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Artigo - O possibilismo que se torna possível

Wagner Braga Batista

 

 

Após a década de 1970, o questionamento de formas tradicionais de organização e de representação política dos movimentos sociais, desdobrou-se na busca de alternativas que superassem estruturas centralizadas, hierarquizadas e burocráticas de partidos de esquerda proscritos pelo regime militar.

 

Após o golpe de 1964, durante o processo de resistência ao regime militar, diante do recrudescimento do autoritarismo,  surgiram diferentes formas de organização que propiciaram experiências de intervenção social assentadas na democracia participativa. . Com distintas compleições e inspirações ideológicas, ainda servem como contraponto a organismos politicos convencionais. Entidades constituidas à margem de partidos, serviram como escoadouros do movimentismo de moradores de áreas periféricas dos centros urbanos, de sem teto, de trabalhadores sem terra, entre outros segmentos populacionais. Estas organizações sem base social definida, voltadas à defesa de condições habitacionais, do acesso à terra, de direitos humanos, de grupos étnicos  discriminados, entre outros objetivos, adquiriam compleição organica diferenciada. Questionavam ambiguidades e o nominalismo da democracia liberal, bem como  ofereciam fecundas alternativas às formas de organização, de representação e de participação de partidos políticos de esquerda, proscritos pelo regime militar.

 

O rigor da clandestinidade a que estavam submetidos pela repressão política, dificultou a efetivação de questionamentos teóricos e práticos ao autonomismo e ao movimentismo emergentes.

 

Articulistas desta tendência questionavam e renegavam organizações partidárias, reputadas como esteios do eleitoralismo que se convertiam em plataformas para o patrimonialismo das elites. Este viés se faz ver em movimentos de inspiração confessional, seus rudimentos estão presentes em comunidades eclesesiais de base. Estas ilações, dotadas de fortes elementos críticos, desembocavam no espontaneismo e no descredito de organismos dotados de direções, programas e linhas de ação bem definidas.

 

Em escala mundial, estas tendências que emergem durante a década de 1970,  irão se consolidar com as irupções impulsionadas por diferentes motivações no início do século XXI.

 

Sem centro de gravidade e claras diretrizes políticas, apresentavam-se como alternativas às formas clássicas de organização de setores democáticos e populares.

 

As manifestações contra a globalização, a Organização Mundial do Comércio-OMC, as agencias financeiras multilaterais,  o Forum Economico Mundial, as reuniões de chefes de Estado de economias centrais,  que eclodem em Seattle, EUA, em 1999, em Davos, na Suiça, em 1999,[1] e em Genova, na Itália, em 2001, representam o ápice destes movimentos que convergiram para a realização dos Foruns Sociais, realizados em  várias partes do mundo nos anos subsequentes.

 

Uma pleiade de complexos e diversificados organismos constituiu o núcleo destes eventos. 

 

A critica ao sistema capitalista e ao neliberalismo, sob o lema de que outro mundo se tornava possível, ao mesmo tempo em que ensejava mudanças estruturais, não oferecia indicações consistentes das possibilidades sinalizadas, nem tampouco orientações que capacitassem estes novos agentes sociais a alcançá-las.

Á época, Otávio Rodriguez, advertia para a inconsistencia desta proposição:

 

Os defensores do movimentismo (...) opõem-se à possibilidade de um programa e à definição de uma meta final porque sabem que haveria desunião, e acreditam, numa utopia sem base na realidade (...) sem um programa e sem acordos sobre uma meta final, se vencerão os donos do dinheiro sem formar um contra-poder (porque também desprezam tudo o que tenha a ver com o poder e a política, os partidos inclusive).(...) Como se cada qual preferisse encerrar-se na "sua verdade" e tolerar os demais. É o movimento e, com este, a incerteza de uma utopia sem proposta. [2]

 

O novo movimentismo fixava-se em pertinentes denúncias de mecanismos concentradores de riquezas e de exclusão social, porém não se mostrava apto a questionar a emulação empreededora subjacente a ações de Organizações Não Governamentais- ONGs, entidades muitas das vezes utilizadas para captra recursos públicos. Nem se habilitava para inibir a sedimentação de valores tipicamente liberais, patrocinada por muitos destes organismos. Não confrontava a exacerbação do autonomismo, do individualismo, da manipulação de temáticas sociais e ambientais e a mercantilização de projetos que se credenciavam em nome da sustentabilidade.

