topo_cabecalho
Artigo - Nossos perfis

Wagner Braga Batista

 

 

No mundo virtual festejamos a virtualidade de virtudes que desaparecem do mundo real. No entanto, parecem prosperar em perfis nas redes sociais.

 

Neste cenário nebuloso, não afloram apreensões, indefinições, dúvidas e hesitações. São sufocadas por manifestações autorreferentes, egocêntricas e elogiosas, que ignoram limitações e fraquezas comuns a todos seres humanos.

 

Afinal, há muito que preservar em cada um dos nossos perfis para que não se deixem comprometer com a desfiguração da sociedade. Com cuidado, faz-se cada vez mais oportuna a intervenção

 

autorreparadora, capaz de refinar a imagem falsificada que construímos de nós mesmos. Não podemos ceder às contradições que nos cercam, que limitam nossa licenciosidade. Contradições que constrangem nossas vaidades, nosso ímpeto de vazão aos nossos desejos e ao nosso egoísmo.

 

Por isto, em nome do nosso individualismo, é preciso estar atento e forte, não podemos ceder à ética que não nos acolhe, que ameaça nossa visibilidade e nossos perfis.

 

Se não forem nossos perfis, o que será de nós? O que ficará em seu lugar?

 

Celebramos a velocidade com que o uso privado de novas tecnologias nos afasta da vida real. A celeridade do mouse e dos teclados suplanta as trajetórias de vida. Viabilizam artifícios que desprezam o chão em que pisamos.

 

Os bites ignoram a sociabilidade, a convivência, os valores de cada um. As imagens fotogênicas emolduram inconsistentes relações de amizades, criam a metamorfose que produz o apreço ao inverso do outro.

 

Por meio desta celeridade somos levados a creditar ao mouse a onipotência.

 

O mouse torna-se fantástico. Oferece-nos a possibilidade do click. Da opção instantânea e volátil que não nos compromete com coisa alguma, além do click, é claro.

 

O teclado não fica a dever. Num piscar de olhos, permite-nos copiar e colar. Reproduzir citações destoantes de nossas atitudes. Proferir frases declarações inconsistentes e incoerentes, cobrar a autoria de declarações feitas por outros. Aderir e repelir manifestos em fração de segundos. Adotar vocações por quinze minutos.

 

Nossos perfis são o incenso de nossas vaidades. Irrigam nossa sede de visibilidade a troco de compromisso algum. Sequer com nós mesmos.

 

Podemos fazer escolhas inopinadas, imediatas e destituídas de qualquer propósito que não seja a notabilidade conferida a nós mesmos.  

 

 Podemos selecionar amigos entre milhares de opções que nos são oferecidas on line. No cardápio das amizades podemos fazer cruzamentos étnicos, ideológicos, vocacionais, corporativos, entre tantos outros. Com a facilidade com que compramos e vendemos podemos negociar nossas amizades.

 

Somos capazes de acolher milhares de amigos virtuais, no entanto jamais seremos visitados por nenhum habitante do bairro, do quarteirão ou de herméticos condomínios onde moramos. Proclamamos a cordialidade aos quatro ventos, no entanto sequer desejamos bom dia aos  nossos vizinhos.

 

Pelo teclado de computadores ingressamos em comunidades virtuais dispensando laços de identidade e comprometimentos desgastantes. Numa fração de segundo, podemos fruir instantaneamente de inabaláveis convicções. Adquirimos crenças momentâneas, assim como aderimos e descartamos uma cor de batom ou uma marca de cuecas. 

 

Graças à disponibilidade do mouse, podemos nos dizer comprometidos com o futuro, desprezando o dia seguinte.

 

Esta peculiar cultura virtual reproduz a permissividade da cultura real que nos convida apenas à fruição de desejos. Que impõe a farsa, a hipocrisia e a mentira como indutores preferenciais da sociabilidade ensejada pelo mercado.

 

Como habilidades que se disseminam socialmente.  Como aptidões adequadas à sociedade que elegeu pulsões individuais e a negociação como móveis da sua sociabilidade.

 

Se não nos demonstramos venais e licenciosos, seremos considerados inaptos, desonestos com nós mesmos. Estaremos fadados ao fracasso numa sociedade que associa o sucesso à vantagem pessoal, à realização de negócios assimétricos e à realização de interesses privados a todo custo.

 

Se não demonstrarmos estas aptidões, possivelmente não enriqueceremos nossos perfis e não tornaremos nossos currículos robustos. Paradoxalmente, seremos levados ao descrédito, uma vez que nos mostraremos desabilitados para o exercício destas regras de vida e destas relações de trabalho.

Estaremos condenados à inempregabilidade.

 

 A ideologia da mentira não é uma construção virtual. É um fato social.

 

Não só alimenta nossos falsos perfis e currículos repletos de construções subjetivas, mas também preenche poros da economia de mercado, das ações políticas predominantes, da cultura hegemônica e das relações que contraímos no dia a dia. É o estofo da ética vigente.

 

 Desta ética que alguém diz ser apenas uma construção imaginária.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 24/09/2013