Artigo - A magia contemporânea Wagner Braga Batista
O conceito de progresso deve ser fundamentado na idéia de catástrofe. Walter Benjamin Há três saberes predominantes, o científico, que repousa na comprovação dos conhecimentos adquiridos, o filosofico, que se efetiva por intermédio da especulação, e o religioso, que se alimenta do reconhecimento e da atualização dos mitos de origem e dos dogmas. O conhecimento científico se afirmou pelo desprezo de outras formas simillares de apreensão da realidade. Além de seus sistemas lógicos de raciocínio e de seus metódos de aferição, considera todos os demais limitados, inconsistentes ou frutos de crendices e superstições. Graças ao estatuto positivista, o conhecimento científico tornou-se fiel depositário do progresso. Do irreversivel movimento que promoveria inevitavelmente o bem estar e a garantia da ordem social vigente. A fé no progresso substituiu crenças religiosas seculares, até então utilizadas para pavimentar a concentração de riquezas e a expropriação do trabalho humano. Instituiu também a ideologia progressista de desempenho do self made man. Do individuo autonomo e competitivo, alheio aos que cercam, que atuaria como protagonista avulso. Como franco atirador, em prol de seus empreendimentos privados, habilitava-se a escolher seus alvos e seus objetivos ignorando objetivos comuns dos que estão ao seu lado. Seu único propósito seria progredir na vida A ideologia do progresso transformou o avanço cientifico em fonte de emulação, de expropriação e de concentração de riquezas. Ao invés de socializar a cultura, os bens materiais e democratizar o acesso à educação, acentuou cissuras e assimetrias causadoras de verdadeiras catástrofes. No entanto, este conhecimento messiânico não assegurou o futuro anunciado. Ao invés de proporcionar o desenvolvimento técnico e o crescimento economico harmoniosos conduziu povos europeus ao acirramento de tensões incontornáveis. As nações que acumularam excedentes gerados pela concentração economica, obrigavam-se a encontrar canais de escoamentos para torná-los rentáveis. Diante do esgotamento do mercado interno, viam-se compelidas a ampliar suas fronteiras. A saturação dos mercados nacionais e a escassez de reservas naturais estratégicas impuseram limites a um modelo de crescimento economico fundado no apelo ao progresso técnico-material. Diante da insdiponibilidade de novos mercados, as nações do industrialismo emergentes não hesitaram em lançar mão do genocicído. A disputa por novos mercados resultou no conflito entre nações que disputavam com unhas e dentes os benefícios do progresso. Culminou com primeira guerra mundial, em 1914 A pseudo-ciência progressista degenerou-se na irracionalidade. Transformou contenciosos politicos em confronto bélico de grandes proporções. Esta mesma ciencia impulsionou a escalada da indústria da morte nos campos de batalha. No genocidio que se mostrou à altura das potencialidades destrutivas destes avanços tecnológicos sem sentido humanizador. Se o conhecimento científico não caiu plenamente em descrédito, foi submetido a sérios questionamentos. Suas consequencias deletérias, imprevistas, foram arguidas fora do campo de intervenção da ciência. As artes, a literatura, a poesia, a pintura, o teatro, o cinema, mas principalmente a filosofia, a política, a ética e diferentes credos, interpelaram-no pelos seus terríveis desdobramentos para os destinos da humanidade. Apesar de suas certezas, o conhecimento cientifico de inspiração positivista mostrava-se falacioso. Apontava eventos mirabolantes, porém se eximia de examinar seus fundamentos e sua destinação social, tampouco se munia de valores éticos consistentes, uma vez que se aferrava apenas a preceitos técnicos.. A ciencia asséptica não revelava nenhum compromisso com a humanidade. Não se reconhecia capaz de especular e fazer projeções sobre desfechos imponderáveis dos eventos técnicos que produzia. A chancela cientifica, supostamente inquestionável, mostrava-se precária e insuficente. Não mais autorizava a realização de projetos que ameaçavam o futuro da humanidade. Que suscitavam a exigência de ser submetidos ao crivo democrático e ético da sociedade envolvente. Convém assinalar: estratégias economicas excludentes, assim como as intervenções bélicas também são consideradas científicas, no entanto expropriam, mutilam e matam. São exemplos significativos do que se reputa como eficácia do conhecimento cientifico e da desenvoltura tecnológica. Ainda hoje, frequentemente são utiilizadas em nome de padrões de vida civilizados e do bem estar de uma parcela da população. A exatidão do conhecimento