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Artigo - Nosso amigo Legal, um Patrimonio Mundial da Humildade

Wagner Braga Batista

 

 

Como todos sabem, Legal, nosso amigo borracheiro, foi eleito no conclave dos generosos e humildes de Campina Grande, realizado dia 28 de agosto do corrente, no ginásio da UFCG, o homem mais bondoso das mediações de Bodocongó, Jeremias, Monte Santo, Prata, Bela Vista, Conjunto dos Professores e Pedregal.

 

Por aclamação, os 2316 presentes, signatários da ata, reconheceram em Legal as virtudes que se tornam escassas nas redondezas.

 

As reações foram inúmeras.

 

Insatisfeitos, moradores da zona sul e arredores, revoltaram-se.

 

Queriam, também, ter o direito de homenagear o borracheiro.

 

De público, declararam que a pequena distância que separava seus bairros do Monte Santo não poderia se converter numa barreira intransponível para a afirmação dos laços de amizade que os unem a Legal.

 

Não poderiam, deste impedido ser impedidos de manifestar o reconhecimento pelas suas virtudes.  

 

Reunida no Parque do Povo, a assembléia do moradores adotou Legal como emblema da sociabilidade ameaçada e cidadão honorário de todos os bairros da zona sul e leste de Campina Grande..

 

Também invocavam o direito de  homenagear Legal os sem teto, os deserdados e todos que a ele se igualavam na pobreza.

 

De vários municipios da Paraíba chegavam moções de solidariedade à Legal, vitima de brutal atropelamento.

 

Os bornais dos incansáveis e diligentes carteiros transbordavam de missivas, moções e atestados chegadas de todo páís certificando que Legal era inigualável em sua humildade, esteja onde estiver.

 

Tribo recém contatada na Amazonia, nada conhecia de nossa cultura perversa, porém já ouvira falar da humildade de Legal. A sua primeira comunicação em seu dialeto original aludia ao morador do Monte Santo.

 

Soubemos depois, que esta informação não era inverídica, mas incompleta. Declarações de antropólogos e indigenistas comprovaram que Legal fora ridentificado por sua  inconfundível afeição e identidade com os povos indigenas da paraiwa. 

 

Unanimidade em todo brejo, cariri e curimatau, Legal também ensejava contínuos  pronunciamentos do povo sertanejo em reconhecimento a suas contribuições para a cultura nordestina da hospitalidade e da generosidade.

 

A seguir, confirmou-se a notícia de que os romeiros do Padre Cicero pleiteavam a canonização em vida de nosso amigo Legal. Deste modo, seria incluido no rol dos santos populares, ainda não reconhecidos pela Igreja, a exemplo de Irmã Benigna de Jesus,  Escrava Anastácia, Frei Damião de Bozzano,

Antoninho da Rocha Marmo, Sepé Tiaraju e Padre João Maria Cavalcanti de Brito. Transformar-se-ia no terceiro beato da ampla região norte / nordeste do Brasil.

 

As torcidas do Campinense e Treze também se mostraram sensíveis. Abdicaram de deploráveis contenciosos e se reuniram para homenagear Legal.

 

Confraternizaram-se e, em nome da paz nos campos de futebol,  reconheceram nosso amigo Legal como simbolo da necessária cordialidade entre todos seus torcedores.

 

Os Orgãos de Deliberação Superiores das universidades públicas de Campina Grande também não se omitiram. Depois de outorgar o nome de João Roberto ao Auditório da FACE, conclamar a apuração de denúncias de arbitrariedades, conferiram a nosso amigo Legal o titulo de doutor honoris causa em todas as ciências humanas. 

 

Clubes de serviço e a maçonaria promoveram conclaves, apressadamente, para dignificar este homem simples. Saudaram suas virtudes e recomendaram sua designação como Presidente hours concours do Rotary Clube, bem como Grão Mestre dos templos maçonicos de Campina Grande e cercanias.

 

Impossibilitado de andar, no seu leito, Legal apenas sorria e rejeitava as deferencias. Queria ser, o que sempre fora, apenas Legal.

 

Ratazanas do dinheiro público, em desespero, diante da profusão de honestidade, penitenciaram-se de seus crimes contra a população carente. De súbito, tornaram-se adeptas da generosidade. Transferiram, às pressas, todo patrimonio subtraído a rodo do erário para prover politicas públicas destinadas à saúde, educação, transporte, moradia e segurança para a população necessitada.

 

Jovens e idosos conjugaram forças.

 

Sairam às ruas para pleitear passes livres para todos que fossem visitar Legal no Monte Santo e fazer peregrinação na sua borracharia próxima à universidade, onde fora atropelado.

 

Em marcha triunfal trabalhadores sem terra prestigiaram o humilde borracheiro com a bandeira dos injustiçados.

