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Artigo - Homenagem a Carlos Lamarca

Wagner Braga Batista

 

 

Dez anos depois, diante de exaustivas reportagens televisivas sobre o atentado terrorista ao World Trade Center, familiares do capitão Carlos Lamarca, morto por agentes da repressão, na localidade de Ipupiara, no sertão baiano, em 17 de setembro de 1971, denunciaram o silencio e a omissão da grande imprensa diante deste assassinato.[1]

 

Em 11 de setembro de 2011 um canal brasileiro mostrará ao Brasil, ao povo brasileiro, 10 anosdo acontecimento em New York, quando as torres do World Trade Center foram atingidas por duas aeronaves de grande porte, que resultou na morte de inúmeras pessoas. Em 17 de setembro de 2011, farão 40 anos da execução sumária de Carlos Lamarca, nenhuma reportagem será efetuada. 

 

Passados 42 anos, os estigmas ainda persistem.

 

Reconhecido pelo seu desprendimento e pela sua abnegação por todos que lutaram pelo restabelecimento das liberdades democráticas no Brasil, Lamarca ainda hoje é tratado com desdouro por segmentos das forças armadas, fortemente aferrados a codigos disciplinares que impedem o exercício pleno da consciência política.

Paradoxalmente, foi em nome da consciencia civica que setores das forças armadas brasileiras ignoraram preceitos constitucionais. Ao se insurgir contra um governo democrático e depor pela força das armas o Presidente João Goulart, adotavam atitudes análogas as que condenavam em Carlos Lamarca, quais sejam, denegar o papel constitucional do Exèrcito Brasileiro.

 

Lamarca era oficial de origem humilde. Seu pai era sapateiro em uma comunidade favelizada do Rio de Janeiro, no morro de São Carlos.  Seus irmâos não tiveram oportunidade sequer de estudar, possivelmente premidos por exigências e encargos da vida familiar.

 

Ao ingressar na Academia Militar e ascender ao oficialato, Carlos Lamarca enfrentou sérias carências materiais. Seu soldo, insuficiente para fazer frente às despesas familiares era complementado por alguns companheiros de farda, ciosos  de suas dificuldades, agravadas por problemas de saúde de sua esposa.

Aos poucos percebeu que seus problemas não eram estritamente individuais, nem tampouco circunstanciais, eram comuns a outros homens que alijados do processo político não tinham possibilidade de debatê-los publicamente.

 

As forças armadas sofreram expurgos antes e depois do golpe militar.  Os inqueritos policiais militares- IPMs,  instaurado após 1964,  cpuniam terminantemente qualquer manifestação que questionasse ações autoritárias emanadas dos altos escalões das forças armadas. Outro militar, Capital Sérgio Miranda de Carvalho, conhecido como Sérgio Macaco (1930-1994), atuante no serviço de busca e salvamento ao ser acionado para explodir o gasometro do Rio de Janeiro e imputar a responsabilidade aos comunistas, recusou-se a realizar esta ação. Segundo relatos de época, o agrupamento destinado a salvar vidas não se limitaria à pratica deste atentado, posto que fora concitado à:

 

...explodir a loja de departamentos Sears, na Praia de Botafogo, a embaixada dos Estados Unidos e o Citibank, no centro da cidade; dinamitar a represa de Ribeirão da Lajes, deixando a antiga capital da República parcialmente sem água; explodir o gasômetro que ficava a 250 metros da Estação Rodoviária Novo Rio, em dia de semana, por volta das seis da tarde, para matar um grande número de pessoas; atribuir os atentados aos comunistas e promover uma matança que, nessas condições, poderia ser aplaudida pela população.[2]

 

O mentor deste projeto hediondo, brigadeiro João Paulo Burnier, militar de extrema direita,  depois se celebrizou pelas torturas e assassinato de Paulo Stuart Angel, nas dependencias da base da aeronautica, sediada no Galeão.

 

Ao denunciar esta torpe diretriz, o Capitão Sergio foi submetido a duras penalidades que subsistiram até a vespera de sua morte.