científico revelou-se falha. Não conseguia apreender o desespero, a angustia e as dores dos milhões de seres humanos mutilados e mortos não contabilizadas. Das vidas de soldados ceifadas em trincheiras por gases tóxicos e de civis assassinados no bombardeio de centros urbanos por aeronaves transformadas em dispositivos de guerra. A ciência e a técnica mostravam-se prodigiosos aparatos de destruição em massa. A aniquilação desencadeada pela indústria bélica emergente mostrou-se similar à avassaladora capacidade de destruição das forças produtivas saudadas por teóricos do capitalismo monopolista. Ao invés de socializar seus bens, produziam a concentração de riquezas e a disseminação da miséria, da pobreza e da exclusão social. No entanto, este processo desigualitário, também era cientificamente explicado. A segunda guerra mundial também foi elucidativa do consórcio espúrio entre aparatos cientificos e o complexo bélico-industrial. O poder devastador de artefatos nucleares, que se irradiaram no espaço geográfico e no tempo, é revelador da contundência deste enlace, do alcance desastroso do conhecimento cieníifico utilizado com finalidade eminentemente destrutiva.Da apropriação e do uso controverso da ciência e da tecnologia O conhecimento humano, manifesto de todas as formas, sempre foi um recurso que propiciou a subsistencia da humanidade em situações adversas. Representou o dominio de forças desconhecidas que nos subjugavam e nos condenavam a ser refens de necessidades elementares. Que nos convertiam em objetos de nossas privações impedindo-nos de ser sujeitos de nossa História. É conveniente ressaltar. O conhecimento e a cultura são a natureza transformada em artificios. Em potenciais recursos que nos permitiram subsistir, ou seja, viver socialmente. Acrescente-se, a vida em sociedade é um destes artificios que, historicamente, potencializaram a intervenção humana. A magia também é um artifício. Uma modalidade primitiva de apreensão da realidade. Configurou a aptidão humana de apreender, traduzir e materializar de modo rustico o que aparentemente seria ilusório. Representou o domíinio e a apropriação das forças que originalmente nos submetiam. Possibilitou sua conversão em recursos cognitivos, ainda insipientes, mas que permitiram nossa emancipação de adversidades primárias e objetivas. Grosseiramente, evitou que nos tornássemos escravos de nossas necessidades. A magia tornara-se expressão de conhecimento rudimentar, ainda intangível, fruto de experiências precedentes, que se apresentava como fonte de resultados práticos, ainda não explicáveis. Exercia o mesmo papel que a espiritualidade que restaurava relações perdidas do homem com a sua natureza. Estas relações eram inexplicáveis, porém não se faziam dispensáveis em meio obscuro, inóspito e temeroso. A espiritualidade animava seres humanos no enfrentamento de adversidades, muitas vezes intransponíveis. Ainda hoje, mostra-se um recurso prodigioso. Há aqueles que não que não acreditam em seus efeitos mágicos, como eu, por exemplo, que não a renegam como força vital que anima pessoas enfermas e em desespero. Reconhecemos que auxilia muita gente em situações dificeis.. Há também cientistas modernos que não creem em magias, mas cedem as suas tentações em terapias ocupacionais, em consultórios de psicologos e em sessões de auto-ajuda. Destituida de caráter mistificador, a magia exerce papel significativo na cultura contemporânea. Sinaliza a possibilidade de desvelar novas fontes de conhecimento, de socializa-lás e de as converter em valores mais consistentes, em relações mais edificantes e em formas de convivencia harmoniosa entre homens, mulheres e crianças. A ciencia e todas as formas de conhecimento, não podem ignorar e desprezar seu manancial, assim como forças latentes na natureza que nos envolve e nos preenche. Agnóstico convicto, aderimos às magias que fascinam, que mobilizam e que propiciam a construção da coletividade. Renunciamos às certezas que nos cristalizam, ao progresso avassalador que nos oprime, aos determinismos que nos aprisionam e ao conhecimento lógico e positivista que reduz, limita e nos impede a percepção do outro. Aderimos a esta generosa magia contemporânea que se propõe democratizar o acesso à cultura e aos meios de comunicação, habilitar-nos a universalizar a educação pública e gratuita. A realizar direitos sociiais impostergáveis e irredutíveis. A magia da força e da união coletiva que viabiliza relações necessárias para que possamos viver em harmonia com natureza e com toodos que nos cercam. Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG Data: 09/09/2013 |