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Artigo - Cobras de duas cabeças

Wagner Braga Batista

 

A institucionalização dos movimentos sociais tem se mostrado bastante problemática.

 

Além da diligente prática de cooptação de dirigentes e da pasteurização de demandas especificas destes movimentos, por meio de programas sociais, que rebaixaram algumas de suas demandas, governos de coalizão empenham-se em criar canais de participação institucional, que deslocam e submetem a ação destes movimentos aos limites da institucionalidade consentida.

 

Deste modo, por meio de políticas de governo acomoda e institucionaliza suas bandeiras de luta, bem como compromete sua autonomia e arrefece suas ações.

 

Situações críticas apontadas por movimentos sociais, paulatinamente ganham novo colorido em plataformas de governo. Por intermédio desta apropriação verifica-se a revisão  da trajetória histórica, de identidades políticas constituidas durante este processo e das respostas cobradas para suas demandas sociais.

 

O discurso crítico, incorporado por plataformas de governo, perde conteúdo. Compartilhado por ONGs mandrakes, que de dia colidem com politicas governamentais e à noite se abrigam sob suas asas, perde credibilidade.

 

As Organizações Não Governamentais são como cobras de duas cabeças. Não se sabe qual sua verdadeira feição e sua identidade. Dizem-se não governamentais, mas em sua ampla maioria sâo subvencionadas, subsistem captando verbas do governo.

 

Políticas, programas e ações tópicas de governo pouco informam sobre a natureza de problemas apontados e vivenciados por vários segmentos da população, representados ou não por movimentos sociais. Deste modo, ações compensatórias e paliativas se impõem por meio nas chamadas agendas positivas,  que pouco alteram as reais condições de vida das classes subalternas.

 

Estas ações, no entanto, são capitalizadas pelo marketing governamental. Graças à eficiência desta estratégia, a virulencia crítica de movimentos sociais é canalizada por centrais chapas-brancas e ONGs mandrakes, que compartilham com o governo a domesticação de movimentos sociais.

 

Este ingente trabalho de pasteurizar demandas de populações periféricas e  de movimentos populares é contemplado com acesso e transito em governos de coalizão, bem como com  linhas de financiamento de programas sociais.

 

A exemplo de antigos pelegos e, mais recentemente, do sindicalicalismo de resultados, novos atores gozam do beneplácito governamental. São os congeneres do sindicalismo atrelado enquistados em entidades amorfas que se credenciam por meio da domesticação de movimentos populares.

 

Promovem a geléia geral, que se vulgariza com o apelido de institucionalização de movimentos sociais, de suas ações, de seus pleitos e, principalmente, de suas direções em cargos públicos.

 

O comprometimento da autonomia de movimentos sociais torna-se patente quando alguns de seus dirigentes se transformam em serventuários de governos, são incluidos em sua folha de pagamento e se tornam-se dependentes de seus recursos.

 

O relacionamento de movimentos sociais com o poder público, assim como de entidades sindicais com administrações públicas, deve primar pela preservação da sua identidade, dos seus objetivos originais e da sua autonomia frente ao Estado e a estas administrações.

 

Sem ser positivista, ousamos reafirmar que cachorro não pode ser gato e gato tampouco pode ser cachorro.

 

Autonomia é indispensável, mas como se manter autonomo submetendo-se à dependencia?

 

Convém fazer uma ressalva. Autonomia não significa indepêndencia diante do Estado e de suas instituições. Movimentos sociais e entidades sindicais não atuam na extratosfera, nem se situam à margem da legislação coercitiva vigente e de relações sociais mediadas pelo Estado. Ainda que estes entes não se deixem subsumir por instituições da sociedade na qual intervém, não podem ignorá-las ou desprezá-las como se fossem organismos estranhos a esta sociedade.

 

Mas como a prática da coalizão e da cooptção se tornou hegemonica, ousamos dizer que criar ONGs, sindicatos e partidos transformou-se num grande negócio.

Cada vez mais se confundem as peças deste jogo político arquitetado pelos governos de coalizão.

 

Há 32 partidos políticos no Brasil. Salvo dois, recém criados, os demais receberam R$ 286,2 milhões destinados ao Fundo Partidário, em 2012. Podemos sugerir que a fisiologia tomou de vez o lugar da ideologia. Ós chamados partidos ideológicos tornaram-se reliquias políticas.

 

O sindicalismo não difere muito deste quadro. Entre os 15 mil sindicatos existentes,  10.167 são de trabalhadores. Segundo dados do Ministério do Trabalho, movimentaram R$ 2,4 bilhões, valor do imposto obrigatório durante o ano de 2011. Entre 2005 e 2013, foram criads mais de 250 entidades sindicais a cada ano.

 

A crescente perda de autonomia de sindicatos e de movimentos sociais reduziu sua capacidade de intervenção crítica e o alcance de suas postulações sociais.

 

A política de coalizão converteu-se na arte da cooptação. A atividade sindical cada vez mais se confunde com estratégias de captação e de manipulação de recursos financeiros oriundos de fundos de pensão, de greve e do erário público.

 

Parece-nos mais do que recomendável resgatar a autonomia. A legitimidade e a virulencia de movimentos sociais e sindicais, revitalizar os processos políticos e democratizar o Estado no Brasil.

 

Enquanto isto, estaremos a mêrce destas cobras de duas cabeças.


Data: 29/11/2013