 

Declinando de todas suas prerrogativas militares, abriu mão de sua profissão e de sua familiar para se dedicar integralmente à resistencia política à ditadura. Após enviar sua esposa e filhos para o exterior, em 24 janeiro de 1969, Lamarca juntamente com outros militares de baixa patente apropriaram-se de 63 fuzis FAL, 3 metralhadoras INA, uma pistola  calibre 45 e grande quantidade de munição do Quartel do 4º RI, em Quitauna, São Paulo.  

 

Desde então, submeteu-se à rigorosa clandestinidade. Juntamente com Carlos Marighella, assassinado em 4 de novembro deste mesmo ano foi exaustivamente procurado pelas agências repressivas. As tentativas de dificultar seu reconhecimento implicaram em que tivesse que se submeter a cirugia plástica.

 

Com o passar do tempo, a figura magérrima e esguia do capitão Lamarca se afigurava como portentoso militante que conseguira romper o cerco ao campo de treinamento de guerrilha no Vale da Ribeira, participar de inúmeras ações armadas, serenamente se sobrepor a embates em condições extremamente adversas e conseguir a libertação de 70 companheiros em troca do Embaixador suiço.

 

No entanto, aos poucos, Lamarca adquiria maior consistência política. Percebia o isolamento a que estavam submetidos os segmentos que arrojadamente se lançaram na luta armada contra o regime militar. Conseguia assimilar experiências precedentes, que ofereciam visbilidade e reconhecimento público de ações de enfrentamento da ditadura, porém não se traduziam em adesão política.

 

O militarismo defrontava-se com suas limitações que impediam que ações localizadas se transformassem em formas de luta democráticas amplas com aderencia popular.

 

Neste contexto, Lamarca opta  por trabalho político voltado a formação popular. A construção da consciencia politica que habilitasse amplos segmentos da população à  resistencia popular indispensável à derrota política do regime militar.

 

Dotado desta convicção, Carlos Lamarca desprendeu-se do meio urbano e se embrenhou no sertão da Bahia, onde viveria seus últimos dias.

 

Ali percebeu o fosso socioeconomico que separava populações urbanas da gente paupérrima que estava mergulhada nos rigores do meio rural. Em uma de suas cartas, divulgadas após sua morte, sintetiza: “Neste sertão quem consegue comer uma vez por dia é rico.”

 

Em agosto de 1971, após ser localizado, perseguido durante dois meses, será assassinado. Duramente enfraquecido pela fome e supliciado por doenças endemicas,  não conseguiu romper o cerco e sem condições de oferecer resistência será sumariamente fuzilado por integrantes da Operação Pajussara, em 17 de stembro de 1971, na localidade de Ipupiara.

 

Ao seu lado, igualmente assassinado, um companheiro que jamais o abandonou neste calvário: José Campos Barreto, o Zequinha.[3]

 

Dias antes, sua companheira, Iara yaverberg, será acuada em prédio na praia de Ondina, em Salvador. Subsistem dúvidas se foi assassinada neste local ou se temerosa da prisão teria se suicidado. [4]

 

No aniversário de sua morte, sentimo-nos de dever de prestar justa homengaem a Carlos lamarca, pela sua luta em prol do restabelecimento dos direitos civis em nosso país.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 



[1] Carlos Lamarca: 40 anos de sua execução URL:                                                        

http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=439:carlos-lamarca-40-anos-de-sua-execu%C3%A7%C3%A3o-comunicado-da-fam%C3%ADlia-do-capit%C3%A3o-lamarca acessado em 10 de setembro de 2013

 

[2] ENTREVISTA / MAURÍLIO FERREIRA LIMA, Correio da Manhã foi decisivo no caso Para-Sar, Mauro Malin, em 19/06/2012, edição 699, Observatório da Imprensa, URL: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed699_correio_da_manha_foi_decisivo_no_caso_para_sar

 

[3] EMILIANO, José et MIRANDA, Oldack, Lamarca o capitão da guerrilha São Paulo, Global Editora, 16ª edição revista e ampliada, 2011. Este livro subsidiou o filme sobre a vida de Carlos lamarca, dirigido por Paulo Rezende, em 1994

 

[4] PATARRA. Judith Lieblich. Iara. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. 520 p,


Data: 17/09/2013