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Artigo - Os náufragos do capitalismo

Wagner Braga Batista

 

As adversidades climáticas, as avalanches, os tufões e os maremotos são forças redentoras.  Desgraçam seres humanos, mas salvam a economia de mercado. Eximem o descontrole e a imprevidencia da economia da responsabilidade pelo desastre da vida social.

 

Manchetes anunciam, em alto e bom tom, que migrantes africanos morreram na travessia do Mediterraneo. Foram vitimas de  incendio em alto mar. Cinicamente, poderiam atestar também que foram asfixiados pelo gás carbonico ou dizer  que morreram com água nos pulmões. Furtam-se a comentar, apesar de agraciadas com a liberdade de imprensa, a ação das forças obscuras,  que universalmente nos asfixiam.

 

Aos olhos da grande imprensa, fatos sociais tornam-se auspiciosos quando proporcionam espaço para a licenciosidade. Podem ser focalizados e destacados  nos noticiários, porque nada desvelam, a além da licenciosidade subjacente. Este artificio assegura a legitimidade das multiplas versões.

 

Deste modo opera a ambiguidade ideológica, que esconde causas de fatos sociais apesar de capitalizar as desgraças que provocam. Manchetes subvertem a natureza de fatos e nos fazem crer na ordem natural que nos vitima. Justificam incendios em alto mar e labaredas devastadoras que se espalham por oceanos de iniquidades.  Estes fenomenos facultam que  crescer ações das bolsas de valores cresçam  com geadas, com pragas e hecatombes, enquanto a existência humana é rebaixada pelas flutuações economicas.

 

A proclamada liberdade da grande imprensa comporta-se como faca n´água. Afiada e penetrante, quando sangra a consciencia pública. Porém sem poder de corte, quando incide sobre interesses políticos e economicos que ameaçam a humanidade.  

 

Na água a faca é inócua, assim como a grande imprensa se mostra incapaz de desvelar a natureza destas tragédias humanas.

 

Deste modo, catástrofes são celebradas. De várias maneiras, como fundamento do exito ou como explicações para desastres da economia de mercado.

 

A imprensa alinhada com novos paradigmas nos remete a transitos paradoxais. Uns nos conduzem à pós-modernidade liquefeita. Outros, a desfechos igualmente trágicos, que implicam em degração ou supressão da vida humana. Estas drásticas travessias são desumanizadoras. Não apontam horizontes promissores e apenas revelam intransponíveis diistancias que separam seres humanos na sociedade desigualitária.

 

Enquanto umas são provocadas por necessidades imperativas, outras, eminentemente culturais, são induzidas pelo marketing. É o suave e alienante percurso que conduz ao deleite, aos caprichos fúteis e a desejos indeclináveis.

 

As migrações atingem dimensão aterradora na atualidade. Não são impulsionadas por caprichos. Milhões de homens, mulheres e crianças submetem-se a dificieis jornadas para escapar da opressão, da miséria e da fome. Realizam a travessia entre a impossibilidade de vida e a esperança.

 

Semana passada, defrontamo-nos com mais um desfecho trágico destastravessias.  Um longo caminho que teve inicio na costa leste da Africa e foi interrompido no Mediterraneo, próximo à ilha de Lampedusa. No barco de 20 ms estavam aproximadamente 500 pessoas.

 

Como na linha divisória que separa cidadão norteamericanos dos homens do resto do mundo, o Mediterrâneo se impõe como fronteira histórica do neocolonialismo, que separa o capitalismo civilizado dos selvagens do antigo mundo.  Os estereotipos colonialismo são decalcados pela lógica perversa que ainda hoje sacramenta a exclusão social.

 

O barco seguia rumo à superação da fome, ainda que obtida por meio da discriminação e do trabalho degradante.  Prosseguia em direção à possibilidade de vida, ainda que a fatalidade a ameaçasse. Avançava em meio às ondas da liquidez economica, à fluidez da linguagem dos que a dominam e à sustentabilidade alcançada por meio da exploração do trabalho humano.  Porém a economia perversa não admite a flutuação de improprios, dos desprovidos de direitos. Daqueles que participam da movimentação financeira e se tendem a se converter em  naufragos de suas promessas.

 

A ideologia da globalização consagrou o livre comércio e a célere troca de mercadorias, porém manteve o trabalho cativo.  Tornou inadmissível a mobilidade do trabalho, encarnada nos inempregáveis, noss imprestáveis, nos homens sem profissão, destituidos de aptidões, próprias de todos os homens. Os deserdados da terra transformaram-se em novos párias na economia de mercado.  Em seres humanos descartáveis, identicos aos dejetos que se acumulam na periferia do capitalismo civilizado.  São náufragos da economia perversa.

 

O desfecho desta trágédia é elucidativo da mercantilização da vida humana.

 

Na tragédia de Lampedusa, os náufragos que desapareceram no mar, ficaram  livres de taxas aduaneiras.

 

Os sobreviventes terão o direito de ser expulsos. De pagar taxa extorsiva na moeda em vigor e retornar incólumes à concretude dos territórios da impossibilidade de vida, de onde migraram.

 

Graças à licenciosidade vigente, os 145 cadáveres do naufrágio terão o direito de permanecer no solo da ilha de Lampedusa, portal de entrada no capitalismo civilizado europeu.  

 

Mortos, alimentarão o  silencio de seus cemitérios.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 10/10/2013