 

Uma caravana de muambeiros, provenientes de Miami, entrou em crise.  Em pleno voo  viu-se em pânico.  Como alimentar estes hábitos futeis e triviais quando legal, invalido, padecia no leito.  Definitivamente os muambeiros renunciaram à pratica da mulambagem.

 

Dirigiram ingentes apelos ao piloto para mudar a rota de retorno de Miami. Iriam à Campina Grande, para declinar, de público, frente ao austero Legal da prática abjeta do consumismo perdulário, do culto de objetos banais, da extravagância vulgar e da celebração de padrão de vida pomposo que agride à pobreza.

 

Em nota oficial, publicada em todos jornais campinenses, a União Campinense de Entidades Sociais- UCES reivindicou que nosso amigo Legal, face sua grandeza, fosse atendido por medicos humildes e generosos como ele. Médicos que não mercantilizam sua relevante profissão. Fiéis ao Juramento de Hipocrates dispõem-se a prestar serviços de sáude para todos, em quaisquer circunstancias e em qualquer parte do mundo.

 

Reconhecido por carroceiros, médicos, pedreiros, engenheiros, católicos, espiritas, evangelicos, professores, donas de casa, barronfeiros e abstemios como a primeira e única unanimidade do planalto da Borborema, Legal reservava-se em sua habitual modéstia.

 

Os bandalheiros dos Poderes Públicos, enquistados na arrogância e em inadimissíveis privilégios, sentiram-se coagidos com o reconhecimento público deste homem simples, que contrastava com seu exemplo de vida os abusos praticados no parlamento, no judiciário e no serviço público de modo geral.

 

Tentaram cooptar Legal para que se declarasse favorável à corrupção, ao desperdício de verbas públicas, às práticas abusivas e à bandalheira generalizada.

 

Nosso amigo, em sua ingenuidade, sequer sabia do que lhe falavam. Fez-se de cansado e adormeceu.

 

Organismos internacionais de direitos humanos manifestaram tardiamente a indissociabilidade entre a defesa destes direitos e a promoção da humildade como condição indispensável para o exercicio da humanidade. Identificaram nosso amigo Legal como mentor e precursor desta diretriz indispensável para a emancipação de todos os povos do planeta.

 

Legal tornara-se um icone da humildade no Monte Santo, em Campina Grande, na Paraíba, no Brasil e no resto do mundo.

 

A população do bairro sentia orgulho deste notável e humilde morador.

 

Súbito, altas horas da noite. Todos se surpreenderam.

 

A cachorrada do Monte Santo pusera-se a latir. De onde viria aquele carro diplomático cercado de batedores, com sirenes que acordaram todos moradores do bairro?

 

Até mesmo seculares defuntos no Cemitério do Monte Santo sentiam-se indignados com a barulheira..

 

Sem cerimonia, o cerimorial do Itamarati, procurava por um cidadão anonimo reconhecido apenas pela pecha de Legal.  Sabiam apenas que era pardo, pobre, perdera uma perna num brutal atropelamento e excedia em humildade.

 

Temerosos, todos seus amigos retrairam-se.

 

Imaginavam um retrocesso politico.

 

Lembraram-se da vigencia da ditadura militar quando vizinhos identificados com as necessidades do povo eram sequestrados na calada da noite e  submetidos a torturas e atrocidades em instalações policiais e em granjas campinenses.

 

Silenciavam, para surpresa da comitiva do Itamarati, que era sabedora da popularidade daquele humilde borracheiro.

 

Porém, antes de relatar o ocorrido, faz-se necessária uma reconstituição histórica.

 

Desde 1949, quando a Organização das Nações Unidas instituira o Patrimonio Cultural da Humildade nenhum cidadão do mundo fora contemplado.

 

Por longos anos, o objetivo de constituir um legado de virtudes humanas para gerações futuras estava sendo contrariado pela realidade dos fatos. As virtudes desapareciam da face da terra. O deserto ideológico cultivado pela mercantilização dos valores tornara-se terreno estéril para que prosperassem as virtudes. Tudo se transformara em ambição, ganância, soberba e negócio.

 

Depois de criar a comenda em alusão à humildade, a Organização das Nações Unidas, via-se como sempre estivera: de calças caídas.

 

Após esta decisão, criara-se um impasse.

 

Várias personalidades, vivas e mortas, foram citadas e arroladas como possiveis candidatas a esta menção. Não houve consenso.

 

Vasculharam a História  e o presente. Em todos recantos do mundo não havia ninguém, que rigorosamente atende-se a todos requisitos de bondade, honestidade, generosidade e de humildade. Alguém que pudesse ser contemplado com a comenda da humildade.

 

A ONU via-se num impasse. 

 

O que fazer ?

 

Abolir este instituto ou adequá-lo às novas regras de vida? À promiscuidade política, à cumplicidade na lesão de direitos humanos e ao cinismo emergentes no pós-guerra ?

 

Para contornar o impasse e amenizar o deficit de humildade existente, o Conselho da  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura- UNESCO resolveu simplificar a noção de patrimonio cultural.

