinho ao cateter para angiografia, considerando inclusive que uma parcela significativa destes fornecedores sempre se encontra predisposta a querer “passar à perna” no gestor, seja com a entrega de produtos sem qualificação seja com a realização de serviços de má qualidade, dada a inexistência ou disponibilidade de pessoal, na gestão, preparado para a condição de “fiscal de contrato”, pessoa que representa os olhos do gestor na relação com o fornecedor.

Assim, considerando-se o critério exigido pela resolução do Colegiado Pleno da UFCG, sempre teremos pessoas inexperientes na lida administrativa, embora dispostas a aprender, embora o aprendizado seja longo, árduo e traumático (sempre contraria interesses), porque, uma vez se tratando de aprendizado, é passível de erros e consequentemente de desperdícios, seja de esforços seja de recursos financeiros. Nosso patrão, o povo, começa a perder.

 

A decisão do Conselho Deliberativo do HUAC de não adesão à EBSERH, embora coletiva, quero personificar na professora Berenice Ferreira, atual Diretora Geral do HUAC.

 

Temos de há muito, uma salutar relação de amizade com a Diretora do HUAC. Poderia listar um número enorme de qualidades, mas, principalmente, admiramos a defesa que faz dos seus princípios, a sua perseverança, ética e otimismo.

 

Certa feita, preparávamos uma seleção para profissionais de saúde do Programa Saúde da Família e discutíamos sobre a subjetividade da entrevista dos candidatos. Na ocasião, incorporei um ensinamento da professora Berenice, competente médica do PSF: “o entrevistador deve sempre observar o “brilho nos olhos” do entrevistado, para, de certa forma, captar o grau de envolvimento pessoal do candidato, de vez que o PSF é especial, para pessoas especiais.”

 

Avaliamos, entretanto, que as pessoas especiais, aquelas das camadas mais carentes, as quais a professora Berenice se referia, na nossa discussão, no caso específico do HUAC, está em uma franca desvantagem.

 

Recentemente, três declarações foram registradas na mídia, que deixaram as pessoas em dúvida ou, no mínimo, curiosas. Uma primeira, do Magnífico Reitor da UFCG, Prof. Edilson Amorim, que dizia que o Prefeito Municipal afirmara, em seu gabinete, que o hospital só cumpria 50% do que foi contratualizado com a Secretaria Municipal de Saúde. Outra, da primeira-dama do município de Campina Grande, médica Micheline Rodrigues, em pronunciamento em rádio, dando a informação de que o HUAC cumpria apenas em torno de 30% do contratualizado.

 

No entanto, em artigo publicado, o diretor clínico do HUAC faz referência a “aumentos expressivos” em número de consultas, procedimentos, cirurgias, etc.

 

O que nos chama a atenção é que os três declarantes estão próximos da verdade, a depender dos números que considerarmos: obtidos do Portal da Transparência, do Portal do Fundo Nacional de Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde e do Sistema Integrado de Administração Financeira – SIAFI, do Governo Federal.

 

Saliente-se que os números, a seguir apresentados, podem ser aferidos nas fontes anteriormente indicadas ou nos setores específicos de contas do HUAC (contabilidade e faturamento) ou ainda na Secretaria Municipal de Saúde, e referem-se a valores mensuráveis como número de procedimentos, exames, consultas ou cirurgias realizadas, precificados pela tabela SUS. Certamente que não se pode mensurar a produção do conhecimento ali gerado ou a excelência dos profissionais que realizam esses procedimentos, pois são valores incomensuráveis que justificam a existência e a defesa do HUAC.

 

Começaremos a nossa análise pela declaração da primeira dama do município, Dra. Micheline Moura.

 

Durante o ano de 2013, segundo o Portal da Transparência, foram “gastos”, diretamente no Hospital Universitário Alcides Carneiro – UFCG, algo em torno de R$ 71.491.431,19. Esse valor inclui despesas com pessoal, material de consumo, obrigações patronais, contratação por tempo determinado, equipamentos, entre outros. Comparando-se o custo operacional daquela unidade hospitalar com os valores produzidos, no mesmo ano, nos serviços ambulatoriais e hospitalares, enviados pelo HUAC à Secretaria Municipal de Saúde – respectivamente R$ 3.615.709,42 e R$ 3.265.159,26 (produção entre janeiro e novembro de 2013) – verifica-se que a contrapartida de serviços do HUAC não atingiria nem 12% dos gastos diretos realizados pelo povo, nosso patrão, mesmo considerando-se a possibilidade de uma excelente produção no mês de dezembro.  Assim, a médica Micheline Moura, em suas declarações, esteve próxima de uma verdade.

 

Em relação às afirmativas de Sua Excelência, o Prefeito Municipal, ele também se aproximou de uma verdade. Se compararmos a produção ambulatorial e hospitalar do HUAC (produção entre janeiro e novembro de 2013) da ordem de R$ 6.880.868,68,com os repasses feitos pela Prefeitura Municipal de Campina Grande, fundo a fundo, no mesmo ano e período, no valor de R$ 10.812.452,87, chegamos a um cumprimento de contratualização com o gestor municipal correspondente a 63%.

