topo_cabecalho
Artigo - O novembro azul

Wagner Braga Batista

 

 

Depois do outubro rosa, temos um convincente novembro azul.

 

Os homens são alertados para a alta incidência do câncer de próstata e para as mazelas dos seus preconceitos. Em Minas, valemo-nos de seu poeta mor, Carlos Drumond de Andrade, para reafirmar que a vida é nossa palavra de ordem.

 

Solidário com esta instrutiva campanha, o Cruzeiro sagrou-se campeão brasileiro de 2014. Tornou ainda mais azul nosso novembro. Indiferente aos credos, convições, opções sexuais e etnias atendeu aos apelos e se mostrou solidário a todos homens, ameaçados pelo câncer de prostata. Generosamente, contribuiu  para que Belo Horizonte, Minas Gerais e todo Brasil amanhecessem ainda mais azuis.

 

O indescritível céu azul de Belo Horizonte, coberto de nuvens de maracanãs esvoaçantes,  teve rebatimento no solo. Nas ruas congestionadas de cores não há mais espaços para o azul.  Até flanelinhas e guardadores de carros, ávidos de alguns trocados, inflacionaram o preço de estacionamentos, mas advertem: não há mais vagas para o azul no centro da cidade.

 

As lojas declinaram do comércio natalinos para festejar o azul da generosidade. Papai Noel descerá paramentado de azul.

 

As quaresmas, ipês, jacarandás mimosos, manacás, hortências, iris da Califórnia floresceram simultaneamente no Parque Municipal. Solidárias com este novembro coloriram o parque de azul. 

 

Súbito, o mistério da flor azul, que não florescia, se desfez. Todas elas aguardavam o devido tempo de reverenciar o novembro, celebrar a humildade e saudar o time do Cruzeiro.

 

Floriu para rememorar a habilidade de tres baixinhos, Evaldo, Tostão e Dirceu Lopes.  Premonitoriamente denunciaram a burrice crônica que assola os técnicos zagueiros, os Filipões da caserna. Foram os baixinhos que chutaram os centro avantes,  cabeças de bagre, do meio da área, que abriram espaço e inauguraram a universalidade do futebol do Barcelona. Para eles, centro avantes de referência, com três metros de altura, só se prestam para devorar imensos pratos de comida na hora do almoço.

 

Os bigodes de baixinhos, festejados pela torcida do Cruzeiro, recuperam esta memória. Sem nenhum comedimento, podem se lambuzar à vontade. Condignamente, porque não sujam, nem contaminam a história de nossos gramados.

 

O atual time campeão reedita o Cruzeiro, da década de 1960, que ignorava o campo e desconhecia adversários. No Mineirão ou em Vila Belmiro, batia o Santos de Pelé, sem cerimônia, pelo mesmo e dilatado placar de meia dúzia de gols.

 

Este novo time de baixinhos calou os supostos grandes do futebol.

 

Sem sombra de dúvidas, o azul entrou em cena.

 

Em sua homenagem apenas as moscas azuis renunciaram à habitual performance. Não alimentaram a soberba com suas picadas envaidecedoras, que inibem a  humildade natural dos homens. Juntaram-se aos vagalumes, borboletas, joaninhas e libelulas para festejar este notável novembro celeste.

 

Em Belo Horizonte as portas, janelas, ferrolhos e cadeados sofreram trasmutação. Despiram-se da insegurança e do medo. Ao invés de se fecharem, abriram-se para a vida.

 

Nos muros vicejaram grafitis saudando a criatividade renovada e sobre pedras coloniais brotaram estórias em quadrinhos relatando este auspicioso momento da vida dos mineiros.

 

As ruas ficaram repletas de galinhas resplandecentes. Ciscavam acolhedoras. Retiravam da terra os frutos da alegria celeste. Nos quintais de Minas, apenas os galos estavam descontentes. Pelas esquinas, mostravam-se reticentes e aborrecidos. Cacarejavam e para disfarçar o humor, diminuiam de tamanho. Camuflados de azuis aprendiam nesta nova vida a comer jaboticaba com os sanhaçus.

 

No território de Dilma Rousseff, é assim: Em casa que galinha manda, galo cisca pra frente, cacareja e aprende a botar ovo.

 

Porém, nem tudo é festa. Enquanto as consciências e as cidades se coloriram de azul, o vandalismo pretende cobri-las de sangue. Desde domingo, Belo Horizonte tem convivido com atos de selvageria, incompatíveis com o júbilo e a euforia de torcedores pela brilhante campanha de seu time.

 

Bombas lançadas no meio das ruas, fogos de artificios incendiram mata periférica, sucessivos arrastões e agressões gratuitas a populares anunciaram violência desmedida e premeditada, que mancha a beleza deste azul. Ao invés da solidariedade, ensejada pelo novembro azul, defrontamo-nos com a selvageria que a todos ameaça e causa repulsa.

 

O Museu de Oficios foi depredado. A janela e luminárias desta edificação secular, tombada pelo patimônio histórico, foram destruidas. Em nome de quê?

 

A barbárie praticada no quintal da liberdade pública e neste espaço da socialização da cultura é inominável. É uma agressão a todos beneficiários da cultura. No domingo que antecedeu a obtenção do título do campeonato, houve mais de 120 ocorrencias policias e inúmeras outras depredações. Não são atos de liberdade, são atentados contra direitos coletivos.

 

Sou homem de uma só paixão e um só infortúnio. Sou tricolor de coração. Por dever de consciência, ateu por convicção, nestas Gerais de tantas mil igrejas, procurei uma paróquia modesta. No acólito e no sigilo do confessionário, obriguei-me a  confidenciar: este ano o azul foi campeão de humanidade. Coloriu as esperanças dos que sofrem pelo câncer de próstata. Deu voz aos que padecem em silencio. Despiu de preconceitos os que optam pela vida.

 

Em nome deste azul, o Cruzeiro pode ostentar condignamente o título de campeão brasileiro de 2013.


Data: 14/11/2013