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Artigo - A intolerância do Reitor da UFCG

Amaury Fragoso de Medeiros

 

 

Intolerância é “uma atitude de ódio sistemático e de agressividade irracional com relação a indivíduos e grupos específicos, à sua maneira de ser, a seu estilo de vida e às suas crenças e convicções” (Sergio Paulo Rouanet).

 

Ao apagar das luzes de 2013 o reitor da UFCG tentou, de forma antidemocrática trazer a rediscussão da adesão da UFCG a EBSERH, questão já discutida e rejeitada por 36 votos a 04, ou seja, 90% dos componentes do Colegiado Pleno da nossa universidade. Inclusive, entre os que votaram pela rejeição, estava o atual reitor da UFCG, à época candidato ao cargo. Prefiro acreditar que o mesmo foi convencido pelo debate e não usou do oportunismo político às vésperas da eleição.

 

Assim, mais uma vez a comunidade universitária reagiu na última reunião do Colegiado Pleno (20/12/2013) e solicitou o cancelamento da reunião, através de manifestações dos docentes, técnicos-administrativos, estudantes e membros da sociedade campinense, através da intervenção de dois conselheiros. O reitor insistia em suspender a reunião, ao invés de cancelar, dando claros indícios de usar a mesma metodologia de reitores de outras universidades federais, a exemplo da UFPB, na tentativa de chamar a reunião no momento que desejasse. A reação foi forte e o reitor teve que aceitar por fim o cancelamento. No entanto, não se fez de rogado, começou uma campanha difamatória e preconceituosa contra as pessoas que são contra a adesão a EBSERH.

 

Essa estratégia de desqualificação de seus oponentes se manifestou em vários momentos. Na primeira oportunidade, durante a posse dos diretores de centro no Centro de Extensão José Farias Nóbrega, no dia seguinte ao conceder entrevista ao Programa “Opinião” da TV Borborema, em artigo publicado na página da UFCG, na Câmara de Vereadores de Cajazeiras e em entrevistas em várias rádios do estado: “São sindicalistas de extrema-esquerda do PSTU, são panfletários, não conseguem ler o texto nem o contexto, apenas o panfleto, uma minoria insignificante”, “são sectários”, “um grupo de xiitas”, “incautos”, esbravejou o atual magnífico reitor da UFCG, ex-presidente da ADUFCG e da histórica AMPEP, hoje SINTEP. Magnífico, será que o senhor seria hoje reitor se não tivesse sido sindicalista? Vossa magnificência está querendo dizer que sindicalista e estudante não tem capacidade de análise?

 

Magnífico reitor, sei que é difícil neste clima “pesado” que foi criado na UFCG por vossa magnificência, mas precisamos preservar o espírito da tolerância, sem o qual é impossível produzir qualquer coisa. Estamos vivendo um período difícil, onde em vez de ser acolhida com a atenção que merece, a divergência quase sempre é recebida com bombardeio preconceituoso.

 

Magnífico reitor, a intolerância de uma pessoa em relação a ideias diferentes às dela está relacionada ao quão seguro, incerto ou “ameaçado” ela se sente, aponta um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Nebraska-Lincoln, nos Estados Unidos. De acordo com a pesquisa, o “nível” de tolerância dos indivíduos de diferentes posições políticas varia conforme o “estado de espírito”, de mais intolerante quando surge o sentimento de ameaça ou incerteza, até “mente aberta”, quando o indivíduo não vê ameaça em ideias contrárias às suas.

 

Acontecimentos semelhantes estão ocorrendo nas universidades federais do Brasil. Ressalvadas as diferenças, todavia, parecem ter algo em comum: o clima político não democrático de intolerância, de ódio, de recusa a ouvir o outro, de defesa intransigente de interesses privados e total desprezo pelo interesse público. Constantemente, o preconceito e a intolerância são estimulados por motivos essencialmente econômicos.

 

Magnífico, fechar o espaço para o contraditório é até anticientífico. É impossível elaborar qualquer coisa sem a análise de diversos fatores na área do conhecimento que vai dar sustentação ao que buscamos, no caso da EBSERH, a saúde pública e recursos públicos.

 

A informação é essencial para termos a luz que nos empurra pra frente e pode e vem até de área que não é a nossa, o senhor é doutor em Letras, não atua na área da saúde pública. Portanto, a melhor solução pode vir até da voz do adversário, com respaldo intelectual, técnico e político.

 

A EBSERH foi rejeitada por vários Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, além do mais foi rejeitada pelo Conselho Nacional de Saúde. Ademais, o Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu ingressar como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo Procurador Geral da República, Roberto Gurgel. Serão “xiitas” todos os membros destes coletivos? Radicais da saúde pública? Incautos defensores dos SUS? Ou sectários assistencialistas? Será incauto o Procurador Geral da República?

 

É lógico que em política isso possa acontecer bastante se o debate for franco e honesto. Só nesta situação absurda que estamos vivendo, que pode-se acreditar ser possível fazer uma boa administração sem ter uma divergência de qualidade.