 

Limitá-lo apenas aos bens culturais e naturais ainda existentes.  Foram suprimidas a ética e as virtudes humanas desta concessão.

 

Em 1972, a UNESCO  instituiu uma nova noção de patrimonio, simplificada e restrita apenas aos bens materiais e naturais.

 

Diante do reconhecimento da falta de virtudes, da humildade e da generosidade, ali e alhures, denegou a herança ética da humanidade, impotente diante da voracidade da destruição criativa, do espirito devastador dos emprendimentos inovadores,  da volupia dos negócios assimétricos e do mais absoluto desrespeito aos patrimonio público, aos bens livres e aos recursos naturais.

 

Imaginaram os autores desta propositura que nada mais havia por se fazer para restaurar as virtudes perdidas.

 

Ilusóriamente, na falta de virtudes, a ONU pretendia preservar o nada para exibi-lo às futuras gerações pós-modernas.  Que dilema!!! Como assegurar um patrimonio universal, comum e acessivel a todos os homens, num mundo inigualitário, dividido fisica, social e militarmente ? Que herança reservavámos às futuras gerações?

 

Diante desta tenebrosa circunstância, um humilde, igual a tantos outros humildes, submetido à exploração, à prepotencia, às humilhações, às carências, à presunção, à arrogancia, ao luxo e ao desprezo dos que não trabalham, entrou em cena.

 

Mostrou que nem tudo havia se perdido.

 

Severino Hermenegildo de Oliveira, vulgo Biuzinho, imigrante recém chegado de  Queimadas, na Paraíba, sem pestanejar, resolveu o problema da ONU e o atenuou o desesperador deficit de humildade.

 

Este nordestino, que padecia pelas sucessivas derrotas do Fluminense e pelo árduo trabalho de faxineiro no faustoso prédio , limpando imundicies da política externa norte-americana convalidadas pelo imperio da ONU, certa feita confidenciara a seu supervisor.

 

Havia um remanescente da humildade global, portador de virtudes latentes em todos os homens, que ainda permaneciam vivas em suas práticas diuturnas.  Virtudes que poderiam e deveriam ser recuperadas em todos os homens. Perdera uma perna em brutal atropelamento, mas jamais, em circunstancia alguma, renunciara as suas virtudes e a sua dignidade.

 

Neste ponto, retomamos a ida da comitiva do Itamarati que adentrara no Bairro do Monte Santo às altas horas da noite..

 

Mensageiros do Itamarati sequiosos de irrigar suas vaidades, adiantavam o serviço atitudes pouco usuais no dia a dia.

 

 Antes que esta informação se disseminasse, a todo custo, procuravam capitalizar as virtudes de Legal.

 

Após o relato de Biuzinho, de Queimadas, todos representantes e funcionários da ONU, ficaram boquiabertos. Havia um remanescente da humildade. Urgia resgatá-lo. Todos anuiram de imediato.

 

A humildade ainda se fazia presente na nossa civilização e a generosidade residia no Bairro do Monte Santo, em Campina Grande. A sociabilidade humana poderia ser preservada e legada às novas gerações..

 

Subito, deram-se conta que poderiam restaurar as virtudes e pela primeira vez conceder o título de Patrimônio Mundial da Humildade, posto que um homem verdadeiramente humilde ainda existia . E a  unanimidade, novamente se configurou adstrita a nosso amigo Legal.

 

Pela primeira vez no mundo se atribuiria a um cidadão, diga-se brasileiro, paraibano, campinense, morador do Monte Santo, o titulo de Patrimonio Mundial da Humildade e da Generosidade.

 

Pessoas chegavam de todos rincões, vinham fazer promessas e depositar ex-votos em sua casinha simples na subida do Monte Santo. Pediam para que uma protesse restaurasse seus movimentos e lhe permitisse voltar a trabalhar, como sempre fizera.

 

Legal apenas sorria, generosamente.

 

Chefes de Estado, sabedores da comenda pediam audiência. Rechaçada de pronto, terminantemente. Legal só queria ao seu lado os humildes e generosos. O povo com qual sempre convivera.

 

Legal, no entanto, fizera uma concessão.

 

Em 2017, quando de sua vinda ao Brasil, o Papa Francisco antecipou que seu primeiro compromisso será se aconselhar com nosso amigo Legal para abençoar seus ritos de convivencia, sua generosidade e renovar seu aprendizado papal sobre a prática da humildade.

 

Fiel a sua generosidade, Legal confabularará com Francisco.

 

Caros confrades, é  que temos a dizer. O resto é palha, como nos ensinou Biu do Violão.

 

Nosso amigo Legal é único e inigualável.

 

Figura no rol dos bens culturais e naturais contemplados com o título de Patrimonio da Humanidade, como o único ser humano, como único cidadão do mundo, portador da comenda de Patrimonio Cultural da Humildade.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 03/09/2013