 

O diretor clínico do HUAC também apresentou uma verdade. Em 2012, o HUAC produziu serviços hospitalares e ambulatoriais correspondentes a R$ 6.010.813,49 e recebeu repasses da contratualização (leia-se Secretaria Municipal de Saúde) da ordem de R$ 10.287.600,58. Assim, cumpriu, em 2012, aproximadamente 58,4% e, em 2013, cumpriu, como dito anteriormente, 63%. O diretor clínico está correto ao afirmar que houve um “aumento expressivo”, segundo breves cálculos, da ordem de 4,6%.

 

Os números citados são referentes predominantes à contratualização, mas dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) apontam que, além destes valores, o HUAC teve despesas autorizadas, em custeio e capital, em 2012 e 2013, respectivamente, na ordem de R$ 8.902.134,33 e R$ 7.866.454,11. Assim, no conjunto de despesas autorizadas, excluindo-se despesas com pessoal, o HUAC captou do tesouro nacional (contratualização mais repasses do MEC e MS) um total de R$ 18.641.696,78, em 2012, e R$ 20.794.755,86, em 2013.

 

Depreende-se, desses dados, que o nosso patrão, o povo, está em enorme desvantagem. Quem deveria fiscalizar o cumprimento e avaliação da contratualização (Secretaria Municipal de Saúde, Conselho Municipal de Saúde e HUAC) ,assim como defender os interesses do povo, não está cumprindo seu papel, dado que os repasses têm sido fixos, quando deveriam estar subordinados à avaliação e pagamento pelos serviços efetivamente produzidos.  

 

Esses fatos se associam a outros igualmente de grave seriedade que o nosso patrão, o povo, está alheio e em mais uma desvantagem. Mais de 35% dos recursos de custeio do HUAC são destinados a pagamentos de serviços terceirizados (portaria, vigilância, cozinha, rouparia, limpeza, entre outros), para substituir aposentadorias ocorridas em cargos extintos no serviço público federal, destacando-se que os servidores selecionados para a ocupação do serviço terceirizado são escolhidos e avaliados por critérios pouco claros ou inexistentes.

 

A estrutura física do HUAC é atualmente dispendiosa, dada a sua obsolescência, que dificulta a obtenção do alvará de funcionamento, laudo do corpo de bombeiros, certidões da AGEVISA. Instalado em uma área que impede sua expansão, não seria demais pensar na implosão dessa velha estrutura com vistas à verticalização daquela edificação, como forma de oferecer melhores condições de atendimento e acomodação à população e melhores condições de trabalho a seus servidores e estudantes estagiários da área de saúde da UFCG, além da possibilidade de ampliação de serviços, segurança e acessibilidade. Afinal, Campina Grande também merece uma estrutura hospitalar moderna, digna de um Hospital Universitário.

 

Como resultado da extinção do INAMPS, ocorrido no final da década de 1980, o HUAC foi cedido à UFCG, tanto no que diz respeito a sua estrutura física quanto no que tange a um contingente importante de profissionais oriundos daquele Instituto, todos qualificados e compromissados. No entanto, dada a idade e o tempo de serviço, este contingente representa hoje uma categoria em processo de extinção, seja por aposentadorias, exonerações ou falecimentos, um dado concreto que aprofunda o grave déficit de recursos humanos verificado no HUAC.

 

Para que o HUAC sobreviva, modernize-se e amplie seus serviços é necessário investimentos não apenas financeiros, mas, sobretudo, que haja investimento em recursos humanos, visto que sem a presença de profissionais, em número suficiente, não há como aquele hospital prestar o serviço que a população de fato precisa.

 

Com a EBSERH, há o compromisso do Governo Federal de imprimir uma gestão moderna (sic), o que implica necessariamente em promover as reformas necessárias, treinar gestores, prover a reposição e ampliação do quadro funcional, modernizar equipamentos, estabelecer metas, racionalizar recursos, qualificar o aprendizado, entre outras medidas.

 

Sem a EBSERH, esperamos, com toda honestidade, que alguém diga e apresente, claramente, à população para a qual o HUAC deve o atendimento com qualidade, qual o modelo de gestão que deverá ser adotado para a manutenção, ampliação e melhoria dos seus serviços, pois, como demonstrado, além de haver um significativo distanciamento entre os recursos aplicados e a contrapartida de serviços produzidos, há ainda graves problemas de funcionamento que reclamam soluções que superam, em muito, o limite resolutivo dos gestores da UFCG e do HUAC.

 

 

Homero Gustavo C. Rodrigues é  secretário de Recursos Humanos da UFCG - Ex-diretor Administrativo do Hospital Universitário Alcides Carneiro


Data: 10/03/2014