 

Magnífico, está havendo um contágio grave na sociedade da política fechada feita no controle de pequenos grupos e utilizando-se de maioria compulsória, de tal forma que está ficando cada vez mais difícil debater os problemas da UFCG e até mesmo questões mais simples do nosso cotidiano acadêmico, como por exemplo, falta de cadeiras nas salas de aulas. É muito triste que isso esteja acontecendo exatamente numa época em que é preciso chegar num caminho mais sólido para a nossa universidade.

 

Magnífico reitor, é muito estranho precisar defender a democracia numa casa pública e de educação como a UFCG. Será que não aprendemos nada? Defendemos que as instituições públicas de caráter educacional devem se pautar por uma forma organizativa e por um funcionamento eminentemente democráticos, que sejam exemplares para o conjunto da comunidade universitária e a sociedade em geral.

 

O respeito ao estatuto da UFCG é condição sine qua non para a democracia universitária. Vossa magnificência está desrespeitando uma decisão do principal colegiado da nossa UFCG. O artigo 19 do nosso estatuto afirma que compete ao Conselho Universitário exercer o poder disciplinar sobre qualquer dirigente que deixar de cumprir decisão dos órgãos deliberativos superiores. Respeite o nosso estatuto magnífico!

 

Magnífico reitor, levar adiante, a ferro e fogo, seu projeto de adesão da UFCG à EBSERH é defender um ensino voltado à lógica de mercado e a privatização do HU, através da transferência do patrimônio público para uma empresa pública, mas de direito privado e regida pela Lei no 12.550, de 2011, pela Lei no 6.404, de 1976.

 

A primeira é Lei de criação da EBSERH e a segunda, pasmem os leitores, o nosso magnífico nunca informa sobre ela, é a Lei das Sociedades Anônimas para o setor privado.  Esta lei que rege contabilmente as Sociedades Anônimas. Foi promulgada pelo então general ditador Ernesto Geisel, e é considerada por muitos uma cópia do Model Business Corporation Act (MBCA), o modelo federal de legislação societária dos Estados Unidos.

 

O nosso magnífico, nas suas intervenções longitudinais, ao contrário dos seus escritos transversais, sempre se refere à EBSERH como sendo uma empresa semelhante a Embrapa. Isto é um equívoco! Na verdade, a Embrapa é uma empresa pública e a EBSERH é uma empresa pública de direito privado. Esta diferença, com o acréscimo da expressão “direito privado”, faz uma grande diferença. Pois, empresa pública de direito privado (EBSERH) atua no mercado tarifando seus serviços na busca do lucro, enquanto a empresa pública (Embrapa) é ação direta do Estado na prestação de serviços públicos sociais.

 

O argumento de legalidade, que ao mesmo tempo não se preocupa em respeitar a Constituição, no que tange à obrigação de contratação de pessoas unicamente por intermédio de concurso público através do RJU. Qual será o interesse de Vossa Magnificência por esta adesão? Quem serão os dotados para governança do Hospital Universitário? Quem serão os diretores da empresa? Existirão ganhos à satisfação de interesses particulares?

 

Ademais, o argumento levantado por vossa magnificência que “perderemos a oportunidade de construir mais um hospital universitário com capacidade para 200 leitos e com 24.000 m².” Precisa ser explicados na sua real dimensão. Em primeiro lugar questionar, qual o perfil deste hospital? Atenção básica ou baixa complexidade, média complexidade ou alta complexidade? Causa-nos estranhamento que segundo os dados do DataSUS só existe um hospital na Paraíba com um pouco mais de 200 leitos. Por que não construir este hospital sem a adesão? Por favor, nos apresente o projeto deste hospital!

 

De fato, Magnífico, a EBSERH, avança agora também atuando sob novas formas, a partir da vinculação entre abertura de cursos de medicina, proposta que está incluída no Programa Mais Médicos, que é muito mais que a vinda de médicos cubanos. Também inclui abertura de novos cursos de medicina nas universidades federais, sempre vinculada à construção de um HU ou à federalização de algum hospital privado, com a imediata assinatura do contrato com a EBSERH.

 

Desta forma, Magnífico, não centre seus esforços para mostrar a todos que o reitor não hesita em chegar à grande imprensa e difamar seus estudantes, funcionários e docentes. Como vossa magnificência afirmou no seu artigo, “os sindicalistas e os estudantes pensam estar se afastando à esquerda, mas acabam se encontrando com a direita mais reativa e conservadora; isso porque, em sua leitura juvenil da dialética, eles se esquecem de que o mundo da política também é redondo.” A convivência com o pensamento diferente, respeitando politicamente é o fazer política decente. Se a direita estiver defendendo a não adesão a EBSERH, estarei junto dela sim, mantendo a defesa dos meus ideais. Esta posição é muito mais confortável do que estar rodeado pela direita reativa e conservadora e negar os próprios princípios.

 

Por fim, sugiro que vossa magnificência reflita sobre o posicionamento do reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU): “Nós precisamos do Ministério Público conosco, mas em outro sentido: na busca de uma solução imediata que passa por recursos, por reformas administrativas e por contratação de novos funcionários pelo Regime Jurídico Único (estatutários)”

 

 

Amaury Fragoso de Medeiros é professor da UFCG


Data: 04/02/2014