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Artigo - A barbárie consentida

Wagner Braga Batista

 


Ninguém volta ao que acabou...
Ninguém notou
Ninguém morou
Na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal.

 

Luiz Reis/Haroldo Barbosa

 

 

O trailer  da bárbarie anunciada foi apresentado na última tarde de domingo. Numa arena, que difere pouco, dos octógonos nos quais homens animalizados nos  brindam com taças de sangue.

 

A violencia, deplorada às cinco da tarde, reproduziu-se em vários horários noturnos. Em diferentes canais de TV e vários formatos ornados com sangue. Sob o patrocínio dos que exaltam o espirito esportivo consuma a degenerescência dos esportes de massa.

 

A violência questionada nas arenas do futebol dez minutos mais tarde será festejada em octógonos,  irrigados com fármacos, doppings e dosagens financeiras. Seus resultados em nada diferem. É da mesma natureza, idêntica à protagonizada por facções de torcidas organizadas, que disputam  estimulantes fornecidos por dirigentes de clubes, patrocinadores, publicitários e por gerentes do narcotráfico.

 

Estas violencias agendadas pelos noticiários fazem parte do mesmo cardápio e das mesmas estratégias de marketing.

 

Complementam-se como faces da mesma moeda, posto que a legitimidade de uma depende da ilegitimidade da outra. Contudo, ainda que se valham de regras semelhantes, suas emulações e seus desfechos não contemplam igualmente seus protagonistas.

 

A liciitude, celebrada pelo mercado das audiências como barbárie consentida, exige que os autonomos, os lutadores precários e pretendentes à animalizaçào no circo dos horrores nào invadam seus rinques e suas concessòes. Nào disputem este filào proporcionado pela espetacularizaçào da barbárie.

 

Na realidade, convivemos com a violencia diuturna, tão dolorosa e contundente quanto aquela cuja visão nos constrange. Contudo, esta  violência é naturalizada. Como se estivéssemos estorpecidos, não nos sensibiliza.  Não nos causa indignação a violencia perpetrada pela economia de mercado. Tampouco, a soberba das gravatas de seda e ternos finos que vestem a ignominia dos poderes públicas. Diversamente da indignaçào, esta violência  simbólica espelha em muitos a imagem do sucesso.

 

A violencia da injustica, das humilhações e privações sociais, tào corriqueiras, foram sublimadas pelo senso comum. Incorporaram-se ao dia a dia. Parece-nos diferentes da  barbárie superexposta pelos meios de comunicação.

 

Pela graça dos que controlam os meios de comunicação, a  iniquidade  social não tem lugar nas manchetes. Não ameaça  a estabilidade dos lares, nào afeta a digestào e a suscetibilidade de mulheres e homens bem apessoados.

 

Os sentimentos e a dor da gente miúda não rendem notícias, não mexem com o humor da bolsa e nào movimentam o mercado.

 

A violencia que eclode nos campos de futebol não nos surpreende. É catártica. É manifestação da selvageria que impregna nossos valores e relações sociais.

 

Quando vemos um torcedor com a camisa de um time de futebol  agredir com um porrete um adversário, desacordado e caido no chão, não devemos nos chocar.

 

Quando assistimos uma gang arrancar seus pertences para ostentá-los como troféus de uma disputa ensandecida, nào devemos nos surpreender com seu afã de obter vantagens. 

 

Esta gente é fiel às regras deste jogo que nos estimulam a explorar, a expropriar e a manipular a tudo e a todos.

 

Nào há barbárie ilícita ou consentida, há apenas a violencia deste jogo, arbitrado segundo as leis da selvageria do mercado.


Data: 12/12/2013