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Artigo - De novo no Maracanã

Wagner Braga Batista

Irrevemediavemente, todos finais de semana cumprimos nossas obrigações religiosas. Pagamos o dízimo. Sem hesitação, compramos ingressos para nossos paraísos preferenciais.

Uns mais sedentários, por meio da tv a cabo acessam paraísos on line, outros, espartanos vão vivenciar as delicias e aflições destes reinos profanos em estádios de futebol.

Neles, entorpecidos pela mistura de histriônicas loucuras e de esfuziante alegrias, homens comuns permitem que as  tardes de domingo roubem suas dores, trazidas de árduos cotidianos.

Nestes templos da adoração profana, substituimos as angústias do trabalho diário pelo delicioso delirio das alienações dominicais, onde o futebol se consagra.

Mesmo privatizados e desfigurados, estádios de futebol ainda nos oferecem resquícios desta democracia participativa, aviltada pelos governos de coalisão.

É bom que se diga. O futebol possui seu ritual próprio. Não oferece margens para dúvidas. Montado num par de chuteiras, todos sabemos quem é barro, quem é tijolo

Porém, integrando o coro dos aflitos, alucinados e alienados estávamos de volta ao ofício de sofredor, subindo as rampas do Maracanã.

Ao ingressar neste templo profano, definitivamente renunciámos à conciencia possível e á realidade que nos assola para  vivenciar dolorosamente fragéis fantasias, ameaçadas pela corrupção e pelo marketing esportivo.

Estas fantasias que são depositárias do drible que engana as certezas. Da bola na trave que rouba a milimétrica explosão do gol.  Do resultado adverso que subtrai as esperanças creditadas à  semana seguinte.

Estas fantasias que não se completam. Que integram o  virtuoso ciclo das alucinações futebolísticas, que se inicia nas tardes de cada domingo e não se exaure, nem mesmo aos finais de campeonato. Graças a elas, murmuram em nossos ouvidos que a tão saudada revolução proletária é infensa a este país.

Neste sábado, para rememorar meu grande amigo Zé Benício, voltei ao culto no Maracanã desfigurado, a pesar dos suplícios que nos infligiram o futebol carioca.

Desta feita, certificamo-nos da existência das hervas da promiscuidade, que infestam o gramado do Maracanã. Havíamos dito a nosso amigo Zé Benício, que nesta relva puríssima reinavam paixões indescritíveis e virtuoses do futebol, hoje, no entanto, estão contaminadas pelo marketing. 

Seria preiso resgatar as verdadeiras sementes de Maracanãs.

Como um cavaleiro medieval, descemos às catacumbas deste estádio exuberante à busca do santo Graal e dos homens humildes, varridos das gerais, soterrados sobre os escombros do Maracanã desfigurado.

Nas catacumbas, onde residem os gritos dos oprimidos, ouvi o clamor do meu povo.

Nas catacumbas, ainda ecoam vozes de autenticas torcidas a cada momento de convulsão deste grandioso estádio.

Ali, somente ali, no fosso das catacumbas, poderíamos encontrar as verdadeiras sementes de Maracanã. Daquele manto verde onde reinou Mané Gachincha, misto de colibri e cavalo alado. Ao invés de pisar na grama realizava insolito, graças à mágica insustentabilidade de voos e dribles desconcertantes, que distribuíam generosidade e alegria para o povo. Que animavam todos aqueles que não conseguiam driblar as agruras da vida.

Como nos disse Armando Nogueira, Garrincha contrariava as latitudes da fisica e da geografia planetária. Com habilidade indescritivel, seus dribles estarrecedores, transformavam um mísero palmo de terra num enorme latifúndio para o imaginário.

Quando faria oitenta anos, se vivo estivesse, Garrincha, foi homenageado pela negligencia  dos que dirigem o futebol brasileiro.

Por isto, fui colher as sementes de Maracanãs, daqueles autenticos gramados. Sementes dos gritos dos alijados das gerais pela suntuosidade estéril dos padrões excludentes. Levo nos bolsos, sementes de Maracanãs, para abrilhantar a escalada do Treze, em Campina Grande,

Porém, voltemos às aflições originais. Aquelas que conduzem, os torcedores do Fluminense, às dores e incertezas do calvário.

Para nos resguardar, comunista confesso, rezamos para João XXIIII, o papa do concilio. Certamente o único capaz de nos reconciliar com as vitórias..

Vestindo a camisa encarnada, encarnecida pelos sucessivos fracassos,  cedemos a todas promessas.

Por precaucação, carregados de terços e patuás, subimos, com joelhos em carne viva, as rampas que nos conduziriam ao  infortúnio ou à glória.

Com uma das mãos persignávamo-nos, na outra, mantinhamos os  dedos cruzados.

 A hermeneutica das superstições futebolisticas autoriza-nos a dizer que, nas horas de aflição, todas promessas são legítimas e defensáveis.  Nenhuma heresia estará além do objetivo maior, esconjurar a segunda divisão.

Isto posto, tornamo-nos irreversivelmente fiéis a nossas aflições e nossas sinas.

Porém, o determinismos atroz estabelece fronteiras insuperáveis, que bloqueiam nossas crendices.

À guisa de conclusão, por dever consciencia, temos a informar que, apesar da consentida licenciosidade, das exaustivas promessas e do desgastante sacrificio, as dádivas faltaram ao nosso encontro.

Mais uma vez, o tricolor fez água.


Data: 21/10/2013