 

O possibilismo tornava-se uma nebulosa que se conduzia em conformidade com o sopro dos ventos. Sem programas e sem diretrizes políticas, oscilava assim como tendências da economia de mercado, em tese denunciadas em suas manifestações.

 

Deste modo, pulsões autonomistas evoluiram por caminhos divergentes e controversos. Impulsionadas por orientações libertárias e pelo reducionismo de ações empreendoras,  exploraram de diferentes modos virtualidades críticas e iniciativas da juventude absorvidas pela economia de mercado.

 

O autonomismo e o movimentismo, capitalizados por ONGs, tornaram a intangibilidade do possibilismo em fonte de dividendos economicos. Canalizaram algumas manifestações de rebeldia para convertê-las em vetores de rentabilidade financeira e publicitária. A exploração de temáticas ambientalistas, de afirmação étnica, de valorização cultural, entre tantas outras, converteu-se em capital simbólico, acionado para viabilizar a transferencia de recursos públicos para entidades privadas, que inescrupulosamente manipulavam estas bandeiras.

 

A inconsistencia de algumas proclamações feitas por ONGs e seus ativistas são reveladoras de intenções algumas vezes difusas, outras claramente orientadas à realização de objetivos restritos e, por vezes avessos, a projetos socializadores. 

 

Neste diapasão ressoa a crítica aos partidos políticos institucionalizados. Investe contra ambiguidades dos seus programas, de suas metas, de suas ações e de seus quadros, atribuindo indistintamente a todos estes organismos e seus componentes as mesmas deformidades e injunções da política real. De relações promiscuas que desfiguraram e rebaixaram a prática política, desacreditando-a aos olhos do senso comum. Contudo estas deformidades não devem ser generalizadas, posto que não podem ser creditadas a todos partidos políticos,

 

Neste quadro, também ressurgem forças ultra-conservadoras que instrumentalizam, capitalizam a desqualificação da prática política para promover a sua política anti-democrática, elitista e restritiva de direitos sociais.

 

Conjugam-se com movimentos democráticos e libertários, que promovem as atuais manifestações de rua, caracterizadas pelo autonomismo, pelo espontaneismo e por forte rejeição aos partidos políticos.

 

Ostentando a bandeira do apartidarismo, do supra-partidarismo, conjugam-se com postulações de autonomistas e de movimentistas para sedimentar o anti-partidarismo.  Para desqualificar e isolar políticamente partidos democráticos, socialista e comunistas.

 

Tentar se credenciar política e moralmente por meio da proclamação da falência partidária e de ações comprometidas com reivindicações populares realizadas por partidos políticos.  

 

Ao renegarem a política, apostam na política de terras arrasadas, na catastrofe, para se mostrar como os novos utopicos do caos.

 

A seguir, ao invés de propor alternativas para superação dos desvios da prática democrática, insurgem-se contra a democracia e, autoritariamente, ameaçam sua supressão da vida social.

 

Á crítica às instituições politicas vigentes, entre as quais os partidos políticos, deve ter como escopo a revitalização de instituições democráticas e das virtualidades democráticas dos partidos políticos.

 

A critica a atuação partidária e a reforma politica almejada devem promover a  revitalização de instituições democráticas e a consolidação de objetivos democráticos.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG



[1] “... simultaneamente à reunião do Fórum Econômico Mundial, reunindo empresários e governantes, a  ATTAC, o Fórum Mundial das Alternativas, a Coordenação contra o AMI e o Strutural Adjustment Participatory Review International, que promoviam o encontro alternativo, já trabalhavam, nessa reunião, com a idéia de “uma   outra mundialização”” LEITE, JC . Forum Social Mundial, a História de uma invenção política, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo , 2003 p 40 /41

[2] RODRIGUEZ, O R. Crítica ao possibilismo & ao movimentismo : Outro mundo é possível.  Qual?

URL: http://resistir.info/varios/araujo_outro_mundo.html em 17 de setembro de 2002

 


Data: 13/09/2013